terça-feira, 10 de abril de 2012

Um regime de acumulação em crise (II)

(Continuação daqui)

A década de 1970 foi por isso uma década de charneira para a configuração política, económica e institucional do capitalismo avançado, cuja estabilização correspondeu à introdução de um novo regime de acumulação – o neoliberalismo. [Nota: a maior parte dos autores regulacionistas, devido a um certo pendor para o determinismo tecnológico, designa o regime de acumulação que sucedeu ao fordismo por “pós-fordismo” e enfatiza as alterações ao nível das forças produtivas; pela minha parte, considero que a designação “neoliberalismo”, que recoloca o ênfase nas relações sociais de produção, é mais adequada e permite fazer melhor a ponte em relação à vasta bibliografia sobre o projecto neoliberal]. Basicamente, o regime de acumulação neoliberal “resolveu” as contradições do regime anterior através de um movimento de sentido inverso: a restauração das taxas de exploração e rendibilidade através da compressão dos salários directos e indirectos e de processos predatórios de privatização e criação de mercados. Este processo resolveu também o “problema” político, na medida em que fragmentou  a capacidade de organização e reivindicação dos trabalhadores por via do efeito conjugado da deslocalização e desindustrialização, do aumento da vulnerabilidade e precariedade dos vínculos laborais e de ataques directos à capcidade de organização sindical.

Porém, tal como o fordismo continha em si mesmo a semente da sua própria estagnação e crise, o mesmo sucede com o neoliberalismo – na medida em que o movimento reaccionário que consubstancia, destinado a restaurar as taxas de exploração e rendibilidade, cria a prazo os seus próprios problemas do ponto de vista da acumulação: do ponto de vista político, a apropriação cada vez mais regressiva do produto social é conducente à emergência e reforço de um contra-movimento de resistência popular; do ponto de vista económico, cria, a prazo, dificuldades do ponto de vista da realização do capital por insuficiência da procura agregada. Ora, a acomodação destes dois problemas ao longo das três décadas de neoliberalismo triunfante assentou numa única almofada crucial: o mecanismo do crédito/endividamento (privado e público), que permitiu conjugar sol na eira e chuva no nabal: taxas de exploração elevadas susceptíveis de assegurar a rendibilidade do capital, a par da manutenção de níveis de consumo e bem-estar suficientes para evitar a acumulação de tensões políticas excessivas e a estagnação da realização do capital. O regime de acumulação neoliberal assenta, assim, na restauração da rendibilidade através do aprofundamento da exploração, compensado ao nível político e da realização do capital pelo mecanismo do crédito  (ver figura em baixo). Só que a corda não estica indefinidamente.

(Continua)

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