Agora que a economia internacional parece estabilizado graças à intervenção pública no sector financeiro e aos estímulos à economia real, sobretudo nos EUA, as atenções viram-se para como combater os défices recorde e a dívida pública crescente, partilhados pelos estados um pouco por todo o mundo. Este pode ser um grave erro. Se é certo que a quebra generalizada do produto mundial foi suspensa, dificilmente se encontram fontes de crescimento durável no futuro próximo, que possam servir de motor da economia mundial. Um dos mais prometedores sectores, o da reconversão “verde” da economia, necessita de uma política industrial voluntarista e contínua por parte dos estados para poder singrar. No actual contexto de sobreendividamento das famílias e de aumento do desemprego nas principais economias mundiais, só o investimento público e a necessária refundação do sistema financeiro, colocando-o ao serviço da economia real, podem abrir o caminho da recuperação.
Em Portugal este parece ser filme trágico já visto e revisto. Quer Sócrates, quer Ferreira Leite, parecem comprometidos com a repetição dos anos que antecederam a actual crise financeira. Num contexto de crescimento medíocre, com o desemprego a subir (mesmo que a menor ritmo), esta campanha eleitoral mostra como ambos os candidatos olham para o défice das contas públicas como condicionante maior das suas políticas públicas. Para Ferreira Leite este é um fim em si mesmo. O controlo do défice e do endividamento resultará miraculosamente numa reconversão do modelo económico. Para além de uma fé cega no funcionamento do mercado, não se percebe muito bem como, nem porquê. Para Sócrates, dada a sua avaliação dos últimos quatro anos, o défice será a prioridade assim que atingirmos um patamar de crescimento positivo. O estado compromete-se nas grandes obras públicas já anunciadas, no seu desastroso modelo de financiamento através de privatizações e parcerias público-privadas, e espera que o esforço (necessário, mas não suficiente) de reduzir o carácter periférico da nossa economia resulte em crescimento futuro sustentável. O restante sector público viverá no sufoco dos orçamentos e salários congelados e com uma carga fiscal que penaliza os trabalhadores. Enfim, a mesma receita que comandou este governo nos últimos quatro anos e que garante a estagnação da economia.
Não se trata aqui de desvalorizar as contas públicas. Pelo contrário. Só com crescimento económico sustentável, criador de emprego e melhores salários, podem as contas públicas ser saneadas. Ora, tal não pode passar só pelo investimento em sectores onde o sector privado tem rendas garantidas, como são as estas grandes obras públicas. Por exemplo, a aposta nos sectores exportadores tecnologicamente avançados, como são as indústrias “verdes”, necessitam do Estado como dinamizador de procura interna que lhes permitam ganhar escala, como fornecedor de tecnologia e mão de obra qualificada através das universidades e laboratórios públicos e mesmo como investidor, condição para uma abordagem informada e sistémica. Precisamos pois de um Estado estratego. O actual exemplo das energias renováveis não parece ser o melhor. É certo que tudo isto implica um esforço conjuntural do estado que pode traduzir-se em maiores défices, mas estaremos a atacar a raiz estrutural do problema. Por outro lado, só com maior justiça fiscal pode este esforço ser feito com a necessária legitimidade social. A taxação justa do sector financeiro, o fim do paraíso fiscal da Madeira, um imposto sobre as grandes fortunas, a reintrodução do imposto sucessório e o fim do sigilo bancário, são propostas moderadas completamente ausentes na discussão entre PS e PSD.
A necessária reconversão da economia que ultrapasse o modelo rentista em que nos encontramos trancados e uma reforma fiscal justa e necessária só são encontradas nos programas dos dois partidos à esquerda, o BE e o PCP. O seu programa fiscal é bem conhecido, mas a sua visão para a economia é claramente um marco importante para quem quer uma economia que ultrapasse os bloqueios e atrasos. A definição dos sectores estratégicos, nomeadamente a energia, necessariamente públicos, de forma a permitirem custos de produção mais baixos à economia. A penalização fiscal das mais-valias fundiárias e a reabilitação urbana, de forma a desincentivar o investimento especulativo e rentista. A aposta na indústria ao condicionar os grandes investimentos à procura de bens tecnológicos avançados, como os comboios, onde haja capacidade produtiva nacional. O ambicioso quadro de regulamentação ambiental que permite dar à economia os sinais certos. Finalmente, a recusa categórica do Pacto de Estabilidade. Todas estas ideias precisam claramente de mais força nestas legislativas.
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1 comentário:
E sim; as medidas de combate. Teles forma-se; ele é um economista crítico. Para muitos é um sujeito críptico. Não há que culpar o sujeito; a ideologia, já se sabe tem entendimento autónomo.
Embora os senhores ainda não tenham percebido o que esteve na origem da crise e o que é absolutamente necessário para dela sair. Obviamente que as desregulação é má; é evidente que o Estado deve investir. Mas isso, 2vezes nada é nada.
No entanto os senhores acertam sempre nos slogans: reconversão da economia; tá certo. Mas Sócrates e Manuela tb a querem reconverter; Manuela tb diz que os comboios de alta velocidade pesam na balança de pagamentos, é óbvio! Só para Sócrates o Investimento no TGV parece ser o busílis da reconversão; isso e as plataformas logísticas, já sabemos. Mas num sabemos é nada.
No meio disto tudo, F. louçã deu uma entrevista ao DN onde afirma que TGV sim, mas com "o tráfego distribuído pelo país"; só se pode aplaudir... o engenho retórico, a habilidade em manipular os conceitos. Esquece-se "que o país" é cada vez mais aquela faixa litoral de Braga a Lisboa, de Lisboa a Faro; assim faz todo sentido a opção socrática, que aliás tb o quer fazer passar pelo deserto do Aletenjo onde certamente irá distribuir "abundante tráfego"!
Pensar a condição periférica, já se sabe, custa como os diabos, e depois, o pensamento periférico parece ter chegado ao centro da europa. Na semana passada o Vice do SPD disse que queria um imposto sobre as transacções financeiras. Ora bem, por cada vez q se comprasse, uma obrigação, uma acção, um quatum de moeda estrangeira pagar-se-ia uma percentagem 0,00 qualquer coisa! É bom, pq diz o alemão, é para ajudar a tapar os défices; concordo. Mas todos se esquecem de dizer que isso estruturalmente não muda nada, é mais uma taxa que os corretores têm que pagar, assim como pagam comissões de mercado (regulado)! Levado ao extremo seria uma SISA, um IMT extendido a toda a esfera financeira; experiências....
E já não falo desse anacronismo de querer re-introduzir o imposto sucessório! Combate fiscal post-mortem! Os senhores esquecem-se que quem herda, não são só os ricos-ricos; e agora que a quantidade de gente que vai passar a ter casa própria, mais um imposto para (os sucessores...) pagarem! Tá bem. Combate a desigualdade, mas é meramente correctivo, é estúpido, é ir atrás do morto; não existe racionalidade económica nenhuma em liquidá-lo, antes pelo contrário! O imposto deve ser imposto sobre o rendimento e sobre o património. Não sobre a sua transmissão. É ineficaz, pode-se cobrar o mesmo se os valores das taxas e a matéria colectável sobre o património forem actualizadas!
Por fim, quanto à "capacidade produtiva nacional"... ela deve andar por aí algures.. perdida.. nas universidades, nos centros de investigação, nas auto-estradas, nos projectos de gabinete, nos escritórios de advogados, nos centros comerciais, no segundo ciclo do ensino superior, nos PhDs, .. nos hoslels, na EMEL, é pá!, minha casa é a tua casa - serve-te!
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