quinta-feira, 24 de julho de 2025

Aproximação ao Chega por todos os lados


A secretária de Estado da Habitação que referiu, na recente entrevista à RTP3 sobre as demolições do bairro do Talude, ser «preciso perceber de onde é que estas pessoas vieram, se estão a trabalhar, se vieram trabalhar, se têm contratos de trabalho que lhes permitam estar aqui», é a mesma secretária de Estado que, num ápice, nem pestaneja para assegurar, ipsis verbis, que a questão das barracas «é totalmente um problema ligado à imigração ilegal».

Questionada sobre a crise de habitação, o ressurgimento de barracas na AML ou a resposta a dar às famílias desumanamente desalojadas, não se ouviu de Patrícia Gonçalves Costa uma única referência ao impacto do turismo, ao investimento imobiliário estrangeiro ou aos efeitos da compra de casas para rentabilização de poupanças. Fatores que, no seu conjunto, são responsáveis pela subida vertiginosa dos preços e pelo seu desfasamento crescente face aos rendimentos das famílias, empurrando os mais frágeis para estas soluções precárias de alojamento.

Ao longo da entrevista, não se ouviu à responsável da AD pela habitação qualquer referência às verdadeiras causas da crise habitacional. Ter-lhe-ia bastado ler o recente artigo de Agustín Cocola-Gant no The Guardian, para perceber que não se compreende a crise sem «recuar ao período que se seguiu à crise financeira internacional de 2008» e sem relembrar os efeitos do «plano de choque para reanimar a economia», através do qual «Portugal adotou uma estratégia de liberalização agressiva, com o objetivo de colocar Lisboa - e o país – no mapa global do investimento imobiliário e do turismo». Nada que ver, portanto, na sua origem, com a questão da imigração.

Querer ver na imigração a causa da crise habitacional só pode, portanto, significar uma de duas coisas: um desconhecimento profundo ou a opção, sem escrúpulos, por uma aproximação ao Chega, visando dissimular o agravamento da situação desde que a AD formou governo e obter ganhos na disputa eleitoral com a extrema-direita. Como não é plausível que uma secretária de Estado da Habitação desconheça os fundamentos da crise habitacional, sobra a segunda hipótese. Nada de novo, aliás. Tem sido assim com o governo de Montenegro num número crescente de áreas, da própria imigração à educação, passando pela saúde.

3 comentários:

Anónimo disse...

Como o mercado de transferências está aberto, estará a pensar já na sua?

Afonso Miguel disse...

Não estamos mais ou menos de acordo que o fluxo migratório dos últimos dez anos, que duplicou a % da pop. imigrante no total, anda de mãos dadas com o processo de liberalização do mercado habitacional, e já agora laboral também, dos tempos da Troika, e que concorreu para a 'turistificação' do país?

A incapacidade que tem havido, à esquerda, de discutir as dificuldades trazidas pela imigração tem sido muito penalizadora.

O texto de Paes Mamede neste blogue e no Público é dos primeiros a apontar caminhos para que esta discussão comece a ser feita de forma lúcida.

Por aí, podemos ver que a imigração (concentrada nas AM's) é também uma fonte de pressão sobre o mercado habitacional, a par das multiplas procuras especulativas que existem.

Nuno Serra disse...

Caro Afonso Miguel,
Sem dúvida que o aumento da imigração coloca desafios acrescidos a uma política de habitação que permita, efetivamente, ultrapassar a crise. E sem dúvida também que o artigo de Ricardo Paes Mamede equaciona de forma certeira as questões, salientando nomeadamente a necessidade de assegurar a dignidade e equidade no acolhimento e integração das comunidades imigrantes.
O ponto aqui, contudo, é outro, como facilmente se perceberá pela leitura do post. Não se pode, não é sério (e é além do mais perigoso), tentar imputar a crise de habitação ao fenómeno da imigração, não dizendo uma única palavra sobre os verdadeiros fatores em que assenta (em Portugal e na generalidade dos países europeus) a génese e persistência dessa mesma crise.