quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Debaixo da areia da estagnação

Portugal tem um problema grave.

Tem a sua economia estagnada há duas décadas. E de cada vez que recupera rendimento ou investe, agrava-se o défice exterior. Ou seja, os portugueses tendem a asfixiar, caso comam ou passem fome, o que empurra a sua população jovem recém-formada para o estrangeiro e leva os governos a saldar as vantagens dadas aos estrangeiros do centro europeu, ao mesmo tempo que se deixa empregar a baixo salários os imigrantes do subdesenvolvimento.

E como não há coincidências que durem 20 anos, algo de muito forte deve estar a passar-se para que isto se esteja a passar assim.

À esquerda, há um pensamento consistente sobre as causas: sobretudo desde 2000, por força das poderosas correntes da divisão internacional do trabalho e da progressiva integração europeia - institucional, monetária, cambial, orçamental, até laboral -, a economia portuguesa teve de se abrir, desarmar as protecções à sua economia, e - com os seus défices seculares face a outros países no centro europeu - começou a afunilar para serviços de baixo valor acrescentado, prejudicando as suas contas externas e acentuando cada vez mais esse seu défice produtivo. E com uma frágil estrutura sectorial, não se pode crescer. Asfixia-se. A terapia à esquerda varia consoante a força política, mas em princípio passa por um novo papel do Estado na reversão desta queda no abismo, planeando, investindo, criando estruturas institucionais de salvaguarda do interesse nacional. Esbarra isso na armadura institucional europeia? Pois, façam-se contas a ver o que é pior: se uma morte lenta, se um novo desígnio nacional.

Mas e à direita qual é o diagnóstico e qual é a terapia?

Por exemplo, como é que os dois candidatos a presidente do PSD vêem este problema? As respostas são tão decepcionantes como reveladoras, seja do quanto a direita não revela o seu programa, seja da leviandade dos seus representantes. De qualquer forma, uma coisa é certa: quando assumirem o poder, a sua prática será diferente do que disserem, conduzindo o país - como o fizeram entre 2011 e 2014 - ao descalabro agravado e ao desemprego.

Há outra explicação ainda pior: como não são idiotas, preferem enfiar a cabeça na areia da estagnação.

Pegue-se nas moções e nas últimas entrevistas à RTP e veja-se a leviandade do seu discurso.



A moção de Rio é pouco clara quanto ao diagnóstico.
Não nos resignamos ao lento definhar das instituições, à perda de qualidade de vida e do bem-estar dos Portugueses, à estagnação da economia e à perda da nossa competitividade externa, ao descalabro dos serviços públicos e à falência do Serviço Nacional de Saúde, ao crescente sufoco fiscal e ao deficit de oportunidades que empurra todos os anos dezenas de milhares de Portugueses para a emigração. (...) a continuidade das políticas de esquerda que têm conduzido ao empobrecimento relativo do nosso país face aos nossos parceiros europeus...
Não há diagnóstico. A culpa de tudo é... da esquerda. O que se quer dizer com "a continuidade das políticas de esquerda"? Por que razão definha a economia? É por causa da presença do Estado na economia? Caso se faça contas ao consumo público, ver-se-á que o seu valor a preços constantes apenas cresceu 11% em valor e que mantém o mesmo peso percentual do PIB que em 2000! O seu emprego subiu 14,5% em 20 anos e nesse valor estão incluídos os empregos privados na educação, na saúde e no apoio social! Se há conclusão é a de que os serviços públicos vivem um subfinanciamento crónico há décadas...

Ora, sem um diagnóstico consistente, a terapia tende a ser frouxa. Na entrevista à RTP, Rui Rio foi questionado, sobre qual a "medida mais urgente que é decisiva para desbloquear a estagnação económica". Resposta... voluntarista, mas pouco séria:
É muito fácil. É mudar a política económica do país. Temos tido uma política económica, muito defendida pelo BE e o PCP, para lá do PS, que canaliza o crescimento económico através do consumo, privado e público. E eu tenho uma visão absolutamente contrária. O consumo público e principalmente o privado não é o motor do crescimento, é aquilo que eu quero atingir, é as pessoas consumirem mais e viverem melhor. Portanto, o que é que eu tenho de fazer? Tenho de produzir mais e melhor. Tenho de ter uma política económica virada para a produção, uma política económica de apoio às PME. E não que vá pelo consumo, porque isso dá automaticamente um desequilibrio na Balança de Pagamentos. Se não produzo e consumo, tenho de importar e foi isso que trouxe a troica cá para dentro há uns anos atrás. E é isso que temos de evitar.
Esqueçamos a tirada desprovida de realidade de que foi o desequilíbrio externo que trouxe a troica a Portugal. Como é que este programa é viável se o investimento das PME tem, igualmente, uma forte componente importada? Não é apenas o consumo privado e o público - o investimento privado também! Portanto, fraco diagnóstico, fraco programa.

Depois, vem o verdadeiro programa:
Não há alternativa a considerarmos os serviços de saúde, públicos e privados, como um todo, mobilizando todos os recursos disponíveis para a concretização do objetivo principal: assegurar um bom serviço de saúde, em tempo e com qualidade.

A reforma da educação tem de começar pelas bases, a saber, a educação de infância (creches e infantários) acessível a todas as crianças, promoção do sucesso escolar, rigor e clareza curricular, diversidade pedagógica, instrumentos sistemáticos de avaliação das aprendizagens, dignificação da profissão docente e autonomia das escolas.

Por isso entendemos que é tempo de iniciar uma reforma do sistema político que comece nos partidos políticos e acabe na própria reforma do Estado e das suas instituições centrais. (...) Face ao crescente risco de populismo e radicalismo na sociedade portuguesa é necessário encontrar respostas que contribuam para o reforço das instituições.

A sustentabilidade da Segurança Social.

O reformismo é a alternativa quer ao socialismo, quer ao neoliberalismo. Somos reformistas e social democratas porque não sacrificamos a liberdade à igualdade, porque somos personalistas e solidários sem criar dependências, porque defendemos um Estado que liberta a sociedade e que não a asfixia.
Percebe o que se quer libertar? Em proveito de quem e em prejuízo de quem?


E Paulo Rangel melhora o discurso de Rio? Leia-se a sua moção "Uma alternativa para Portugal":
Nos últimos 26 anos, 20 dos quais governados pelo Partido Socialista, Portugal estagnou, empobreceu relativamente à Europa e aos nossos competidores, perdeu-se a ambição coletiva, desfez-se a esperança nacional e individual de subir na vida, cresceu a resignação e o conformismo para com um Estado que cobra cada vez mais impostos para oferecer serviços públicos piores e mais ineficientes. Durante este período, o PSD apenas foi chamado a governar para resgatar o País de pântanos e bancarrotas deixadas por governações socialistas. O Partido Socialista prosseguiu um projeto de mero controlo e concentração de poder, focado na sobrevivência política e traduzido na distribuição por poucos do pouco que temos. O PS desistiu de uma ambição de prosperidade, tendo sacrificado o interesse dos portugueses e derivando cada vez mais para a esquerda numa aliança de convicção e conveniência com o radicalismo político de esquerda.
Para Rangel, a estagnação não é explicada. Houve, no seu entender, uma má gestão, promiscuidade e corrupção, mas não se explica o porquê da estagnação, quais os factores, quais as derivas. Fala-se da "estagnação", da "pobreza", do facto de "ter um emprego não é garantia para escapar à pobreza", que:
"o falhanço da estratégia de aumento do salário mínimo no arrastamento do salário mediano e médio, levou a que hoje atualmente cerca de 25% dos portugueses vivam do salário mínimo" ou que "onde se nasce e se vive tornou-se o mais forte indicador da probabilidade de se ser e permanecer pobre. Isto conduz, por sua vez, a uma perda de população, particularmente os mais qualificados".
... mas não se percebe o que está na base desta situação. É maldição nacional?

Voltemos às entrevistas na RTP:
Portugal, a seguir à Polónia, é um dos países que mais cai e uma das razões fundamentais é justamente a corrupção e outra, importante, foi o fim dos debates quinzenais. [sic!]
Foi a corrupção que nos pôs nesta situação? É isso? Como Rio, Rangel não faz um diagnóstico... apresenta sintomas! Mas de qual "doença"? Agita bandeira e... - veja-se! - promete um programa, mas a prazo!
... se houver a apresentação de um projecto, se o PSD apresentar uma alternativa, uma alternativa credível, para criar riqueza e, com isso, combater a pobreza, se o PSD fizer um discurso que alimente a esperança das pessoas, um programa pela opositiva, acho que podemos motivar os portugueses, porque o descontentamento com este governo é muito grande".
Mas qual é o seu projecto?
eu tenho uma visão, tenho uma equipa credível, tenho um programa e se formos capazes de apresentar isso como alternativa estou absolutamente convencido... com a minha experiência europeia, é preciso rede europeia e internacional, com a minha experiência, já passei pelo governo (...) tenho uma grande experiência da vida prática, como advogado, como professor (...) estou na vida política há muito menos anos, estou prefeitamente preparado...
Sim, mas como? O discurso de Rangel roça o delirante face às forças que têm empurrado a economia para uma deriva de especialização sectorial em serviços de baixo valor:
O que temos é de pôr o país a crescer e a crescer fortemente, não estes crescimentos anémicos de 0,5% que não mudam nada e que fazem com que António Costa, todos os anos, o seu grande anúncio aos portugueses, é um aumento extraordinário das pensões de dez euros. Em seis anos, foi isto que ele ofereceu aos portugueses. Temos de pôr o país a crescer. Como é que se faz isso? Faz-se com uma reforma fiscal baixando o IRC. E se tiver a economia a crescer muito mais, vai ter muito mais receita. É um tema clássico. Vai ter de mexer na Justiça, mas não para aquelas reformas macro que têm aquele impacto micro, como mudar o CSM ou do MP. Não! Para tornar a Justiça mais célere e mais rápida. (...) Basicamente através da digilitalização (...) nos processos fiscais, nos processo admnistrativos, nos processos de insolvência e que são fundamentais para a economia funcionar. Vai ter de mexer na desburocratização... Educação profissional e técnico-profissional - mudar a economia média do conhecimento, as profissões e o conhecimento profissional, programadores, canalizadores.... soldadores, por exemplo. E adequar o mercado de trabalho à procura. Porque hoje o que existe, é nós termos muitas pessoas bem formadas, mas depois não têm a formação que o mercado necessita. E temos de fazer isso através da reconversão profissional. (...) Aí tem: reforma da justiça, reforma fiscal do IRC e alguma coisa de IRS, desburocratização e formação daqueles que vão trabalhar. (...) Ora, bem. O que é que preciso fazer? É pôr a economa a crescer. E mais una vez volto às reformas.
Voltámos ao choque fiscal de Durão Barroso e Miguel Frasquilho, de há 20 anos? De cada vez que a direita tem hipótese de chegar ao poder, promete um "choque fiscal". E aplica-o. E sabemos quem benefica com essas medidas de poupança fiscal. Mas a realidade não tem mudado, pois não? Bate-se o peito pelo exemplo irlandês, sabendo que não se aplica a Portugal. Frágil e fraco. Pouco sério, não é?

Teme-se, pois, o pior com este PSD. Mas percebe-se igualmente os escolhos do PS ao não ter comseguido evitar a acumulação desta verdadeira sintomatologia.

Acabo como começo: Portugal tem um problema. Mas estes políticos não estão a ajudar a resolvê-lo.

2 comentários:

Jose disse...

Não me compete escrever páginas de comentários sobre tão abundante matéria.
Fico-me por dois pontos:

A – «um novo papel do Estado na reversão desta queda no abismo, planeando, investindo, criando estruturas institucionais de salvaguarda do interesse nacional.»
Vai o Estado fundar empresas e promover cooperativas ou depender da iniciativa privada?
"Criando estruturas institucionais" significa sacar dinheiro de algum lado.
Fronteiras e moeda; vai ter? e quando?

B - «Em proveito de quem e em prejuízo de quem?»
Princípio basilar de esquerda: onde há um proveito sempre há um prejuízo.
O ganho de uns sempre é medido como prejuízo de outros; a noção de fronteira que estrutura a noção de classe sempre mede deste modo o que pode ser o aumento da riqueza total.
O crescimento dos lucros, da acumulação de capital, que é instrumento vital para viabilizar combater as
«forças que têm empurrado a economia para uma deriva de espe”ialização sectorial em serviços de baixo valor»
sempre traduzem prejuízo para alguém.
«Prejuízo de quem?» - do Estado que não tributou, do trabalhador que não recebeu em salário o que acabou sendo o lucro.

Este é o BÊABÁ do pensamento de esquerda, que nem gere o capitalismo nem constrói o socialismo, limita-se a vegetar num pântano ideológico de ambições sobre parâmeros que sabe não poder realizar.

TINA's Nemesis disse...

O discurso de Rui Rio não é apenas leviano é mentiroso de propósito, Rio explora (como o Ventura, Portas, Passos, etc.) a ideia de que o socialismo faliu o país e daí a vinda da Troika, é uma tática velha que aproveita-se da ignorância política da pessoas.
É ainda mais grave pois Rio tenta demarcar-se da turba PàF neoliberal que estava a arruinar este país e sua população, ele até diz que é “social democrata”!

Políticos como Rio, Rangel e Costa claramente não querem resolver os problemas que os seus partidos criaram a Portugal.
A última coisa que Rio, Rangel e Costa querem é que se faça um diagnóstico sério, um diagnóstico sério levaria à conclusão de que o Partido “Socialista” e o Partido “Social Democrata” são responsáveis por meterem Portugal na conspiração anti-democrática e austeritária União Europeia/ Euro que criou a estagnação...
Um diagnóstico sério também vai levar à conclusão que não houve bancarrota em 2011, que a austeridade só serviu para transferir rendimento e poder da base para o topo.