terça-feira, 25 de outubro de 2016

Ainda as pensões mínimas


Uma pensão mínima do regime geral da Segurança Social pode ter duas parcelas:

1- A que resulta da aplicação da fórmula estabelecida na lei (‘pensão estatutária’), paga pelo Orçamento da SS;

2- A que resulta de um complemento, pago pelo Orçamento do Estado, quando a ‘pensão estatutária’ não alcança o nível mínimo fixado para as pensões de invalidez e velhice.

Por outro lado, existe uma “pensão social” que é paga a quem não fez descontos. Dado que estas pensões já estão sujeitas a condição de recursos, o actual debate só tem sentido relativamente ao complemento das pensões mínimas do regime geral, a segunda parcela que o Orçamento de Estado paga. É a isto que Mário Centeno se referiu na sua entrevista e era a isto que o programa do PS se referia quando orçamentava uma poupança de 1020 M€, em quatro anos, em resultado da introdução da condição de recursos.

À esquerda, há quem considere que o complemento pago no regime geral das pensões mínimas tem a mesma natureza do Complemento Solidário para Idosos (CSI) que visa reduzir a pobreza. Por isso, também deveria ser sujeito a condição de recursos.

Outros (Maria Clara Murteira, João Rodrigues, Ricardo Cabral, ... ) e eu próprio, entendemos que o nível mínimo da pensão constitui uma decisão política no quadro da solidariedade nacional para com os que trabalharam e fizeram descontos (por escalões, em função do número de anos). Para nós, é um adquirido civilizacional que quem trabalhou constituiu o direito a um nível mínimo de pensão. A sociedade, por decisão política, compromete-se com esse nível mínimo na medida em que o trabalho do cidadão foi comprovado pelos descontos que fez para que os inválidos e idosos, seus contemporâneos, também tivessem pensão. O direito à pensão mínima é independente da forma como esta é financiada. No caso do complemento do regime geral (segunda parcela), o Estado apenas está a concretizar a sua garantia política quanto ao nível mínimo da pensão.

Do nosso ponto de vista, quem defende a aplicação da condição de recursos, quando existe um complemento na pensão mínima, está a mutilar o direito à pensão porque pretende reduzi-la à pensão estatutária (primeira parcela), como se o direito à pensão tivesse sido constituído apenas ao nível da aplicação de uma fórmula de cálculo. Entende que, daí para cima, havendo pobreza comprovada, o cidadão poderá beneficiar do CSI ou qualquer outro apoio aos pobres. Isto é a erosão do Estado Social em direcção ao Assistencialismo.

A esquerda que repudia o paradigma neoliberal em todos os domínios, continuará a defender o direito a um nível mínimo de pensão como um instrumento de reconhecimento social do valor do trabalho, independentemente de outras fontes de rendimento de que o pensionista disponha. O imposto sobre o rendimento global das famílias, com taxas progressivas, encarregar-se-á do objectivo da justiça social ao tributar os que têm uma pensão mas não são pobres.

Acima de tudo, importa não confundir objectivos e instrumentos de política. E recusar a lógica do esfarelamento dos direitos que, sob a capa do combate à pobreza, visa desconstruir o Estado social. É tempo de a esquerda perceber que o combate à pobreza foi lançado no plano internacional para encobrir e legitimar o abandono da luta pelo desenvolvimento. Sobre isto, ver aqui.

Nota:
A segunda linha do texto foi alterada, tendo sido eliminada uma parte: (aplicação) "aos descontos efectuados pelo trabalhador".

7 comentários:

Luís Lavoura disse...

quem trabalhou constituiu o direito a um nível mínimo de pensão

Mesmo que tenha trabalhado muito pouco? Mesmo que tenha descontado muito pouco tempo?

A mim essa tese parece-me absurda. Quase toda a gente trabalhou, pelo menos algum tempo, durante a vida. Dizer que toda a gente tem direito a uma pensão mínima, mesmo quando descontou um tempo inferior ao necessário para a auferir, é disparatado.

Jorge Bateira disse...

Luís Lavoura, não se esqueça dos escalões:

- menos de 15 anos de contribuições: € 263;
- de 15 a 20 anos: € 275,89;
- de 21 a 30 anos: € 304,44;
- mais de 30 anos: € 380,56.

Anónimo disse...

Um excelente e muito claro post

J.Tavares de Moura disse...

Porque motivo devem trabalhadores no activo com salários mínimos que não dão para sobreviver, estar a pagar contribuições para pagar um complemento social da pensão a quem trabalhou um ou dois anos e tem rendimentos de outras fontes muitas vezes superiores à média? Tirar aos pobres para dar aos remediados e aos ricos, é ser de esquerda?
Estranho conceito este de justiça social.
O montante anual pago pela segurança social de pensões do regime não contributivo (de quem nunca fez descontos ou tem menos de 15 anos de descontos) é de cerca de 3.000 milhões de euros. A maioria desses pensionistas recebem complementos de pensão sem deles necessitarem, por terem rendimentos superiores a 60% da mediana do rendimento, e tem uma pensão de € 264. Já os pensionistas que ganharam salários muito baixos e pagaram contribuições durante 20 anos recebem € 276, ou seja mais € 12 euros. São maioritariamente pobres e estão em situação de carência e recebem praticamente o mesmo. Isso é socialmente justo?
Dá volta ao estômago ver, quem se diz de esquerda, defender que os pobres devem contribuir para pagar pensões aos remediados e aos ricos.

Anónimo disse...

O que dá volta ao estômago é ver como se faz demagogia fácil sobre este assunto.

E sobre as pensões:

Quais, como e quando? O aumento de pensões explicado"
http://www.abrilabril.pt/nacional/quais-como-e-quando-o-aumento-de-pensoes-explicado

Luís Lavoura disse...

Jorge Bateira, os escalões de que você fala apenas dão corpo à injustiça. Então um indivíduo contribuiu muito pouco para as pensões dos outros e agora tem direito a que lhe dêem uma pensão como se ele tivesse contribuído mais?

Eu acho que não deve haver pensões mínimas. Cada um recebe uma pensão de reforma proporcional àquilo que descontou, e prontos. Quem descontou pouco deve receber pouco.

Apenas aceito pensões mínimas para quem, sem elas, vivesse comprovadamente na miséria.

Anónimo disse...

Este debate parece ser dos mais difíceis que já notei neste blog.