sexta-feira, 13 de abril de 2012

Razões inválidas

Não raras vezes fico perplexo pela lógica económica do que leio nos jornais. Hoje, no i, Bruno Faria Lopes (BFL) explica-nos as "razões válidas" para a redução do crédito às empresas por parte da banca.

Primeira razão: as empresas estão muito endividadas e os bancos não querem emprestar mais. É bem verdade. Mas como bem aponta BFL, foram os bancos que andaram a alimentar este endividamento. Diz o jornalista que o fizeram porque tiveram incentivos, como se isso os desculpasse de alguma coisa por oposição às empresas. E estas? Não tiveram incentivos? E já agora, já viu a evolução do endividamento do sector financeiro nos últimos dez anos? Pois.

Segunda razão: A troika quer esmagar o mercado interno para promover o sector exportador. Aqui convinha explicar como o primeiro promove o segundo. Eu só me lembro de um mecanismo: a desvalorização salarial. É que se olharmos do ponto de vista do investimento e do crédito, não faz lá muito sentido. Então, provocamos uma redução da procura interna, que reduz rendimentos às empresas, tornando-as mais pobres, com um endividamento mais pesado em relação à sua capacidade produtiva, para que elas passem a investir nas exportações? É isso? O crédito é reduzido a toda a economia (sim, toda, mesmo ao sector exportador, como o jornalista mais à frente reconhece) e isso vai tornar o investimento no sector exportador mais apetitoso? Não percebo. De qualquer forma, diz BFL que o crédito ao sector exportador é pequeno e portanto negligenciável. Eu não sou jornalista, mas basta falar com algumas PME exportadoras para saber o que tem acontecido aos seus "spreads" bancários. E se há coisa importante nas exportações, é o crédito comercial. Lembram-se da nacionalização da COSEC há três ou quatro anos?

Terceira razão "objectiva": o recado "implícito" do endividamento junto do BCE por parte da banca nacional - comprem dívida pública de curto prazo. Os pobres dos bancos vêem-se assim forçados a financiar-se a 1% a três anos e emprestar a 18 meses a 4,5%. Parece que têm de ter "colateral" (não é uma borla, diz o jornalista) - curiosamente os títulos comprados servem de colateral. E o jornalista já foi ver o que tem acontecido aos critérios relativos a estas garantias? Diz que foram, e muito, relaxados. Mas mesmo assim, o argumento "objectivo" não convence muito. Os bancos portugueses foram aqueles que mais recorreram, em termos relativos, ao BCE e, no entanto, Portugal está sob "o resgate" europeu. As necessidades de financiamento públicas são, portanto, bem mais pequenas do que acontece com outros países. Há aqui algo que não bate bem, pois não? E, se, por exemplo, a banca portuguesa andasse a comprar dívida italiana, francesa ou alemã?

Enfim, confesso que não percebi muito bem o objectivo do artigo. É defender a banca, argumentando que estão a actuar no seu interesse próprio? Se for, pode fazer exactamente o mesmo para empresas portuguesas. Não percebo a discriminação. O mais grave é que o argumento parece uma qualquer legitimação da redução do crédito à economia, como se fosse uma qualquer terapia regeneradora, com os inevitáveis custos de desemprego, mas consequência inevitável da má gestão (de quem?) dos anos anteriores. Mais uma vez a ideia da expiação económica. Destruímos parte da economia para promover outra parte. O pormenor de ficarmos mais pobres, sem poder investir no processo, não interessa. Mas será que não faz um pouco de espécie a BFL que os bancos tenham acesso a empréstimos chorudos, a baixo preço que usam para recompor os seus balanços e o mesmo não seja oferecido à restante economia. Não é isso um exemplo dos incentivos e má gestão que aponta no seu artigo? É, que eu saiba, os bancos não fazem parte do sector exportador. Finalmente, BFL reconhece que é "mais importante" centrar ocrédito no sector exportador (afinal sempre há qualquer coisa que não está bem) e, felizmente, reconhece que o único instrumento ao dispor do Estado neste momento é mesmo a CGD.

2 comentários:

Anónimo disse...

A mentira é o instrumento do capitalismo.

Bruno Faria Lopes disse...

Caro Nuno Teles,
Só ontem vi a sua crítica ao meu texto no i. Respondi-lhe aqui: http://elevadordabica.blogs.sapo.pt/718451.html

Obrigado,
Bruno