terça-feira, 22 de maio de 2007

Amor à camisola?


É sabido que as últimas décadas foram marcadas por um crescimento exponencial dos mercados financeiros e do seu poder sobre um conjunto cada vez mais alargado de esferas da nossa vida. Símbolo último da globalização, os mercados financeiros organizam e sancionam, sob os ditames da liquidez e da rentabilidade imediata, as nossas reformas, os nossos empregos, os nossos serviços e mesmo os nossos governos.

Esta expansão insaciável, da qual depende a sua própria sobrevivência, chegou nos últimos anos ao desporto e particularmente ao futebol. Os clubes mais ricos, como o Manchester United, abandonaram o anterior modelo associativo e democrático de gestão para adoptarem o modelo de empresa cotada em bolsa. Estes clubes foram então tomados por fundos de investimento ou grandes magnatas, como Rupert Murdoch no Manchester ou Abramovich no Chelsea (este último mais por capricho do que por cálculo financeiro). Por outro lado, a titularização accionista da propriedade dos clubes e as ofertas públicas de venda permitiram uma estupenda fonte extraordinária de receitas - lembram-se dos valores recorde dos passes de jogadores há meia dúzia anos atrás?

Contudo, todo este processo é contraditório e assimétrico. Os mercados financeiros podem procurar a rentabilidade imediata, mas o objectivo primário dos clubes são os seus resultados desportivos (que, por sinal, se revelam cada vez mais caros de atingir). Os dois objectivos podem ser compatíveis em clubes como o Manchester United ou o Real Madrid, onde as suas vitórias desportivas rapidamente se traduzem em receitas chorudas de merchandising ou direitos televisivos. No entanto, os clubes mais frágeis, como os do campeonato português, dificilmente conseguem esta simbiose. Não é, por isso, surpreendente que as acções de clubes como o F.C.P., o Sporting e, provavelmente no futuro, o Benfica, estejam muito abaixo do seu valor de emissão.


Resta saber se o actual rumo não significará, mais cedo ou mais tarde, o fim de uma realidade que ainda distingue os grandes clubes portugueses: a detenção por parte do clube (enquanto associação) da maioria do capital das S.A.D. (Sociedade Anónima Desportiva). Seria o fim do que resta de controlo democrático dos clubes e o início de empresas dedicadas à especulação com a compra e venda de passes de jogadores, única forma de tornar os clubes portugueses rentáveis.

PS: Já agora recomenda-se o excelente dossiê deste mês do Le Monde Diplomatique – edição portuguesa dedicado à relação entre futebol e política.

3 comentários:

A. Cabral disse...

Interessante, o que fara este processo 'a denominacao de classe dos clubes. O Man U. veste vermelho e degladia-se com azuis (Chelsea) e muitos ainda entendem que ele representa o clube do Norte industrial e proletario, sera por muito mais tempo?

Ricardo G. Francisco disse...

Os clubes de futebol nunca foram democráticos a não ser que considerem democracias tudo o que tenha a ver com votações.

Isso explicaria as posições em relação ao camarada Chavez...

Diogo disse...

«compra e venda de passes de jogadores, única forma de tornar os clubes portugueses rentáveis»

Não concordo.

Com a livre circulação de jogadores pela Europa, reforçaram-se os clubes dos países mais populosos (e, portanto, com maior número de clubes bons) a expensas dos bons clubes de países menos populosos.

Ganharam os campeonatos espanhol, italiano, francês, inglês e alemão à custa dos campeonatos português, holandês, belga, etc.

O «resultado» de um jogo em termos de espectáculo é o produto do valor das duas equipas em confronto. Daí, o «resultado» ser sempre mais forte em Espanha (Barcelona x Celta de Vigo) do que em Portugal (Benfica x Beira Mar). Desse «resultado» dependem as receitas. E das receitas dependem as boas contratações. Donde, por exemplo, qualquer clube médio espanhol tem muito mais receitas que qualquer «grande» clube português.

Daí, o afundamento de clubes como o Ajax, Anderlecht, Benfica, etc. Existem alguns sucessos em provas europeias mas são a excepção.

Só com uma organização de campeonatos por zonas europeias (como os EUA fazem), com, por exemplo, o Benfica a defrontar semanalmente outras equipas fortes, é possível evitar que os «grandes» clubes dos pequenos países não passem de entrepostos de jogadores.