Uma linha de fractura na esquerda europeia diz respeito à forma como é entendido o processo de globalização e, em particular, o processo de integração europeu e de integração da Europa na globalização. Como entender a relação entre o estado-nação e a globalização? Quem defende uma ruptura nacional com a actual organização da zona euro está a destruir o projecto europeu? Para lutar contra o europeísmo neoliberal devemos recusar participar num governo de esquerda, no quadro nacional, porque isso implicaria fazer alianças com "fracções da burguesia nacional"?
Contribuindo para a reflexão dos leitores, traduzi a última secção de um texto de Frédéric Lordon intitulada "É a política, estúpido!":
[…] Sim, a ultrapassagem das actuais nações, e a reconstituição de nações – quer dizer de povos soberanos – em escalas superiores é uma possibilidade histórica.
Mas não, isso não acontecerá nas condições da Europa actual – porque foi iniciada sob as piores modalidades, orientadas para a fazer fracassar à força de tanto maltratar os povos de que se queria fazer um povo.
A alternativa é pois a seguinte:
— Ou, prolongando as suas tendências recentes, ela [a integração supranacional] fracassará completamente e produzirá o seu radical contrário, tornando impossível por longo tempo o seu relançamento. Poderemos lamentar, mas não há que fazer disso um drama. A experiência histórica recente, a do fordismo, mostrou claramente que uma ordem económica de nações soberanas é possível, pelo que só um discurso particularmente inepto pode vir dizer que elas cairão na autarcia norte-coreana se não se entregarem de corpo e alma à globalização. Podemos pensar uma economia internacional que não tome a forma da globalização.
— Ou decidimos parar o processo enquanto é tempo, sabendo que a explosão financeira que se anuncia com as bancarrotas públicas bem poderia trazer consigo as suas «soluções»: constatação da impossibilidade de uma zona euro regida pelos princípios «alemães» de política económica, fractura em sub-blocos com formação de um grupo não-alemão onde a revisão profunda do quadro económico, monetário, financeiro e bancário, a que se seguiria a atenuação das tensões internas, permitiria encetar em melhores condições o caminho para a formação de uma entidade politicamente integrada, ou seja, o caminho para a afirmação autêntica de uma soberania regional que, na realidade, se converteria numa soberania nacional, mas de uma nova nação constituída com base nas antigas.
Este novo povo soberano constituir-se-ia na base de uma organização económica que, de facto, teria posto fim à globalização financeira e, através de um proteccionismo selectivo, às desigualdades do livre-comércio generalizado. Esta seria outra forma de dizer que ele teria desglobalizado e que a ultrapassagem das velhas nações não é de todo incompatível com a desglobalização (a qual, inversamente, não condena necessariamente a um «fechamento nacional»). Na realidade, é exactamente ao contrário! A desglobalização poderia muito bem ser a condição necessária à retoma de um projecto supra-nacional razoável, quer dizer regional, e sempre sob condição de uma delimitação bem pensada (porque não se faz uma comunidade política com qualquer um). A menos que a esquerda crítica comece a ter medo das palavras, ser-lhe-á necessário reconhecer que a «desglobalização» é a palavra identificadora do recomeço do jogo, quer este conduza à re-exploração das possibilidades de soberania das actuais nações (no caso de mais nenhuma solução ser praticável) ou à persistência da ideia de um projecto supranacional, mas desta vez prosseguindo um objectivo fundamentalmente político por vias políticas – porque produzir o político através do económico, isso não funciona. E, em qualquer dos casos, se verdadeiramente não há questão mais fundamental que a da soberania, sendo o seu esquecimento a garantia das piores catástrofes, então é tempo de virar ao contrário a frase que se diz ter dado a vitória eleitoral a Bill Clinton, aliás um globalizador encartado e um artífice notório do mundo em derrocada dos nossos dias: é a política, estúpido!
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