segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Haja história, haja memória, haja pátrias


Gamal Nasser, Sukarno, Tito, Ho Chi Minh, Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral, Patrice Lumumba, Agostinho Neto, Salvador Allende, Nelson Mandela, Yasser Arafat, Fidel Castro, Evo Morales, Lula da Silva... 

O que têm em comum estes líderes, e haveria muitos mais, do que já se chamou o Terceiro Mundo, esse grande projeto não-alinhado e derrotado, mas que continua hoje de outras formas num mundo felizmente mais multipolar (detesto a atual designação de “sul global”)? 

Todos disseram, de uma forma ou outra: “pátria ou morte, venceremos”. Todos souberam, na teoria e na prática, que patriotismo, ou nacionalismo se quiserem ser mais rigorosos, e internacionalismo estão profundamente imbricados, até pelo inimigo internacional comum: o colonialismo e o neocolonialismo, o sistema imperialista. A historiografia fala de “nacionalismo internacionalista”, precisamente. 

Pensaram e ensinaram-nos a pensar no projeto de nação, como se diz no Brasil, na criação de uma vontade coletiva nacional-popular hegemónica e internacionalmente contagiante. 

Há uma “esquerda” eurocêntrica, que hoje pensa como se fosse uma sucursal para progressistas do eixo Washington-Bruxelas e que quer opor internacionalismo e patriotismo. Por sinal, é a mesma “esquerda” liberal que rejeita nacionalizações, que apoia a corrida armamentista e que já soçobrou moralmente na Palestina. 

Sim, estou a pensar em mais um artigo sem história, nem memória, escrito por um dirigente do Livre. É todo um programa de submissão, baseando-se, entre outras, na ignorância contumaz da história do marxismo, como se Marx tivesse alguma coisa que ver com tal programa. Confirma-se a hipótese: a imaginação historiográfica euro-liberal contemporânea de Rui Tavares causa danos intelectuais na esquerda, também por via dos seus discípulos políticos.

Na semana passada, mero exemplo revelador, assinalou-se o aniversário do derrube, em 1953, do governo nacionalista iraniano de Mohammad Mosaddegh, por um brutal golpe de Estado apoiado pelos governos britânico e norte-americano. Os seus pecados: dar direitos a quem trabalha e querer controlar a riqueza nacional, o petróleo. 

A doutrina do Conselho de Segurança Nacional dos EUA era clara nessa época, tal como sublinharam Noam Chomsky e Natham Robinson, citando fontes primárias: “regimes nacionalistas, mantidos através de apelos às massas”, tinham de ser removidos. Alguns foram-no, outros não. Essa doutrina anda por aí, de golpes de Estado financeiros, como na Grécia, à destruição pura e simples do Estado, como na Líbia. E há gente que se considera progressista que aplaudiu.

A “esquerda otanizada”, sem qualquer fibra anti-imperialista, não imagina o que é viver numa situação geopoliticamente tensa de verdade. Não, não estou a pensar nas fabricações da OTAN.

Haja história, haja memória, haja pátrias.

Adenda. Texto editado, eliminando um trocadilho infeliz. 

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