domingo, 4 de janeiro de 2009

Os economistas produziram a crise ? - III

Conclusão:
Após esta crise (e provavelmente já no seu decurso porque já vimos o suficiente para perceber que ‘isto’ não vai acabar tão cedo), ocorrerão mudanças nas universidades (nos programas, na organização, na inserção societal) que serão diferentes das que o actual Ministro está a forçar.
Contudo, o ritmo e a direcção das mudanças não podem ser antecipados porque serão o resultado de uma interdependência complexa entre duas dinâmicas distintas: mudança cultural (novos paradigmas, teorias, valores, tecnologias, etc.) e mudança social (aqui incluo o ‘económico’ e o ‘político’, envolvendo lutas em torno de poder, recursos e projectos de sociedade).

Para desgosto de muitos economistas, a actual crise veio recordar-lhes que a história das sociedades não é circular, nem “tende para o equilíbrio”, … é um processo evolutivo que ninguém em particular controla e onde a novidade necessariamente emerge. Agora, convém que nos esforcemos para que seja uma novidade benéfica !

Nota sobre M. Callon:
É um pós-moderno que não tem (1) uma ontologia que lhe permita distinguir entre sistemas culturais, sociais e materiais com processos causais de diferente natureza e ritmo; (2) que dê conta dos diferentes níveis de organização e complexidade daqueles sistemas (para Callon, há indivíduos ou redes); (3) uma epistemologia que articule o saber ‘público’, a natureza simbólica dos materiais que para ele remetem, e a subjectividade da pessoa que interpreta esse conhecimento. Prefiro um realismo crítico que seja capaz de integrar a semiótica de Peirce.

Aos que querem alargar horizontes:
Não me reconhecendo em tudo o que escreve, acho que Tony Lawson põe o dedo na ferida relativamente ao actual estado da Economia. Para começar, sugiro o capítulo 1 de “Reorienting Economics”. Para outras referências ver esta posta.

8 comentários:

Rui Fonseca disse...

Grato pela sua atenção e pelo tempo que dedicou ao meu comentário.

Persistem-me muitas dúvidas acerca do merecimento da designação de teoria a uma explicação da realidade (física ou social) que não possa ser refutada.

De qualquer modo, a minha intervenção estava muito longe de querer atingir qualquer intenção epistemológica e muito menos emparceirar do lado da sacralização da modelização dos comportamentos dos agentes económicos.

O que eu deduzi do artigo dos Cinco, publicado no Público, mas provavelmente de forma deficiente, até por me encontrar ausente do país, foi uma acusação à "má teoria", que eu subentendi referir-se ao neo-liberalismo, pelo desencadear da crise.

Ora eu, que não me considero neo-liberal, nem a caminho, vi naquela interpretação um tiro no alvo errado. Porque ao acusar-se a "má teoria", e as escolas, se desculpabilizam os reais provocadores, e beneficiários, da crise.

Depois de ler estes seus posts, mais se me arreiga a ideia de que alguém estará a atirar para o lado contrário.

Porque: i) Se a questão é "os economistas produziram a crise?" ii) e a sua resposta se envolve na epistemologia da ciência económica
iii)a minha conclusão é de quea vossa posição perfila-se ao lado dos Cinco: iv) a crise é uma consequência da "teoria" predominante nas escolas de economia e gestão.

E, do meu ponto de vista, não é.

E não é, porque, conforme já tenho referido em comentários anteriores, a montagem e distribuição dos produtos financeiros tóxicos que contaminaram a economia globalmente, não decorreu da obsessão pelos instrumentos matemáticos mas da intenção deliberada de encher os bolsos traficando logros.

Admitir que estes agentes de produção e distribuição de pechisbeque aprenderam a arte nas escolas (que até podem não ter sido de economia e gestão) por onde andaram, é o mesmo que absolver o traficante que faz contrafacção misturando óleo de colza no azeite, provocando problemas graves na saúde dos consumidores, alegando que é engenheiro químico.

Não discordo, portanto da sua excelente explicação acerca da encruzilhada em que se encontra a economia, mas continuo a pensar que a resposta à questão que faz o título dos seus pots é outra: Os traficantes provocaram a crise, e é ingenuidade discutir as escolas que eles frequentaram enquanto deixando-os escaparem-se intocáveis para um "resort" dourado algures.

Mais pernicioso e absurdo ainda: Deixá-los voltar para reincidirem.

Rui Fonseca disse...

Pf considere que no penúltimo período deve ler-se:

"... Os traficantes provocaram a crise, e é ingenuidade discutir as escolas que eles frequentaram deixando-os escaparem-se intocáveis para um "resort" dourado algures."

Obg

Rui Fonseca disse...

Volto ainda porque já depois de ter colocado o meu comentário, reparei no cartoon de
Tom Toles no WP.

Transcrevi-o para o meu caderno de apontamentos.

http://aliastu.blogspot.com

Pelo menos, o Tom Toles parece concordar comigo.

Tiago Santos disse...

Rui Fonseca,

Concordo em grande parte consigo desta vez, mas na minha opinião, as tais teorias é que levam a que, em ultima análise, a que apareçam estes problemas que referiu, ou seja, aprendemos que os mercados livres são eficientes, e isso levou a que se acabasse com a regulação e intervenção dos estados na economia.
O mesmo paradigma económico que afirma serem desejáveis os impostos regressivos e algumas coisas do género.
Ou seja, quanto a mim, é necessário que nas faculdades se aprenda ser crítico, se aprendam teorias alternativas.

Rui Fonseca disse...

"é necessário que nas faculdades se aprenda ser crítico"

Completamente de acordo. Mas eu penso que é também para isso que existem as Universidades.

L. Rodrigues disse...

Sem estar a acrescentar muito ao debate, creio que é claro que as (más) teorias legitimaram as decisões políticas que facilitaram, e até encorajaram, as más práticas.

Anónimo disse...

Caros Rui Fonseca
e Tiago Santos,

O texto que publiquei é denso e pode despertar desacordo, o que é natural.
No fundo, a minha posição é a de que as relações de causalidade são múltiplas e entrelaçadas.
O que importa é que o nosso combate político (em vários domínios e com diferente intensidade) não caia em armadilhas simplistas. Claro que os (presumíveis) criminosos devem ser julgados e, obviamente, as universidades devem ensinar teorias que de facto ajudem a entender a realidade, o que não acontece com boa parte do que hoje se ensina (ex: microeconomia; macroeconomia). Agora, é bom que fique claro que a prisão de uns tantos milionários não muda o papel do actual sistema financeiro (as causas sistémicas são reais), nem a mudança generalizada dos programas escolares se fará sem a pressão das lutas sociais e políticas. Os professores não pairam fora/acima da sociedade. Em síntese: os sistemas sociais emergem a partir de 'indivíduos em relação', mas não se reduzem a estes, e persistem no tempo para além da vida de cada indivíduo em concreto; as teorias económicas são ao mesmo tempo causa e efeito no conjunto mais amplo e complexo da dinâmica social. Estamos no domínio da alta complexidade e da não-linearidade; as sociedades não são explicáveis através de causalidades lineares e de sentido único.

Um bom 2009 para os dois!

Tiago Santos disse...

concordo plenamente...