quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Rigidez liberal

Henrique Raposo teve a gentileza de deixar na caixa de comentários desta posta sobre precariedade uma amostra do seu romance de mercado: rigidez das rendas e do mercado de trabalho ou os dramas da nossa geração. Sobre as rendas, Vítor Dias tem escrito muito e bem: "Acontece entretanto que a mais pura e cristalina das verdades é que desde 1981 vigora um regime de opção por renda livre ou condicionada para todos os novos contratos e que desde 1990 (portanto, já lá vão 17 anos!) que a liberalização das rendas é total quer quanto ao valor, como já sucedia desde 1981, quer quanto à duração dos contratos e que mesmo as rendas anteriores a 1980, as chamadas «rendas congeladas», foram objecto em 1985 de uma actualização extraordinária e sujeitas a partir desse ano a uma actualização de acordo com uma portaria anualmente publicada." Os liberais mais conhecedores limitam-se a pedir paciência. Só mais um bocado e tudo correrá pelo melhor no melhor dos mundos. No longo prazo...

Sobre a "rigidez" do mercado de trabalho, já aqui se escreveu muito: Na discussão sobre políticas públicas, como em todas as discussões, há expressões que ajudam a fixar os termos do debate e a encaminhá-lo para determinadas direcções. É o que acontece com estas duas palavras, usadas na discussão sobre a legislação laboral e sobre as regras que enquadram outros mercados. Elas já contêm em si todo um programa. Quem é que pode defender a rigidez? No entanto, a legislação laboral é considerada rígida quando, entre outras coisas, reconhece certos direitos aos trabalhadores, impõe correspondentes obrigações aos empregadores, estrutura as relações laborais de forma a que os últimos não sejam capazes de impor alguns custos sobre os primeiros, ou quando suporta determinados mecanismos de participação colectiva e de determinação das normas salariais que minimizam os desequilíbrios estruturais entre as partes contribuindo, por exemplo, para um virtuoso processo de compressão salarial. Se isto é assim, por que é que se usa a palavra rigidez? Será que devemos enquadrar esta discussão apenas pelo prisma, pelo suposto prisma, de quem emprega? E por que é que, implicitamente, os liberais o fazem quase sempre? O que é constrangimento para uns não pode ser liberdade e flexibilidade para outros? O que é custo para a empresa não pode ser benefício para os trabalhadores e para o conjunto da sociedade?

Os liberais insistem em deturpar a discussão. No decisivo campo do trabalho, não interessa que a taxa de desemprego exiba um comportamento pró-cíclico bastante vincado no nosso país, diminuindo fortemente durante os anos de crescimento económico e aumentando durante períodos recessivos. Não interessa que em Portugal, devido aos baixos salários, os subsídios de desemprego sejam muito modestos e mal dêem para viver. Não interessa que uma parte importante dos desempregados sobretudo precários nem sequer beneficie desse direito. Não interessa que o desemprego de longa duração seja a consequência inevitável do mais longo período de estagnação económica da história recente. Não interessa que a própria OCDE tenha reconhecido recentemente que o impacto no emprego da legislação que ainda protege muitos trabalhadores é negligenciável. Não interessa que a precariedade desincentive o investimento no aumento das qualificações por parte de trabalhadores e de patrões. A solução liberal, a pretexto do combate à "segmentação do mercado de trabalho", é a sua generalização. Não interessa que um dos efeitos mais salientes da desregulamentação unilateral das relações laborais seja o aumento das desigualdades que, como mostra a experiência de vários países, é prejudicial à criação de emprego. Não interessa que a precariedade e a contracção permanente dos salários que lhe está associada reduzam os incentivos à modernização e à inovação empresariais ou que, segundo estudos recentes, os sectores com melhores desempenhos em termos de produtividade recorram pouco aos contratos ditos atípicos.

Se queremos combater a precariedade temos de superar as ficções liberais em que o próprio PS se deixa enredar. É evidente que alargar a precariedade não resolve nada. Temos de limitar a precariedade atacando o problema directamente. Este pacote de medidas proposto pela esquerda socialista ajudaria muito.

6 comentários:

CCz disse...

"Não interessa que a precariedade desincentive o investimento no aumento das qualificações por parte de trabalhadores e de patrões."
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Acredita mesmo nisto? Mesmo mesmo? Tem a certeza?
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Baseia-se em que amostra?
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Como é que pessoas que não tiveram sucesso na escola, vão agora descobrir que a formação profissional é que é...
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Sabe qual é a formação profissional que se dá nas empresas? Sabe qual é o critério para escolher os temas?
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Lembre-se do que Galbraith escreve no O Estado Predador sobre o mito da formação profissional.
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Os trabalhadores não são parvos e sabem que não é a formação profissional que é dada nas empresas que os vai ajudar a progredir na vida.

CCz disse...

Invejo a sua capacidade para não ter dúvidas.
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Eu tenho-as e muitas!
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Perante um cenário de incerteza crescente, qual é a forma de uma empresa aumentar a sua probabilidade de sobrevivência?
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Lembra-se de um postal recente neste blogue sobre os recibos verdes?
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E como é que os clientes, no B2B, tratam as empresas? A recibos verdes...
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Hoje em dia, produzir é o mais fácil.

Nuno disse...

Caro CCZ,
Hoje em dia a formação profissional é essencial,aprende-se o saber fazer.No ensino oficial ensinam,-se temas como literatura ou filosofia,para ficarmos com uma educação humanística!O seu post é muito confuso,mas retrata uma certa maneira de pensar conservadora da sociedade Portuguesa,para não dizer atrasada!

CCz disse...

Caro Nuno,
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Tente falar com os trabalhadores de uma empresa, pergunte-lhes qual a sua opinião sobre a formação profissional. A sério, vá a uma PME e pergunte.
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De nada serve apelidar-me de conservador, pergunte-lhes.
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A formação só é feita se for subsidiada... se é subsidiada o negócio da formação é preço. Se quiser dar uma formação a série sobre maquinação 3D ou sobre soldadura aos operários de uma empresa terá de contratar um bom formador que lhe custará por exemplo 100 unidades monetárias por hora. A formação subsidiada paga a, por exemplo, 50 unidades monetárias à hora. O bom formador recusa-se a trabalhar nessas condições ponto. Então, as empresas que gravitam em torno do negócio da formação vão contratar o formador que aceite trabalhar a 30 ou 20 ou 15 unidades monetárias à hora. Como basta o formador ter um certificado de aptidão profissional que arranja facilmente de forma legal. Qualquer nulidade pode dar formação.
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A sério... se quiser indico-lhe uma empresa onde um formador foi apresentar equações diferenciais de segunda ordem numa formação a operários para explicar o que se passava na mistura.
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Mais de 90% dos trabalhadores fogem se puderem da formação profissional e, muitas vezes, eu, no lugar deles fazia o mesmo.
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No entanto, invisto do meu bolso, todos os anos para a minha formação. Eu sei o quanto ela é importante.

Nuno disse...

Caro CCz,
Naõ lhe quis chamar conservador,lapso meu.Referia-me a uma visão conservadora onde tudo se deve aprender na escola.Na formação se houver vontade de aprender por parte do aluno os resultados são positivos.Tem é que se enquadrar a formação e legislar convenientemente
Cumps

Anónimo disse...

Não o percebi muito bem sobre a rigidez das rendas. Acha que não há rígidez? Então digo-lhe que tenho uma casa cujo inquilino com as sucessivas actualizações paga em 2009 17 euros, entendeu? Paga 17 euros. Isto não é rigidez? E algum senhorio fará obras recebendo 17 euros e deles tendo que pagar o imi, o seguro, o irs. Quanto fica? 8 euros? E com 8 euros o que faz? Eu dizia-lhe mas fico-me por aqui perante tanta estupidez.