segunda-feira, 4 de agosto de 2025

O que vai para a guerra não vai para proteção social, salários e pensões

Neste contexto de que estamos a falar, da possibilidade de superação do défice para financiar a indústria da guerra, também foi decidido, na cimeira da NATO, em Haia, a contribuição de 5% para a organização até 2035. Que impacto é que isto pode ter num país como o nosso?


Parece-me importante levar a sério a afirmação de Mark Rutte, o atual secretário-geral da NATO, quando diz que nós, europeus, estamos confrontados com a necessidade de escolher entre proteção social, saúde pública e pensões, por um lado, e, por outro lado, essa opção.

Embora seja menos eficaz economicamente e moralmente repugnante, é verdade que este gasto adicional em armas pode funcionar como funcionam todos os estímulos em que o Estado coloca dinheiro na economia e a economia cresce.

Nesse sentido, esse crescimento pode, em teoria, ser usado para, na fase seguinte do ciclo económico, financiar esta despesa. Mas isto coloca-nos problemas muito complicados.

Por exemplo, seria assim se as regras da dívida e do défice para tudo o resto não permanecessem em vigor. Só que não é assim. Como permanecem - e apesar de algumas das despesas em armamento não contarem para o défice - isto de facto quer dizer que o que vai para a guerra não vai para proteção social, para salários e para pensões.

A Alemanha tem um modelo económico assente em exportações. A ideia de exportar indefinidamente é uma ideia absolutamente errada por várias razões.

As exportações, do ponto de vista mais essencial, são produção nacional. São o produto social do trabalho de quem o executa que não é consumido por quem produz esse trabalho.

Isto, na Alemanha, o que é que significa? Significa que as indústrias exportadoras acumulam lucros, mas que não se refletem nos salários, o que cria a primeira contradição interna.

Mas cria ainda outras contradições, como vemos agora no caso das tarifas de Trump: o que os Estados Unidos (EUA) estão a fazer, independentemente do carácter mais ou menos errático das decisões do Trump, é executar um plano que decorre da avaliação por parte de uma certa elite económica e política norte-americana, que diz que os déficits norte-americanos são outra face da moeda do superávite alemão. E o que as tarifas visam é precisamente impedir a continuação deste jogo.

E, portanto, agora a guerra serve à Alemanha nesse sentido; permite substituir parte das exportações da indústria automóvel por exportações e consumo interno de material de militar promovendo desta forma o reequilíbrio da sua balança corrente, ou seja, comprimindo os escandalosos superávites – que desrespeitam, aliás, o ordenamento económico da UE que proíbe superávites superiores a 6% do PIB e que a atual administração dos EUA denuncia como sendo comercialmente hostis e mercantilistas, usando-os como justificação para impor tarifas e vender armas.

Contudo, é importante salientar que, ao contrário do que se ouve e lê quase por todo o lado, a acusação à Alemanha de manter um comércio internacional injusto não é uma originalidade de Trump e remonta, pelo menos, à Administração Obama, que acusou reiteradamente aquele país de se esconder atrás de uma moeda para si subvalorizada, o euro, para exportar mais do que importa e, assim, obter vantagem indevida sobre os seus parceiros comerciais.

O excerto acima faz parte de uma entrevista que o jornal “A Voz do Operário” teve a generosidade de decidir fazer-me e que pode ser lida integralmente aqui. Agradeço ao Bruno Amaral de Carvalho e à Rita Morais o trabalho que tiveram.

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