A audição de Hugo Mendes na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP parece revelar duas contradições.
A primeira, a de uma equipa política socialista que, mesmo não defendendo um ideário neoliberal (contra a intervenção do Estado e mesmo contra a existência de empresas públicas), acaba por ter práticas governamentais correspondentes a um enquadramento europeu, erguido para desarticular o controlo público e que, esse sim, é marcadamente neoliberal.
Isso ficou patente nas palavras de Hugo Mendes ao justificar a ausência de intervenção da tutela da TAP no caso tratado na CPI: 1) ao não contrariar a vontade da CEO da TAP de afastar a sua vogal (por se considerar que "um líder de equipa" tem o direito de escolher a "sua equipa" e por recear que, mais tarde, os maus resultados da TAP pudessem ser apontados à intervenção do Governo); 2) ao não interferir na negociação da indemnização entre a vogal e a companhia e a CEO (porque se tratava de um assunto da companhia e não do accionista); 3) ao não estranhar e não aferir da razoabilidade política do montante da indemnização porque a TAP é uma empresa a operar num dos sectores mais exigentes e mais bem remunerados (e como tal a indemnização também o seria); 4) ao não aferir da razoabilidade legal de uma indemnização (porque tudo ficara entregue a escritórios de advogados que deveriam ter respeitado o seu estatuto de advogados); 5) ao não aferir a compatibilidade legal entre a situação existente e o comunicado divulgado à CMVM (porque se tratava da responsabilidade da companhia e dos seus gestores); 6) ao não aferir da legalidade da indemnização à luz do estatuto do gestor público (porque essa tarefa deveria ter sido analisada e acautelada pelos tais escritórios de advogados).
Mas por outro lado, a extrema-direita, a direita - e os seus comentadores televisivos - resvalam para o inverso desta contradição: 1) condenam a situação criada, mas não questionam o direito de a CEO poder afastar a sua vogal (no fundo, concordando com a justificação de Hugo Mendes); 2) condenam a ausência de intervenção pública nesta situação, mas condenam em geral qualquer "ingerência política" do Governo na companhia; 3) condenam a negociação liberalizada entre membros da administração (sem o accionista), mas não condenam a intervenção dos escritórios de advogados em regime de outsourcing nos assuntos do Estado e do sector público; 4) criticam os pareceres jurídicos desses escritórios
de advogados, mas sempre normalizaram o esvaziamento das estruturas públicas nomeadamente dos seus serviços jurídicos; 5) contestam o escandaloso valor da indemnização, mas apenas contestam a sua existência pelo facto de a vogal, após a sua saída da TAP, ter ocupado o lugar de gestor público ou secretária de Estado: nada disseram sobre a revelação de Hugo Mendes de que, de 2019 a 2023 - mesmo depois do caso Alexandra Reis - terem saído da TAP mais 13 pessoas que levaram 8 milhões de euros de indemnização (mais de 600 mil por cabeça), casos reveladores das práticas de elevada desigualdade
salarial, "própria" deste tipo de empresas e
sectores.
Seguindo a mesma bitola, os comentadores relevam as mesmas contradições: "Há uma contradição quando se diz 'quem manda somos nós' e depois há esta desresponsabilização" (Pedro Santos Guerreiro, CNN). O ex-secretário de Estado revelou "a sua inutilidade", "era um homem que não servia para nada; a sua actuação foi de laisser-faire, laissz passer" (Sebastião Bugalho na CNN). Essa "inutilidade" teria ficado patente na ilegalidade na comunicação à CMVM que o Governo deixou passar sem intervenção, tornando-se cúmplice da mentira junto do regulador do mercado (Rui Alves Veloso, RTP). "Os advogados fazem o que os clientes querem" (Miguel Pinheiro, Observador na CNN, insinuando que a culpa foi da TAP e do Governo). "Este secretário de Estado entendeu que 500 mil euros não era muito dinheiro" (Pedro Santos Guerreiro na CNN). "Se há uma tutela partilhada, não pode haver um pagamento de meio milhão e a tutela financeira [Ministério das Finanças] não saber" (Rui Alves Veloso RTP).
Mas no final, a contradição maior é outra: apesar das aparentes diferenças, o partido que apoia o Governo e os partidos de direita e extrema-direita - e os comentadores televisivos - não querem (ou não podem querer) que o Estado tenha um verdadeiro papel político na gestão da TAP.
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