quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A importância de discutir a estrutura produtiva

O Jornal de Negócios (JdN) prossegue a série de análises a que fiz referência no post anterior. A edição de hoje é dedicada à estrutura produtiva da economia portuguesa. É, na minha opinião, um tema incontornável (embora frequentemente evitado). A análise do JdN concentra-se muito nas exportações e na sua evolução recente. Fica, a meu ver, a faltar uma análise mais centrada na produção nacional.

Os gráficos que apresento abaixo (clicar para aumentar) visam comparar a estrutura produtiva da economia portuguesa com a média da UE25 em 1995 e 2005, tanto em termos de emprego como de VAB (nota: a soma do VAB dos vários sectores é aproximadamente igual ao PIB). Os números são retirados da base de dados EU KLEMS (infelizmente, não há dados mais recentes para este efeito; em qualquer caso, as mudanças tendem ser lentas).



Eis algumas ideias que resultam destes gráficos e que importa realçar:

1) O peso da agricultura e da pesca, tanto no VAB como no emprego, continua a ser muito maior em Portugal do que na média da UE (sugerindo que é de esperar a continuação da contracção destes sectores).

2) O peso da indústria transformadora reduziu-se ligeiramente, não se afastando muito significativamente da média europeia (sendo no entanto maior no emprego do que no VAB, reflectindo a menor produtividade da indústria nacional). Ou seja, em comparação com os parceiros europeus, não podemos falar de um processo de desindustrialização acentuado.

3) Em 2005, o peso da construção no emprego era 50% superior à média da UE, antecipando a quase inevitabilidade de perda de muitos milhares de empregos nesse sector (como vinha a verificar-se, mesmo antes da crise financeira).

4) O peso do alojamento e da restauração é acentuado não apenas no emprego (o que é de esperar, dada a importância do turismo em Portugal), mas especialmente no VAB (o que, provavelmente, se explica pelo facto de uma parcela significativa destes sectores em Portugal ter como alvo clientes – nacionais e estrangeiros – com um poder de compra muito superior à média de rendimentos do país).

5) Por fim, e seguramente não menos importante, a intermediação financeira (bancos e seguradoras), a energia (gás e electricidade) e a água são casos à parte – o seu peso no emprego é muito inferior à média da UE, enquanto o seu peso no VAB é superior à média europeia. É aqui que reside uma das maiores debilidades da economia portuguesa – a protecção que é dada a estes sectores (através, nomeadamente, de uma regulação que favorece as empresas produtoras face aos seus clientes), tem como implicação não apenas um peso desmesurado no PIB, mas também a imposição de custos para os restantes sectores de actividade que se reflectem na sua baixa competitividade.

Isto mostra que os partidos de esquerda fazem bem em trazer para o debate público o enquadramento institucional dos sectores energético e financeiro em Portugal. Por aqui passa uma parte importante do desenvolvimento do país, sistematicamente ignorada pelos economistas do regime.

1 comentário:

Ricardo Noronha disse...

Muito bom Ricardo.
Importa notar que, pelo menos por aquilo que percebi através da imprensa, o BE e o PCP se diferenciam pelo alcance do seu «programa de nacionalizações». Se bem percebi o BE deixou de fora o sector financeiro, ainda que tenha vincado bem o uso estratégico a dar à CGD. Já o PCP, não diz muito acerca do uso a dar-lhe, mas, fiel a Abril, defende a nacionalização de toda a banca comercial. Que fazer?