Por razões familiares, vim para sul ontem à noite. Hoje, decidimos ir passear. Fomos pela nacional dez, passámos por Alverca, ali onde era a Mague, uma grande empresa metalomecânica, parte de um grupo que empregava mais de quatro mil trabalhadores nos anos 1980 (2700 só nas instalações de Alverca, segundo os Restos de Colecção). Foi vendida a uma multinacional holandesa que acabou por encerrá-la nos fatídicos anos 1990.
Os antigos terrenos, onde o trabalho criava valor, são hoje um condomínio com elevada densidade de construção: do salário e do lucro à renda fundiária, do capitalismo industrial ao imobiliário. A financeirização do capitalismo em Portugal passou por aqui na desgraçada viragem do milénio, quando nos trancaram no euro. Sobrou uma placa de cimento comemorativa. Pobre país.
Passeamos à beira Tejo e embrenhamo-nos numas ruínas industriais em busca de arte, alertados pelo vislumbre de um rosto com um keffiyeh, o heróico lenço palestiniano. Descobrimos Lénine para lá chegar. Tivemos uma imensa surpresa estética e ético-política, que em breve será revelada. Há luz no meio das trevas para quem procura desejosamente, posso garantir-vos.
Para lá dessa antiga fábrica, o Museu do Neorrealismo, lugar de referência de VFX, a par da sua biblioteca pública, tem uma maravilhosa retrospetiva do pintor comunista Rogério Ribeiro. David Santos, o curador, fala e bem “no assombro do real que as cores e as formas da arte alcançam quando nos lembram o rosto de um povo”.
Haja rostos, haja povos.
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