Os irlandeses lá aprovaram o Tratado de Lisboa. Repetir referendos até dar o resultado certo ou impedir referendos para evitar repetições. Assim se escreve mais um capítulo da triste história de uma integração europeia feita de truques e de pressões de duvidosa democraticidade. Isto não é defeito é feitio de um regime socioeconómico e este feitio até está bem teorizado pelos seus proponentes. Já aqui se escreveu muito sobre um tratado que se limita a cristalizar as opções neoliberais da UE desde Maastricht. Não é uma carta de direitos absolutamente vazia do ponto de vista socioeconómico e umas referências vagas à duvidosa «economia social de mercado» que vão travar a concorrência fiscal, a ortodoxia económica imposta pelo BCE e pela Comissão ou a extensão do principio do mercado interno a esferas crescentes da vida social.
Quero regressar a um tema que me é caro: como esta arquitectura do governo económico europeu contribui para a autodestruição da social-democracia como força de reforma do capitalismo europeu. Um dos grandes e menos notados paradoxos da história recente de hegemonia neoliberal: a social-democracia trabalhou para a destruição das condições institucionais - pleno emprego com direitos, sindicatos fortes, propriedade pública de sectores estratégicos ou controlo dos fluxos económicos - que tinham garantido a sua hegemonia e que favoreciam todos os imaginários socialistas.
Creio que esta opção se deve, em simultâneo, a um processo de colonização ideológica e a um erro de cálculo. O erro foi pensar que a moeda única e o mercado interno europeu, como que por uma mão invisível, criariam a vontade política para voos progressistas de criação de um Estado federal onde as políticas sociais-democratas poderiam ser reinventadas. Não criam e não criarão. O processo de colonização ideológica, talvez favorecido pelo erro, está bem patente numa formulação ordoliberal alemã a que o PS acabou por aderir: a economia social de mercado, ou seja, a ideia de que as políticas públicas, crescentemente conduzidas por organismos emancipados do controlo democrático e apenas temperadas por políticas sociais de remendo, devem estar orientadas para a promoção da concorrência mercantil ou para a sua imitação. Vital Moreira é um dos melhores representantes desta corrente em Portugal. Daí a sua felicidade.
O porreiro pá de José Sócrates, cuja orientação Daniel Oliveira já escalpelizou bem, ficará para a história como um modesto símbolo da autodestruição da social-democracia. Que fazer? Reforçar o pólo europeísta e socialista e a sua coesão ideológica. A subida da esquerda socialista em Portugal e na Alemanha ou as convergências em França são sinais de esperança. Este documento, oriundo das fileiras da social-democracia europeia, também.
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2 comentários:
Caro João Rodrigues,
Parabéns pelos fundamentos com que nos evidencias a destruição do modelo social-democrata. Concordo inteiramente com a ideia de que a democracia anda pelas ruas da amargura ... com o complexo sistema tecnocrático que está montado para as democracias funcionarem ao serviço das alavancagens das cúpulas político-financeiras da UE (democracia musculada).
Subscrevo inteiramente esta tua tese. Aliás, já o defendi, com outros argumentos, numa crónica do meu blogue que os ideais do socialismo democrático dos anos 80 foram completamente postos na gaveta com o sistema da Globalização neoliberal. Vide a minha crónica "Agonia, o estado da nação ou o estado do mundo ?" in www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
Sem dúvida que só um socialismo de esquerda dará a necessária resposta à premência internacional e nacional de mudarmos de paradigma político-cultural.
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
É ad nauseum. E é uma falácia ... como uma "lenga-lenga" em que todos se enganam uma vez.
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