sábado, 26 de maio de 2007

Leituras de fim-de-semana: John Stuart Mill

«Já não sendo escravizada ou reduzida a relações de dependência por força da lei, a grande maioria é-o por força da pobreza; está ainda agrilhoada a um lugar, a uma ocupação e à conformidade com a vontade de um empregador, estando também desprovida, por força do lugar onde nasceu, dos privilégios e das vantagens mentais e morais que outros herdaram sem esforço e independentemente do merecimento. Os pobres não se enganam quando pensam que este é um mal idêntico à maioria dos males com que a humanidade já se confrontou. Será um mal necessário? Assim lhes é dito por todos aqueles que não têm de o suportar, por todos os que ganharam os prémios na lotaria da vida. As classes que o sistema social tornou subordinadas têm poucas razões para ter fé nas máximas que o mesmo sistema social transformou em princípios». John Stuart Mill, talvez o mais importante economista liberal britânico do século XIX, escreveu isto nos seus Capítulos sobre o Socialismo, publicados postumamente em 1879.

O que torna o liberalismo de Mill tão interessante, entre outras coisas, é que ele procurou aplicar os princípios liberais às relações laborais. Foi assim para além da representação fortemente enraizada que fundava a separação entre a esfera política e pública (a dos direitos de cidadania) e a esfera económica supostamente privada (a das relações contratuais entre indivíduos supostamente dotados do mesmo grau de autonomia). Contribuiu desta forma para alargar a lógica dos direitos políticos à economia em geral e ao mundo do trabalho em particular. Isto, combinado com a ideia de que a autonomia individual exige um conjunto de condições socioeconómicas prévias, levou-o a defender reformas robustas no sistema dos direitos de propriedade e certas formas de «intervenção pública». E a defender também as virtudes económicas, morais e políticas de uma transição gradual para uma espécie de socialismo de mercado, em que fossem os próprios trabalhadores a controlar os activos das empresas, assim acabando com relações de dependência que considerava contrárias às ideias liberais. Este liberalismo está obviamente muito longe do que agora se propaga, tantas vezes usando e abusando do contributo certamente ambíguo, mas sempre fascinante de Mill.

1 comentário:

baldassare disse...

"Este liberalismo está obviamente muito longe do que agora se propaga"

Hoje o liberalismo é ultra-conservador. Basta ver que existe um partido (a Nova Democracia), que se diz "liberal conservador". O quê? Liberal conservador?! É a mesma coisa que um partido nazi-comunista!

Lembram-se daquela história do "Compromisso Portugal", aqui há uns aninhos? Eles diziam que em Portugal havia muito uma cultura de Escola Pública. Que devia haver mais escolas privadas.
O mais interessante é que eles, enquanto empresários, podiam muito bem criar escolas privadas. Ninguém os impedia. E ninguém os impedia de criar escolas privadas mais acessíveis, para deixar de haver essa tal "cultura" de Escola Pública.
Se calhar queriam incentivos do Estado, não? Ah pois, se calhar queriam... grandes liberais...

P.S.- Grande post.