quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Paradoxos da Grande Recessão em curso!

Segundo o Jornal de Negócios,

"George Soros advoga que o plano da Administração Obama de comprar activos tóxicos da banca norte-americana não será suficiente para que as instituições financeiras comecem de novo a flexibilizar a concessão de crédito. Não será essa medida que vai inverter a situação e permitir que os bancos comecem de novo a emprestar dinheiro”, comentou Soros em Davos, numa entrevista à Bloomberg TV. “Isso será nacionalizar a dívida e manter os lucros nas mãos privadas”.

Só falta dizer que é preciso ... nacionalizar os bancos.

Tendo em conta que o multimilionário Soros conhece como poucos o negócio financeiro e tem 'preocupações sociais' que parecem genuínas, é provável que um dia destes, lá mais para o Verão, acabe por propor o impensável sobre o sistema financeiro dos EUA.

Paradoxos da Grande Recessão em curso!

14 comentários:

F. Penim Redondo disse...

O sistema económico em que vivemos padece de duas contradições que se agravam de dia para dia:

1) para funcionar, o sistema precisa de quem compre mas cada unidade produtiva procura pagar o menos possível em salários para preservar a sua rentabilidade.
2) para vencer a concorrência, cada unidade produtiva tem que se diferenciar no mercado, tem que inovar, mas tal não é garantido pelo aumento do número de empregados.

Pode dizer-se, como síntese, que é cada vez mais difícil ter lucros contratando pessoas.

Por causa destas duas contradições, porque a oferta cresce muito mais do que a procura, o sistema foi tendo que se apropriar dos salários passados (sob a forma de poupanças que se investem e se evaporam na bolsa) e dos salários do futuro (sob a forma dos fundos de pensões especulativos e do crédito fácil). Até que, recentemente, alguém gritou “o rei vai nu” e se gerou a actual situação de “crise”.

Se esta análise é correcta só temos duas hipóteses: ou repomos a situação anterior ou inventamos uma nova forma de organizar as relações de produção e distribuição em sociedade.
O resto (regulação, nacionalizações, etc) são ilusões, oportunismos ou demagogias.

Anónimo disse...

Muito bem, mas era preciso a apropriação dos salários passados e futuros da maneira GANANCIOSA que foi?
Esta coisa de "crise" que tanto se badala é afinal culpa do sistema ou da ganância? Ou esta, a ganância, é resultado do sistema ou vice-versa?

Anónimo disse...

Gostei de análise do post e também do modo sucinto e preciso como o 1º comentador coloca este impasse.

Esta situação parece inerentemente tenporária porque não contratar, despedir ou pagar menos ou encorajar o emprego precário pode melhorar o desempenho das empresas a curto prazo mas a generalização global desta estratégia gera algo bem mais difícil de reverter e de abordar como é a erosão do poder de compra de modo geral, com todas as implicações sociais e políticas que isso traz. Para além, claro, de limitar a longo prazo a capacidade das empresas de se manterem competitivas e inovadoras.

Face a cenários futuros perguntava ao F.Penim Redondo como é possível "inventar uma nova forma de organizar as relações de produção e distribuição em sociedade" sem isso passar por algum tipo de regulação ou intervenção directa do Estado?

Não me parece que essa iniciativa alguma vez parta das empresas, a não sequer que estas se transformem em algo completamente diferentes do que são (ou querem ser) hoje: máquinas eficientes que servem para gerar lucro.

Voltar atrás, ao business as usual, é que parece cada vez mais distante.

F. Penim Redondo disse...

Quanto a mim o Estado, a forma que o Estado assume, tem sido sempre uma consequência, uma forma de expressão, do modo de produção anteriormente desenvolvido.

O Estado que temos hoje é claramente um produto da formação económica capitalista em que se foi refinando (cada vez mais "compramos" os políticos tal como compramos os outros produtos, através de expectativas induzidas pelo marketing). Quando o modo de produção mudar surgirá um novo tipo de Estado.

A única coisa que eu sei é que as motivações de cada empresa capitalista são crescentemente contraditórias com a sobrevivência do sistema como um todo.

Emprega-se cada vez menos (por causa da rentabilidade e da automatização) quando era preciso mais compradores para os produtos (devido ao aumento da produção e à concorrência).

Este é um fenómeno idêntico à exigência feudal das rendas pagas com dinheiro em vez de trabalho. A prazo, o que parecia bom para os senhores, revelou-se um factor de decadência do sistema.

Não sei como vai ser o futuro mas eu apostaria em formas cooperativas, na base de projectos, com elevado "conhecimento acrescentado" e com as participações descentralizadas em rede.

Se eu tivesse poder suficiente no plano económico resumia tudo a duas leis:

1. O capital, sob as suas variadas formas (dinheiro, edifícios, maquinaria), só pode ser remunerado com uma taxa fixa socialmente determinada.

2. Em cada "empresa de projecto" o valor acrescentado, depois de remunerar o capital a taxa fixa, será distribuído pelos cooperantes em proporções que eles próprios decirão tendo como base o contributo de cada um.

Era um novo ponto de partida.

Luís disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Zé Miranda disse...

Este Soros é o meu burgues/capitalista preferido.
Já enriqueceu o suficiente para andar aqui a enganar o pessoal, e como não precisa de se preocupar vai-se divertindo com esta persona...

Pedro Viana disse...

Excelente resposta do F. Penim Redondo do Pedro M. Há que tentar a criação dum novo sistema económico baseado em cooperativas. O capital apenas poderá ser utilizado como empréstimo, a uma taxa fixa como proposto, sem implicar o ganho de poder decisório no que respeita à cooperativa à qual é feita o empréstimo. Fica em aberto se o capital pode ser emprestado directamente (ie. se continuam a existir acções), ou apenas através de bancos.

Luís disse...

Penim, vanguarda!

A ideia é sem dúvida aproveitável!

Mas o facto de estabelecer uma taxa de remuneração fixa do capital é socialmente um avanço, mas deita para a caixote do lixo da história mt daquilo que a "teoria económica" alguma vez disse e tb mt do que mtas vezes neste blog se escreve!

A reflexão pura do "económico" faz cada vez menos sentido, assim como o discurso da "ética da economia", que não é mais que a visão reformista da história e das instituições que quer a todo o transe continuar a prática das categorias que a modernidade burguesa lhes legou!

Se recuperarmos a tese que a automatização estabelece um limite absoluto à valorização do capital, tudo muda radicalmente de figura. A divisão técnica do trabalho e o progresso tecnológico podem ter deixado simplesmente de estar do lado da acumulação de capital; com isto há de certeza três séculos de história que chegam ao seu termo!

Luís disse...

(cont.) Entenda-se acumulação de capital enquanto processo mediado pelas categorias capitalistas de "lucro", "trabalho alienado" e outras. Qualquer socieadade futura vai ter de continaur a acumular capital (nas suas mais variadas formas...), mas aquela "segunda pele" com que todo o economicismo (do neoclássico ao keynesiano..) quer cobir a realidade natural e social, essa terá indubitavelmente de desaparecer para dar lugar à escolha e à reflexão informadas!

Anónimo disse...

Acontece que para inventar "uma nova forma de organizar as relações de produção e distribuição em sociedade," não podemos ir através do processo eleitoral, com pancadinhas nas costas ou com paninos de água quente.

Anónimo disse...

Gostei de ler o pragmatismo das respostas, qualidade aliás, que deverá cada vez mais assumir um protagonismo merecido.

É na verdade no pragmatismo que julgo que reside o que se pode chamar de uma dimensão "ética" que o João Marcos sugere(interpretação) . Não é real que o bem estar do sistema financeiro ou de quem nele opera a um alto nível esteja totalmente dissociado da realidade da sociedade mas também não é provável que esta relação sirva por si só para criar algum equilibrío (daí personagens como Soros parecerem tão bem intencionadas como pouco credíveis).
Na verdade poderá parecer cínico chamar-se Ética ao que será mais facilmente identificável como instinto de auto-preservação mas a actual situação, na sua inevitável capacidade de provocar mudanças, poderá trazer algo de positivo para a sociedade.

O pragmatismo vem no fundo da grande dose de realismo que deverão reflectir Governos e empresas que tenham até agora retirado alguma lição proveitosa.

Luís disse...

Eu denunciou o ético como forma de embrulhar uma certa orientação para a reforma económica, porque essa posição cai, maior parte das vezes, na enormidade de considerar o ético ainda e somente como uma pura dimensão do económico! O ètico enquanto discurso filosófico e qual o seu sentido hoje poderiam no entanto levar-nos para outras discussões. Mas não é nisso q agora tou interessado.

O pragmatismo, ou seja, a eficicácia colocada na acção é uma postura por demais matizada e que em última análise nos retira a capacidade de colher responsabilidade aos sujeitos da história. É por isso que Sócrates é uma coisa hoje, outra amanhã, e o mesmo vale para Trichet e não sei quem mais. Muitas vezes não passam da mais pura falsificação (e não falo no sentido popperiano)!

Quanto ao Soros. Não se deve desconsiderar o sujeito porque fala da posição do "especulador". A posição dele é bem fundada e resulta de uma reflexão filosófica bem orientada, ainda que insuficiente. A tese que ele expõe para a construção de bolhas especulativas tem uma grande aderência à realidade, e no fundo resulta de uma ideia e de uma observação mt simples. Soros não me preocupa, nem o considero um "pragmático" (o últmio livro dele tá aliás traduzido em português, não sei seé o melhor, mas tb foi o único q li); preocupam-me sim os mandantes da finança, que apesar de tudo acho q continuam a navegar precisamene numa maré de irrealismo!

Anónimo disse...

Agradeço a resposta João Marco, realmente a "maré de irrealismo" parece dissociada não só de qualquer prurido ético mas de uma total ausência de rumo e/ou de instinto de sobrevivência, a não ser que se considere a crescente aposta na precariedade como um reflexo de auto-preservação(ainda que deceptiva a longo prazo) por parte de empresas e governos.

Seja qual for a progressão desta situação a única garantia possível é de que não será de certeza desinteressante!

Luís disse...

Não me parece que alguma vez possamos combater a precariedade introduzida por esta épisteme (Mirowski) neoliberal com qualquer mandamento ético ou parecido. A reforma noeliberal, que em última análise corresponde à tentativa de instauração de um modelo de acumulação em período de crise estrutural do capitalismo, está a dar as suas últimas. A condição do irrealismo está no facto de a resposta ao esgotamento da acumulação fctícia dos últimos 20 anos querer precisamente agravar os factores da exploração do trabalho e da expansão económica fictícia das economias nacionais via criação de crédito (endividamento);; o que só se pode entender por uma "aceleração histórica final" da gestão capitalista da sociedade.

Se se trata de um reflexo de "auto-preservação", só o posso entender no campo precisamente da "segunda natureza" (E. Frankfurt) que o captitalismo e a modernidade engendraram e da qual hoje ninguém parece querer fazer a critica.. dissiminada que está do ecologismo ao novo keynesianismo!