O que fazer quando tudo arde? O que escrever quando tudo arde? É fraco consolo saber que está tudo limpo à volta da casa cercada por castanheiros, árvore resistente, árvore protetora. É só um lugar, ainda que o nosso lugar familiar, mas e o resto? A Presidente da Câmara Municipal de Penedono, do PSD, denunciou: fomos deixados ao abandono.
Socorro-me de outros para escrever, dependemos sempre de outros. “A resposta que pode ser dada à degradação por vezes violenta do estado da natureza depende, em última instância, da natureza do Estado”, esclarece Pierre Blanc em Géopolitique et Climat.
Portugal já não é bem um Estado. Sem instrumentos de política económica decentes, carcomido pela austeridade permanente, dominado por interesses de classe predadores, de resto apoiantes do processo de fascização em curso, o Estado nem uma frota robusta de aviões de combate a incêndios detém.
É claro que podemos ter todos os aviões, mas o território ou é ocupado por gente e pelo seu trabalho, na terra e outro, ou haverá sempre, e cada vez mais, combustível em vez de território nacional.
O Governo acabou de inscrever mais mil milhões de euros no Orçamento este ano para o desperdício armamentista, note-se. Luís Montenegro, um videirinho, anunciou em plena catástrofe o regresso de carros a fazer barulho, vulgo Fórmula 1, essa expressão cultural do capitalismo fóssil que nos conduziu a este estado da natureza.
Entretanto, lembro-me de Susana Moreira Marques, da sua definição de patriotismo que falta às elites do poder, as que abandonam o país:
“Desiludo-me mais quando é o meu país. A negligência, a desorganização, o abandono, os contrastes entre belo e feio, triste e alegre, pobre e menos pobre, que observo quando ando na estrada, ferem-me como não acontece se viajo em países distantes em que as falhas me podem suscitar curiosidade ou até mesmo emoção, mas não me interpelam directamente. Pergunto-me, inevitavelmente, o que posso fazer. Pergunto-me o que diz sobre mim o facto de amar esta paisagem.”
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