sexta-feira, 30 de junho de 2023

Uma economia política deprimente

Diogo Martins já abordou aqui a falta de pluralismo no debate económico em Portugal. Continuando o exemplo, no twitter, Luís Aguiar-Conraria também vem afirmar que qualquer questionamento sobre a Política Monetária do BCE é disparate para consumo interno, a propósito, claro, das declarações de António Costa.


Felizmente, para consumo externo ainda se pode encontrar qualquer coisa, de pessoas que não aceitam que tenhamos encontrado o fim da história no que diz respeito às nossas opções de política económica.

Adam Tooze, no Financial Times clama por uma discussão democrática em torno da política de objetivo de inflação quando vemos a continuação de uma política monetária altamente contracionista, quando já existem pedidos para medidas de austeridade orçamental também contracionistas, tudo sacrificando emprego, vidas dignas e a própria democracia na cruz dos 2%. 

O que pede Adam Tooze é um debate democrático sobre que escolhas queremos enquanto sociedade:

Estas são escolhas sérias. Mas se a democracia liberal tem algum significado, deve envolver um debate público fundamentado. E isso significa não fechar a porta à discussão invocando os papões dos anos 70 e exigindo que os bancos centrais façam o que for preciso. Isso não é um debate democrático. É a velha lógica neoliberal do "não há alternativa". Essa lógica legou-nos a reação truculenta do populismo. 

Para isso, é preciso começar a chamar os bois pelos nomes. O desemprego e a crise não são efeitos colaterais, mas sim os instrumentos através dos quais os aumentos da taxa de juro atuam para baixar a inflação, nos modelos seguidos pela Economia convencional. É aquilo a que já chamei uma política económica consciente baseada em economia política deprimente.

Um outro artigo, na Forbes, por Erik Sherman, explica bem a (falta de) lógica, neste caso aplicada à Fed: Jerome Powell afirma que a estabilidade dos preços é a responsabilidade da Fed porque sem ela "a economia não funciona para ninguém". Mas depois elenca o crescimento do emprego como um problema, e a descida do crescimento dos salários e das ofertas de emprego como "boas notícias". Portanto: 

Por um lado, a Reserva Federal precisa de controlar os preços, o que significa inflação, para um mercado de trabalho forte e sustentado. E, no entanto, um mercado de trabalho forte e sustentado é, supostamente, uma das principais causas da inflação.

A própria natureza da União Económica e Monetária deixa o desemprego e os salários como únicas variáveis de ajustamento macroeconómico, o que mostra a natureza de classe de todo o projeto, como afirma João Rodrigues aqui, mesmo quando o próprio BCE já reconhece que o mecanismo de transmissão da inflação se encontra nos lucros e não nos salários. 

Com isto em conta, podemos começar a discutir o que realmente importa: salários, emprego, vida digna, não são variáveis de ajustamento, mas devem ser os verdadeiros focos de uma política económica que se quer democrática.

Mas uma coisa LA-C tem razão. António Costa diz o que diz apenas para consumo interno. Porque ser consequente, nesta matéria, levava-o para terrenos complicados aonde já vimos que nem ele, nem este Governo, nem o PS alguma vez aceitam mover-se. Seriam os terrenos onde Varoufakis se moveu, como bem lembra João Rodrigues. Tudo a prova de uma política que é, ela própria, também deprimente.

 

1 comentário:

Paulo Marques disse...

Falta a política mais importante, a gestão de vibes do agente económico capaz de prever o futuro num infinito longínquo