Fonte: Autoridade Tributária |
A direita tem um ponto comum no seu discurso: a descida da carga fiscal, nomeadamente na tributação sobre as empresas através do IRC. Ainda no sábado Rui Rio o disse no seu discurso de vitória sobre Paulo Rangel que, por acaso, defendia a mesma ideia...
Mas quem beneficia com esta medida? Se a taxa de IRC é igual para todos, será que, quando se desce a taxa do imposto, beneficiam todas as empresas por igual?
O exercício que se segue é um pouco grosseiro. Primeiro, porque convinha conhecer as propostas concretas de cada um dos partidos de direita. E o problema é que as propostas são propositadamente vagos, seja para evitar ser criticados antes de tempo seja porque, se calhar, nem têm ainda ideias muito claras. Na prática, preferem discursos redondos que nada dizem, porque passam antes um efeito de sound-byte, no certo sentido, esse sim muito preciso - "vamos libertar as empresas das mãos do Estado".
Segunda questão: os dados da Autoridade Tributária não permitem um cálculo muito rigoroso do impacto da descida da taxa de IRC. A taxa efectiva de IRC, de cada escalão de empresas, é apurada através de um conjunto complexo de variáveis a que um cidadão não chega, em que a taxa de IRC é apenas uma dessas variáveis. Para ultrapassar essa dificuldade, partir-se-á de uma espécie de taxa média de IRC, obtida estimando o peso do IRC liquidado em cada escalão de facturação na respectiva matéria colectável.
Refira-se que a matéria colectável - sobre a qual incide a taxa de IRC - está longe de ser igual aos resultados positivos das empresas. Caso fossem usados esses resultados, a verdadeira taxa efectiva de IRC seria bem menor. Mas isso fica para outro post.
Tomemos, pois, os valores para 2019 disponibilizados pela Autoridade Tributária. O gráfico acima dá já uma ideia do que se passa. Em coluna, está o nº de empresas para cada escalão de facturação. Em linha, estão os montantes de IRC pagos por escalão de facturação.
Esta elevada concentração da receita de IRC num número muito reduzido de empresas - que se verifica há decadas! - pode ser sinal de muita coisa: subfacturação e evasão fiscal nos escalões mais baixos de facturação ou efectiva atomização empresarial e enfraquecimento do tecido empresarial, com uma excessiva concentração do peso e poder das maiores empresas.
Mas para este exercício, já aqui se pressente quem é que beneficiará com a descida da taxa de IRC. Na sua ideia, são as mais pequenas empresas ou as maiores empresas? Vamos tentar apurar essa diferença.
Faça-se um exercício muito a grosso: com o fim de apurar uma medida média de IRC pago por cada tipo empresa, divida-se a receita de IRC pago em cada um dos escalões de facturação pelo número de empresas de cada um desses escalões que pagou IRC. E, depois, apure-se qual o peso do IRC liquidado em cada um dos escalões de facturação relativamente à respectiva matéria colectável por empresa.
Assim, apura-se uma medida média da taxa efectiva de IRC paga em cada um dos escalões. As taxas efectivas assim calculadas variam entre 17,1% para as empresas de mais baixa facturação e e 25,5% para as maiores empresas. E, com base nestas taxas médias, estime-se quanto "custa" um ponto percentual de IRC pago para cada tipo de empresa.
O que se observa?
As empresas até 500 mil euros de facturação pagaram um IRC por empresa entre 2 mil euros (até 150 mil euros de facturação) ou de 5,7 mil euros (de 150 mil a 500 mil euros) - o que corresponde ao valor por ponto percentual de taxa efectiva de IRC respectivamente de 96 euros e 270 euros.
E nas grandes empresas?
Para as empresas com facturações de 25 a 75 milhões de euros, o IRC pago por empresa foi de 643,5 mil euros e 30 mil euros por ponto percentual de taxa efectiva de IRC. Se a empresa teve uma facturação entre 75 e 250 milhões, o IRC médio pago elevou-se a 2,2 milhões de euros, correspondendo a 107 mil euros por ponto percentual. Se a facturação for superior a 250 milhões de euros, o IRC pago já foi de quase 14 milhões de euros e cada ponto percentual foi de 664 mil euros.
Só aqui, já se percebe a diferença.
Mas poder-se-á dizer que tudo isto é um pouco La Paliciano - porque quem mais factura mais paga, mas cada poupança concedida pelo Estado não tem necessariamente de ter o mesmo peso no conjunto da respetiva actividade. Justo. Aliás, sendo as taxas efectivas de IRC mais elevadas para as maiores empresas, uma descida do mesmo ponto percentual, deveria ter efeitos mais poderosos nas mais pequenas empresas (1/17,1) do que nas maiores empresa (1/25,5). De facto, assim deveria ser.
Mas o que se passa é outra coisa: mesmo quando se comparam valores relativos (1 ponto percentual de IRC / matéria colectável por empresa ou resultados positivos por empresa, é que as grandes empresas saem sempre beneficiadas. Esse facto pode advir do facto de os diferentes tipos de empresas usarem, de forma distinta, os mecanismos legais para a redução de tributação - dos resultados positivos até ao IRC pago. Mas ficará para o tal outro post.
Mas quem beneficia com esta medida? Se a taxa de IRC é igual para todos, será que, quando se desce a taxa do imposto, beneficiam todas as empresas por igual?
O exercício que se segue é um pouco grosseiro. Primeiro, porque convinha conhecer as propostas concretas de cada um dos partidos de direita. E o problema é que as propostas são propositadamente vagos, seja para evitar ser criticados antes de tempo seja porque, se calhar, nem têm ainda ideias muito claras. Na prática, preferem discursos redondos que nada dizem, porque passam antes um efeito de sound-byte, no certo sentido, esse sim muito preciso - "vamos libertar as empresas das mãos do Estado".
Segunda questão: os dados da Autoridade Tributária não permitem um cálculo muito rigoroso do impacto da descida da taxa de IRC. A taxa efectiva de IRC, de cada escalão de empresas, é apurada através de um conjunto complexo de variáveis a que um cidadão não chega, em que a taxa de IRC é apenas uma dessas variáveis. Para ultrapassar essa dificuldade, partir-se-á de uma espécie de taxa média de IRC, obtida estimando o peso do IRC liquidado em cada escalão de facturação na respectiva matéria colectável.
Refira-se que a matéria colectável - sobre a qual incide a taxa de IRC - está longe de ser igual aos resultados positivos das empresas. Caso fossem usados esses resultados, a verdadeira taxa efectiva de IRC seria bem menor. Mas isso fica para outro post.
Tomemos, pois, os valores para 2019 disponibilizados pela Autoridade Tributária. O gráfico acima dá já uma ideia do que se passa. Em coluna, está o nº de empresas para cada escalão de facturação. Em linha, estão os montantes de IRC pagos por escalão de facturação.
Ora, verifica-se que as 100 empresas que facturam mais de 250 milhões de euros anuais pagam 28,2% da receita total de IRC (1,396 mil milhões num total de 4,954 mil milhões de euros). As 325 empresas com facturações entre 75 e 250 milhões de euros pagaram 12,8% do total de receita. Já vamos em 41% da receita de IRC. Se juntarmos as 822 empresas com facturações entre 25 e 75 milhões, atinge-se mais de metade da receita de IRC (51,7%), paga por 1200 empresas!
No outro extremo, as 165 mil empresas com facturação até 500 mil euros pagaram em 2019 cerca de 12,2% da receita de IRC.
Esta elevada concentração da receita de IRC num número muito reduzido de empresas - que se verifica há decadas! - pode ser sinal de muita coisa: subfacturação e evasão fiscal nos escalões mais baixos de facturação ou efectiva atomização empresarial e enfraquecimento do tecido empresarial, com uma excessiva concentração do peso e poder das maiores empresas.
Mas para este exercício, já aqui se pressente quem é que beneficiará com a descida da taxa de IRC. Na sua ideia, são as mais pequenas empresas ou as maiores empresas? Vamos tentar apurar essa diferença.
Faça-se um exercício muito a grosso: com o fim de apurar uma medida média de IRC pago por cada tipo empresa, divida-se a receita de IRC pago em cada um dos escalões de facturação pelo número de empresas de cada um desses escalões que pagou IRC. E, depois, apure-se qual o peso do IRC liquidado em cada um dos escalões de facturação relativamente à respectiva matéria colectável por empresa.
Assim, apura-se uma medida média da taxa efectiva de IRC paga em cada um dos escalões. As taxas efectivas assim calculadas variam entre 17,1% para as empresas de mais baixa facturação e e 25,5% para as maiores empresas. E, com base nestas taxas médias, estime-se quanto "custa" um ponto percentual de IRC pago para cada tipo de empresa.
O que se observa?
As empresas até 500 mil euros de facturação pagaram um IRC por empresa entre 2 mil euros (até 150 mil euros de facturação) ou de 5,7 mil euros (de 150 mil a 500 mil euros) - o que corresponde ao valor por ponto percentual de taxa efectiva de IRC respectivamente de 96 euros e 270 euros.
E nas grandes empresas?
Para as empresas com facturações de 25 a 75 milhões de euros, o IRC pago por empresa foi de 643,5 mil euros e 30 mil euros por ponto percentual de taxa efectiva de IRC. Se a empresa teve uma facturação entre 75 e 250 milhões, o IRC médio pago elevou-se a 2,2 milhões de euros, correspondendo a 107 mil euros por ponto percentual. Se a facturação for superior a 250 milhões de euros, o IRC pago já foi de quase 14 milhões de euros e cada ponto percentual foi de 664 mil euros.
Só aqui, já se percebe a diferença.
Mas poder-se-á dizer que tudo isto é um pouco La Paliciano - porque quem mais factura mais paga, mas cada poupança concedida pelo Estado não tem necessariamente de ter o mesmo peso no conjunto da respetiva actividade. Justo. Aliás, sendo as taxas efectivas de IRC mais elevadas para as maiores empresas, uma descida do mesmo ponto percentual, deveria ter efeitos mais poderosos nas mais pequenas empresas (1/17,1) do que nas maiores empresa (1/25,5). De facto, assim deveria ser.
Mas o que se passa é outra coisa: mesmo quando se comparam valores relativos (1 ponto percentual de IRC / matéria colectável por empresa ou resultados positivos por empresa, é que as grandes empresas saem sempre beneficiadas. Esse facto pode advir do facto de os diferentes tipos de empresas usarem, de forma distinta, os mecanismos legais para a redução de tributação - dos resultados positivos até ao IRC pago. Mas ficará para o tal outro post.
Resta sempre a dúvida: do ponto de vista económico, é eficaz reduzir a taxa de IRC se beneficia as empresas que mais músculo têm?
Portanto, quando os partidos de direita se arvoram defensores da libertação imediata dos fundos das empresas das mãos da redistribuição feita pelo Estado em prol - a prazo - dos mais fracos, das micro, pequenas e médias empresas... - saiba para quem estão verdadeiramente a falar e que "interesses instalados" parecem antes servir.
5 comentários:
E a pergunta é: beneficiaria o país?
Caro José,
Acho que a pergunta certa é: E não há uso orçamental mais eficaz, com maior efeito na economia do que aumentar a margem das grandes empresas?
Concordará comigo que deve haver...
Poderá dar-se o caso de os preços baixarem?
Poderia ocorrer que o emprego aumentasse?
...a economia é um mistério!
O estado tem de deixar de deitar a mão ao dinheiro das empresas.
Se as empresas não derem lucro por causa da carga fiscal elevadíssima, como querem que haja investimento estrangeiro aqui?
Caro José,
Estamos carecas de saber que a redução de impostos não reduz os preços, mas aumenta a margem das empresas. Apenas atenua custos, mas não tem efeito multiplicador. Por isso, se diz que, em vez da redução da receita fiscal, a despesa pública (criteriosamente escolhida) tem efeitos mais eficazes.
Caro Rafael,
Não é a carga fiscal que asfixia as empresas. O prejuízo, do ponto de vista fiscal, até é vantajoso para as empresas porque pode ser dedutível dos lucros dos anos seguintes. Aquilo que verdadeiramente prejuidica e mata as empresas... é a falta de procura.
Quanto ao investimento estrangeiro, esse tipo de capitais conseguem sempre condições fiscais privilegiadas - e secretas - que as empresas nacionais não possuem. E esse poderia e deveria ser um assunto a discutir.
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