sexta-feira, 6 de abril de 2012

Um tratado dos anos 30


Karl Whelan, professor de Economia em Dublin, em “Golden Rule or Golden Straightjacket?”, escreveu sobre o novo tratado visando a estabilidade, a coordenação e a governação da EU uma frase certeira: “Pelo menos aqueles que, nos anos 30 do século passado, prejudicaram a economia mundial agarrando-se ao padrão ouro podiam defender-se dizendo ter seguido o pensamento económico dominante no seu tempo. Os políticos que conceberam estas regras não têm essa defesa.”*

De facto, este tratado está longe de reunir algum consenso, mesmo entre os economistas que ensinam a teoria económica que hoje domina a academia. É um documento marcado pela ideologia ordoliberal e por algumas ideias dos “novos clássicos”, um conjunto de economistas herdeiros do pensamento económico pré-grande depressão. À semelhança do Pacto de Estabilidade e Crescimento que foi generalizadamente transgredido, também este tratado não será respeitado. É arbitrário e impraticável.

O tratado é arbitrário porque impõe uma regra cujo cálculo está longe de ser pacífico. Determina que o défice estrutural não pode exceder 0,5% do PIB. O conceito de défice estrutural remete para a ideia de que podemos corrigir o valor do défice para ter em conta os efeitos, negativos ou positivos, do ciclo económico. Contudo, os estudos que se conhecem mostram que a imputação dos efeitos do ciclo económico depende em muito da metodologia adoptada. Por exemplo, para o ano de 2006, o FMI considerou que a Irlanda tinha um défice estrutural de 5,4%, enquanto a Comissão Europeia estimou para o mesmo país um excedente estrutural de 2,2%. Isto acontece porque nestes cálculos os economistas são confrontados com uma grande dificuldade, a de estimar a trajectória do crescimento do país a longo prazo e definir em que ponto do ciclo económico o país actualmente se encontra. Sendo tão pouco transparente numa das suas normas mais importantes, este tratado só pode gerar mais confusão que a versão inicial do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O tratado é impraticável porque é pró-cíclico. Pretende reforçar a orientação do PEC, mesmo depois de a Europa ter comprovado que a política de redução do défice em período de recessão agrava a recessão, agrava o défice e faz explodir o desemprego. No entanto, os economistas bem formados conhecem uma relação aritmética que mostra como uma economia com taxa de crescimento nominal do produto superior à taxa média da dívida pública pode ter, todos os anos, um défice primário (sem juros) compatível com a estabilidade do peso da sua dívida pública. Como bem recorda Whelan, a regra do défice “restringe seriamente a capacidade de executar políticas contracíclicas que ainda assim seriam compatíveis com níveis moderados de dívida”. O problema é que a zona euro é uma instituição anti-crescimento.

Mas há uma outra cláusula problemática neste tratado. Diz respeito à redução da dívida pública e impõe uma redução anual de um vigésimo da diferença entre o seu peso actual e o valor de 60% do PIB. Em Portugal, o peso da dívida pública no final do corrente ano andará pelos 120%. Assim, para cumprir este tratado, o governo teria de reduzir o peso da dívida 3% todos os anos até alcançar os 60%. Se alguém pensa que, para cumprir este critério da dívida, Portugal pode gerar sistematicamente um excedente orçamental de 3%, não percebe nada de economia nem conhece a sociedade em que vive. Negociado ou não, mais cedo ou mais tarde, Portugal vai mesmo fazer “um corte de cabelo” aos seus credores externos, incluindo os que se julgam intocáveis. Concluindo, as regras da dívida e do défice, através dos seus efeitos pró-cíclicos, fazem deste tratado uma verdadeira força de desagregação da zona euro. Este tratado é uma aberração insuportável.

O meu artigo de ontem no jornal i

4 comentários:

Mea Culpa Mea Maxima Culpa Miserere Dominus Meo disse...

O tratado é uma medida paliativa para atrasar o inevitável, sempre se fizeram tratados irrealizáveis desde Locarno que a europa tem tratados imbecis faz parte da ficção política dualista (bem versus mal versus pior que mau, de resto é uma dualidade em terços, como aqueles de que santo antónio levou à vitória) e se formos ver os tratados anteriores desde o de Methuen ou o tratado económico dos panos e vinhos também era bastante estúpido.

Mas nisto dos tratados, ter fé é essencial,como dizia o outro 3+ 6 + é só fazer as contas...
Um dia alguém vai tratar de as fazer, até lá temos tratado o que já não é mau, podíamos ter canhoeiras a dispararem no Tejo, ou os franciús a limparem-nos os sinos e as pratas.

Mais vale ir pró tratado que ir pró maneta já lá dizia o Hintze Ribeiro

menvp disse...

«No entanto, os economistas bem formados conhecem uma relação aritmética que mostra como uma economia com taxa de crescimento nominal do produto superior à taxa média da dívida pública pode ter, todos os anos, um défice primário (sem juros) compatível com a estabilidade do peso da sua dívida pública.» -> leia-se, RATOEIRA do endividamento esperando um crescimento económico perpétuo...


De facto, é natural que qualquer pessoa questione:
1 - existindo Ciclos Económicos, será prudente uma economia endividar-se esperando um crescimento económico perpétuo?
2 - quais são as consequências - provocadas pela recessão - numa economia que se endividou esperando um crescimento económico perpétuo?
Bom, o resultado está à vista: por um lado os economistas reconhecem a existência de ciclos económicos... todavia, no entanto, em simultâneo, não se cansam de repetir «só o crescimento perpétuo, só o crescimento perpétuo... é que nos salvará do caos económico»!?!?!?
Mais, ao cair na RATOEIRA do endividamento esperando um crescimento económico perpétuo... Portugal está a ser forçado a VENDER ACTIVOS IMPORTANTES para a sua soberania!...

PJL disse...

Desde muito antes de Locarno que a Europa faz tratados irrealistas. Mas este... está tudo louco?

Aleddd disse...

Os tratados não são irrealistasles servem é muito bem os desígnios do grande capital financeiro internaciona. Estes analistas de meia tijela ignoram o conceito de classe dominante, atribuindo as culpas a "erros"...!