Na presente e na próxima posta, recupero partes do artigo “Esquerda plural e clareza das alternativas” que publiquei recentemente no Le Monde Diplomatique – edição portuguesa, Janeiro de 2009. Para se perceber o conjunto da argumentação, bem como as referências e os dados que a sustentam, será mesmo necessário comprar o jornal, que aliás tem outros artigos muito interessantes sobre este tema (de Daniel Oliveira, António Abreu e José Neves).
Como disse, uma das explicações para o “enviesamento do sistema partidário português para a direita” é a falta de cooperação entre as esquerdas. Até porque, na Europa, as experiências de cooperação são múltiplas e variadas.
Em França, a cooperação entre a extrema-esquerda (PCF, MRG, “verdes”, etc.) e o PSF para a formação de soluções de governo começou com a chegada de François Mitterrand à presidência da República e, subsequentemente, com as chamadas “eleições da alternância”, em 1981, quando a esquerda chegou pela primeira vez ao poder na V República. A última experiência foi o governo da “esquerda plural” (PSF, PCF, MDC, MRG, “verdes”), 1997-2002, liderado por Lionel Jospin.
Em Itália, depois do colapso do sistema partidário do após guerra, em 1994, e da sua refundação, a qual coincidiu com a adopção de um novo sistema eleitoral (“misto” de pendor maioritário), os partidos passaram a competir e a alternar no governo em blocos (esquerda versus direita). O bloco da esquerda tem incluído desde as forças da extrema-esquerda, como a Rifondazione Comunista, aos vários sucedâneos do PCI, tais como os Democratici di Sinistra (DS), recentemente reconvertido em Partito Democratico, além de outros partidos mais centristas). O sistema eleitoral incentiva a cooperação, embora em menor medida do que no caso francês. Porém, a enorme fragmentação do sistema partidário torna as coligações mais difíceis de gerir.
Em Espanha, já tínhamos tido uma coligação pré-eleitoral, em 2000, entre o PSOE e a Izquierda Unida, que só não chegou a ser uma solução de governo porque perdeu as eleições. Mais recentemente, entre 2004 e 2008, o governo minoritário do PSOE governou com o apoio da Izquierda Unida e da Esquerda Republicana da Catalunha (acordo de incidência parlamentar).
Na Alemanha, há uma longa experiência de cooperação entre os “verdes” e o SPD, nomeadamente nos governos nacionais liderados por Gerard Schröder (1998-2006). Recorde-se, porém, que a passagem dos “verdes”/B90 ao governo não se fez sem uma dolorosa clarificação no seio do partido. A estratégia do “novo centro”, de Schröder, desencadeou depois uma cisão da ala esquerda do SPD que se fundiu com os ex-comunistas do PDS no Die Linke. Segundo vários testemunhos que pude ouvir, a grande coligação (CDU/CSU-SPD) que governa actualmente a Alemanha deriva mais da dificuldade do SPD em se coligar (logo) com um partido liderado por um seu antigo secretário-geral, Oskar Lafontaine, bem como da dificuldade do SPD em fazer alianças com os ex-comunistas do PDS, que perseguiram os sociais-democratas nos tempos da RDA…, do que das divergências políticas propriamente ditas, embora estas sejam sem dúvida significativas. No futuro, estas tenderão a ser limadas pela propensão ao compromisso: o Die Linke tem já acordos com o SPD (e os Verdes) no Estado de Hessen e na cidade de Berlim. Mais, a imprensa dava conta que o SPD decidiu já formalmente em congresso que vai cooperar com o Die Linke para a formação de governos ao nível estadual.
Na Escandinávia metropolitana (Dinamarca, Noruega e Suécia), onde os sociais-democratas têm sido a força dominante durante décadas e apenas com algumas interrupções, a experiência dos governos minoritários é predominante. Porém, muitíssimas vezes os social-democratas (SD e SAP, respectivamente na Dinamarca e Suécia), apesar de governarem em minoria, têm constituído acordos de incidência parlamentar com a extrema-esquerda (com o Partido Liberal Radical/RV e o Partido Socialista Popular/SF, na Dinamarca, e com o Partido de Esquerda/VP, o Partido da Esquerda Comunista/VPK e os verdes/MP, na Suécia).
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