Pode haver tanto para escalpelizar numa simples frase: “a Europa perdeu a alma em Gaza”, disse Josep Borrell.
Comecemos pelo emissor: um dos mais oportunistas representantes da social-democracia do eixo NATO-UE, o da Europa-jardim e do resto-do-mundo-selva, lembremos uma fórmula do indivíduo que ocupou na UE um cargo por extinguir, o de representante de uma política externa que deve ser dos Estados.
Continuemos com a metáfora ofuscadora, a que atribui uma alma a um continente só para não encarar as responsabilidades da elite da UE, incluindo do próprio, no genocídio em curso, perpetrado pelo colonialismo sionista, do qual a UE continuou a ser o maior mercado.
O seu problema no fundo é que a “selva” já não ouvirá o “jardim” sobre “direitos humanos”, afiança na mesma declaração, como se o continente tivesse alguma lição a dar, como se fosse superior em qualquer plano. Eurocentrismo em estado puro.
Deixemos uma pergunta, entretanto: será que a UE, expressão do neoliberalismo institucionalizado no momento da sua criação em Maaastricht, pode perder o que nunca teve, a tal alma? A resposta lógica é óbvia, ainda mais para quem se lembra da troika, por exemplo.
Acabemos com uma comparação que nos pode, quiçá, levar longe: Borrell versus Corbyn. Um grisalho atravessou portas giratórias rumo a uma multinacional espanhola, tendo sido multado por inside trading; o outro é um social-democrata que nunca esteve à venda e que sempre foi consequentemente anti-imperialista.
A sua integridade política, a sua intransigência e a sua substância político-ideológica igualitária explicam o seguinte facto: o partido que está a ajudar a criar teve quatrocentas mil adesões em 48h, sendo já o maior partido britânico (o que ainda ostenta o nome trabalhista, com o qual está empatado nas sondagens, tem trezentos mil militantes). São anos de trabalho coletivo de base, não é um qualquer Blitz mediático.
Infelizmente, não conheço setores intelectuais ou políticos da social-democracia lusa, dos verdes com bombas, vulgo Livre, ao P sem S, que se aproximem sequer do internacionalismo consequente de Corbyn, da sua defesa do desarmamento de décadas de militância no movimento pela paz, da sua militância de sempre pela causa palestiniana, que lhe valeu acusações mentirosas de antissemitismo, numa campanha negra que suportou com estoicismo e coragem. Não está só, nunca esteve.
De resto, só me lembro de Corbyn ter cometido um erro crucial e pelo qual pagou um preço elevado: o de ter deixado que a posição sobre o Brexit fosse definida por Starmer quando liderou o Partido Trabalhista. E logo ele, que foi contra a permanência na então CEE, no referendo de 1975, em linha com o imortal Tony Benn. Felizmente, o Reino Unido já está fora da UE: Many Thanks to the English Working Class, reafirmo.
Já agora, por cá, um dos dramas de quem está à esquerda da social-democracia e pensa no antifascismo militante é este: com quem? Felizmente, há perguntas que a vida se vai encarregando de responder. Enfim, pela minha parte há muito que não me sentia tão pouco só, mesmo sabendo que ainda somos tão poucos. Haja evolução e esperança clarificadoras. Tudo muda.
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