A década de 1970 foi por isso uma década de charneira para a
configuração política, económica e institucional do capitalismo avançado, cuja
estabilização correspondeu à introdução de um novo regime de acumulação – o
neoliberalismo. [Nota: a maior parte dos autores regulacionistas, devido a um
certo pendor para o determinismo tecnológico, designa o regime de acumulação
que sucedeu ao fordismo por “pós-fordismo” e enfatiza as alterações ao nível das forças produtivas; pela minha parte, considero que a
designação “neoliberalismo”, que recoloca o ênfase nas relações
sociais de produção, é mais adequada e permite fazer melhor a ponte em relação à
vasta bibliografia sobre o projecto neoliberal]. Basicamente, o regime de
acumulação neoliberal “resolveu” as contradições do regime anterior através de
um movimento de sentido inverso: a restauração das taxas de exploração e
rendibilidade através da compressão dos salários directos e indirectos e de
processos predatórios de privatização e criação de mercados. Este processo
resolveu também o “problema” político, na medida em que fragmentou a capacidade de organização e reivindicação dos
trabalhadores por via do efeito conjugado da deslocalização e
desindustrialização, do aumento da vulnerabilidade e precariedade dos vínculos laborais e de ataques
directos à capcidade de organização sindical.
Porém, tal como o fordismo continha em si mesmo a semente da
sua própria estagnação e crise, o mesmo sucede com o neoliberalismo – na medida em que o movimento
reaccionário que consubstancia, destinado a restaurar as taxas de exploração e
rendibilidade, cria a prazo os seus próprios problemas do ponto de vista da
acumulação: do ponto de vista político, a apropriação cada vez mais regressiva
do produto social é conducente à emergência e reforço de um contra-movimento de
resistência popular; do ponto de vista económico, cria, a prazo, dificuldades
do ponto de vista da realização do capital por insuficiência da procura
agregada. Ora, a acomodação destes dois problemas ao longo das três décadas de
neoliberalismo triunfante assentou numa única almofada crucial: o mecanismo do crédito/endividamento
(privado e público), que permitiu conjugar sol na eira e chuva no nabal: taxas
de exploração elevadas susceptíveis de assegurar a rendibilidade do capital, a
par da manutenção de níveis de consumo e bem-estar suficientes para evitar a acumulação
de tensões políticas excessivas e a estagnação da realização do capital. O
regime de acumulação neoliberal assenta, assim, na restauração da rendibilidade
através do aprofundamento da exploração, compensado ao nível político e da
realização do capital pelo mecanismo do crédito
(ver figura em baixo). Só que a corda não estica indefinidamente.
(Continua)
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