Superar a armadilha social portuguesa exige a abolição dos regressivos e custosos benefícios fiscais a despesas privadas nas áreas da educação, saúde ou dos planos de poupança-reforma. A provisão pública e universal é mais justa, simples e eficaz nestas áreas e tem de ser defendida. Os benefícios fiscais não passam aqui de uma tecnologia de desmantelamento do Estado Social e de promoção do individualismo possessivo. As externalidades negativas são mais do que muitas.
Como lembra José Neves (vejam já agora esta posta), o insuspeito Vital Moreira alinha, com algumas diferenças, pelo mesmo diapasão: «[S]e fossem tendencialmente eliminadas (quase) todas as deduções para toda a gente, incluindo as despesas com sistemas privados de educação e de saúde (como defendo há muito), então, sim, a receita fiscal recuperada daria bem para uma diminuição significativa da carga fiscal dos pequenos e médios rendimentos. Com a vantagem adicional de uma grande simplificação e maior transparência do IRS» (Vital Moreira).
Este tema pode ser impopular junto de certos sectores, mas tem de fazer parte da agenda da esquerda. Há lutas que não são fáceis. Temos de insistir porque temos de quebrar um círculo vicioso que faz com que se incentive fiscalmente a fuga dos serviços públicos e se bloqueie a sua expansão nas áreas da saúde ou da educação onde a lógica do mercado domina e onde o racionamento se faz pela carteira (dos dentistas aos manuais escolares). Eu trocava os benefícios fiscais a despesas privadas por manuais escolares gratuitos e por dentistas no SNS, por exemplo. Temos de reenquadrar o debate. Entretanto, no simplex, Carlos Santos recorre ao truque da “classe média”. Isto quando o salário mediano em Portugal não anda longe dos 700 euros e quando os benefícios fiscais são para uma minoria ampla, com poder e com total domínio dos meios de comunicação social, mas uma minoria…
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3 comentários:
Há condições políticas que é preciso respeitar. Creio que é politicamente aceitável para uma larga franja da população dizer que a abolição dos benefícios fiscais em despesas de saúde e de educação é um objectivo ideal a longo prazo. Mas não é defensável porque não é credível propor a sua imediata abolição porque ninguém (mas ninguém mesmo) acredita que fosse possível que o Estado, nas condições actuais, pudesse prover de forma verdadeiramente gratuita a educação e a saúde. Haveria um longo caminho a percorrer. Um tal objectivo final só poderia ser alcançado gradualmente, à medida que se fossem implementando reformas que garantissem o acesso realmente gratuito a estes serviços básicos. Para uma imensa franja da população é assustador admitir a impossibilidade de deduzir as despesas de saúde e de educação não sendo imediatamente visíveis as contrapartidas ao nível dos serviços de Saúde e Educação.
No debate televisivo (que penso que suscitou esta discussão), Sócrates percebeu esta debilidade no programa do BE e Louçã e este mostrou-se visivelmente incomodado porque percebeu que politicamente a sua solução era dificilmente defensável, pelo menos sem admitir um período transitório no qual os benefícios fiscais fossem sendo restringidos "em troca" de uma provisão pública cada vez mais alargada destes serviços. Pelo meio, Louçã ainda deixou passar a habilidade de Sócrates de misturar Educação e Saúde com PPR...
Sou absolutamente a favor do fim dos benefícios fiscais. Aliás, o sistema fiscal deveria ser consideravelmente simplificado, até porque a própria complexidade é um factor de desigualdade. Agora, percebo perfeitamente o que o Rui Costa diz e dou um exemplo: uma família com 2 filhos no pré-escolar e um rendimento de 2 mil euros por mês (2 salários de mil euros) paga a taxa máxima numa IPSS (se conseguir vaga numa), cerca de 200 euros por criança. São quase 5 mil euros por ano, sem contar com mais nada. Não é credível propôr a abolição das deduções de uma parte disto, porque ninguém acredita no alargamento a curto prazo da rede de creches e do pré-escolar. Confesso que a possibilidade me assusta, e que votaria a favor da medida por motivos puramente ideológicos, mas compreendendo bem a (não tão pequena) franja de população que não o faria.
Para além de outras coisas, como esquecer que estas despesas dedutíveis têm um tecto máximo, nunca é agradável ver um economista como João Rodrigues a confundir «benifícios fiscais» com «deduções à colecta».
Ao que chegámos, meu Deus !
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