terça-feira, 22 de setembro de 2009

O fim do mito cavaquista

Agora que temos mais uma oportunidade de revisitar as sórdidas práticas cavaquistas para além do mito cuidadosamente construído (da rodagem do carro à fracassada "política de verdade" de Ferreira Leite é sempre a mesma cantiga...), acho que vale a pena republicar o que escrevi no i sobre a economia política e moral do cavaquismo:

A “roubalheira” no Banco Português de Negócios, para usar a controversa expressão de Vital Moreira, tem servido para relembrar a experiência neoliberal portuguesa na sua origem, ou seja, a economia política e moral do cavaquismo. Isto é tanto mais útil quanto muitos dos problemas do país resultam das profundas transformações económicas promovidas pelos governos cavaquistas e das normas sociais que as legitimaram.

O cavaquismo legou um guião de políticas de privatização sem fim e de abertura mal gerida às forças do mercado global a que os governos subsequentes só acrescentaram algumas dissonantes notas de rodapé. As mudanças dependem sempre de uma mistura entre economia e política. Não é defeito, é feitio. A mistura iniciada pelo cavaquismo foi perniciosa porque deu origem a um poder político com um fôlego cada vez menor e a um poder económico cada vez mais rentista.
A obsessão cavaquista pela chamada convergência nominal, no quadro da aceleração liberal da integração europeia, contribuiu para uma duradoura sobreapreciação da nossa moeda. Esta opção enfraqueceu a competitividade do sector de bens transaccionáveis para exportação num período de transição crucial e canalizou muito do esforço empresarial para o sector de bens não-transaccionáveis, como foi o caso da construção. Foi à sombra desta e da especulação que prosperou a banca privada impulsionada pelo cavaquismo e por muitos cavaquistas. Nos sectores controlados pelos grupos económicos que ascenderam em Portugal, o mercado é irremediavelmente uma entidade vaporosa que esconde mal a força das redes sociais.

Estes processos foram oleados por um discurso que desprezava o sector público e incensava os negócios privados, mesmo que os últimos crescessem à custa do esvaziamento do primeiro. O cavaquismo representou a vitória de uma perniciosa cultura que transformou a acumulação de dinheiro na base do reconhecimento social. A redistribuição só servia para tolher o homem novo movido a incentivos pecuniários. Os direitos laborais e a acção colectiva eram um vestígio a remover à força de pacotes laborais e de algumas bastonadas. Não é de admirar que o cavaquismo tenha coincidido com a manutenção de elevadas taxas de pobreza e com um assinalável aumento, que nunca mais foi revertido, das desigualdades de rendimentos.

Mário Crespo escreveu recentemente que o mito do cavaquismo acabou. É pena que seja mais fácil acabar com os mitos do com as estruturas económicas e com os valores iníquos que eles nos legaram.

3 comentários:

Anónimo disse...

Parabens pela lucidez! Obrigado!!

Gustavo Menezes disse...

Depois do 25 de Abril, o país só cresceu economicamente com o PSD no Governo e nos três primeiros anos de Guterres. O facto é este.

Luis Moreira disse...

Quantas fotos de dirigentes do PS podia colocar ao lado desta foto?