Chamo a atenção para um pequeno livro, publicado em 2020, sobre “a economia dos ativos” (The Asset Economy). O seu principal objeto é a acumulação de património imobiliário que a ilustração da capa sinaliza.
Trata-se de um livro de divulgação e de fácil leitura. Aborda um dos temas mais centrais das economias políticas contemporâneas: a propriedade imobiliária e o seu papel na reprodução de desigualdades sociais. Apresenta-se como uma crítica ao Capital no século XXI de Piketty, por este ter negligenciado esta relevante dimensão das desigualdades na sua análise e propõe uma nova abordagem à análise das classes sociais que leve em conta o património imobiliário.
Esta forma de economia resulta de um conjunto de políticas de pendor neoliberal altamente favorável para os proprietários. Destaca-se a política monetária centrada no controlo da inflação, isto é, dos preços dos bens de consumo, ao mesmo tempo que se tolera o crescimento exponencial dos preços dos ativos e os seus efeitos desestabilizadores. A habitação tem sido central nestes desenvolvimentos já que é o principal ativo detido pelas famílias, sendo crescentemente cobiçado por investidores institucionais, devido à sua tendência de valorização (aspeto não abordado pelos autores).
A habitação está no centro do agravamento das desigualdades por diversas vias. A compra de casa própria a crédito tem sido feita à custa de modos de provisão coletivos. O resultado tem sido o crescimento da propriedade privada entre os segmentos que puderam beneficiar de linhas de crédito bonificado e aliciantes incentivos fiscais, o que desencadeou o aumento continuado dos seus preços ainda que com oscilações. Os excluídos do mercado imobiliário viram-se ainda excluídos da provisão pública, com a privatização da habitação pública (sobretudo nos países anglo-saxónicos entre outros) ou na ausência de outras políticas (o nosso caso).
O agudizar das desigualdades habitacionais significa que o custo das crises do capitalismo – económicas, financeiras, de saúde pública ou ambientais – são crescentemente suportados pelos que ficaram excluídos do acesso à propriedade imobiliária em valorização. Ao contrário dos proprietários, com e sem hipoteca, a sua dependência dos rendimentos do trabalho cada vez mais precário não os protege da inflação das rendas dos mercados liberalizados (a parte do rendimento salarial transferida para os proprietários com o pagamento das rendas é maior do que a que é transferida para os bancos com o pagamento das hipotecas), não dispõem de rendimentos prediais, nem de colateral para aceder a crédito em condições mais favoráveis.
Ainda que os autores não o explicitem, a implicação desta análise é profundamente radical. Se o Estado Providência está a dar lugar a uma espécie de economia de bem-estar patrimonial (asset-based welfare), assente na acumulação privada de ativos com vista à extração de rendimento durante e após a vida ativa, então as relações de propriedade têm de voltar estar no centro das preocupações, dado o seu papel na ampliação das desigualdades sociais.
9 comentários:
Na análise da situação no mercado imobiliário e na avaliação do preço de arrendamento, nada de sério pode ser dito e feito sem considerar o risco associado aos termos do contrato de arrendamento.
Em Portugal o Estado promove a compra de habitação do mesmo passo que se dispensa de construir habitação social; põe os senhorios na ridícula situação de se substituírem à assistência social ou de serem desapossados de rendimento por períodos alargados, por inquilinos que não pagam ou simplesmente abandonam o arrendado.
Nessa palhaçada sempre aparece quem invoque as desigualdades para a sustentar.
Num passado não muito distante, o valor da renda era aceite corresponder a menor rendimento do capital que o obtido em depósitos a prazo, atendendo a uma potencial valorização e correspondente aumento de renda. Com juros negativos, leis estúpidas e Estado Social da treta, é o que se vê!
Aqui está um assunto central que poucos falam, a propriedade que os proprietários acreditam que é fruto do seu trabalho e de um qualquer merecimento, sempre individual como não podia deixar de ser. Tratar o rendimento do capital nos mesmos termos que o rendimento do trabalho é abusivo, tratar o rendimento do capital com primazia é um verdadeiro ultraje, a moralidade instituída faz uso da ignorância para não constatar a ilegitimidade da sua posição.
Excelente lembrança Ana Santos, imagino que o tema seja bastante delicado, até para a esquerda da igualdade.
O Património da Economia Dominante assenta na miséria de uns e na opulência de uns quantos, mas isto vai acabar.
O texto bem construído de Ana Santos transtornou a cabeça do senhorio José, a tal ponto de desequilibrar a sua linha de raciocínio. O seu ridículo e desconexo comentário espelha bem o que vai na cabeça de um senhorio quando lhe atiram à cara a verdade escandalosa que constitui o problema da habitação hoje em dia, fomentada e patrocinada pelos grandes proprietários, virados para a ganância e especulação.
Foi o próprio Freitas do Amaral que declarou que a atual lei das rendas, votada no parlamento durante a governação de Pedro Passos Coelho, ajudava os senhorios em excesso. Esta lei, para além de aumentar as rendas para valores especulativos e exorbitantes (para quem recebe um ordenado mínimo por mês), facilita o despejo, algo que não está previsto na nossa constituição.
De facto, é uma lei injusta e um problema que agrava a nossa sociedade.
Se queremos progredir e melhorar a própria relação humana, temos de mexer com esta lei e facilitar a habitação a quem precisa e a quem mais trabalha.
O problema começa lá em cima, na forma como os bancos centrais escolhem dar liquidez à economia. Vai para grandes bancos, que só emprestam a grandes empresas, cujos CEOs usam para inflacionar acções, ganharem os seus bónus e com eles comprarem os seus assets... Inflacionando por sua vez os mercados imobiliários em que entram. É uma lógica implacável.
Há por aí uns idiotas a espremer salários para adquirir casa própria, que ambicionam seja património dos filhos.
É gente sem crença nas virtudes da sociedade proletária, a semearem capitalistas, promovendo essa perversão horrorosa que é juntar rendas a salários, ou pior ainda. acumular rendas que venham a sustentar os odiosos rentistas.
A nossa tradição histórica de conquistadores e assaltantes de riquezas longínquas, agora se manifesta nesta gloriosa gesta de assalto ao rentista, excrescência dessa atávica e perversa ambição que prescinde de consumir para acumular capital.
Tudo há que fazer para dar fim a tais despautérios!
O mesmo senhorio (Jose) - cheio de complexos e de raiva ao excelente texto escrito - agora vem até usar de um estilo «à esquerda» no seu comentário, que não é mais do que um simples e medíocre comentário vindo de um senhorio, contente com a nova lei que o protege em excesso, mas descontente com as verdades aqui escritas e que não abonam nada a favor do sistema desigual que este tipo de pessoas prefere para a sociedade em que vivem.
Os desmandos e os despautérios vêm deste tipo de gente que tenta mostrar ter nível, quando no fundo não têm nível nenhum.
Informo o preocupado comentador que não busco conforto na lei mas na qualidade dos fiadores dos inquilinos e nos contratos que assinam.
O distinto «Jose» ou senhorio, sempre preocupado com as ganâncias a receber dos seus inquilinos, busca conforto na qualidade dos fiadores dos inquilinos e nos contratos que estes assinam com ele próprio. Pergunto se será o José proprietário de algum prédio ou moradia em Chelas ou Serafina? Este ganancioso e mal formado senhorio que dá pelo nome de «Jose» deve ter contas a ajustar com algum ou outro inquilino que em nada contribuiu para o seu equilíbrio financeiro - muito menos o psicológico. Daí a sua fúria contra quem prega pela habitação para todos.
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