Escrito em coautoria com Paulo Coimbra o artigo Guerra e paz em Portugal saiu no Le monde diplomatique de Agosto e começa assim, com referências omitidas:
O país está em guerra? A fazer fé no primeiro-ministro Luís Montenegro, está: «Nós estamos em guerra também às portas e dentro do nosso país. Nós todos os dias somos alvo de ataque nas nossas instituições públicas e nas nossas instituições privadas (…) Nós todos os dias, nomeadamente no ciberespaço, somos colocados sob ameaças reais que, se se concretizarem nos seus objetivos, colocam em grande dificuldade, em grande contrariedade, a nossa capacidade de criar riqueza».
No Capítulo 3, artigo 9.º, alínea b), a Constituição da República Portuguesa é muito clara sobre as competências do presidente da República, bem como do governo e da Assembleia da República, nesta matéria: «Declarar a guerra em caso de agressão efetiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo, ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República». Obviamente, não estamos em guerra, até porque não foram acionados os procedimentos que a Constituição prevê. Nunca saímos, isso sim, da cada vez mais intensa guerra de classes.
Infelizmente, o marxismo mais simples fornece neste sombrio contexto histórico nacional e internacional enquadramento suficiente para compreender criticamente as declarações de Montenegro, bem como as suas implicações momentosas para a democracia e para o Estado social de base nacional. Estes estão internacionalmente ameaçados pela corrida armamentista, com a conivência de uma elite do poder com um intenso complexo de vira-lata.
Pelo meio polemiza assim:
Perante isto, o impulso antifascista pela paz exige o maior esforço político de unidade. Este terá de ser feito pela base, já que as elites políticas sociais-democratas, mesmo da chamada ala esquerda do PS, se deixaram enredar na armadilha belicista, parecendo que estão convencidas de que é possível ter tudo: desperdício militarista e Estado social.
Um exemplo basta, ainda para mais de uma antiga diplomata como Ana Gomes, alguém que pelo seu percurso deveria dar toda a prioridade à resolução pacífica dos conflitos: «Importa que a Esquerda em Portugal (…) interiorize que a guerra é um assunto demasiado grave para ser deixado apenas aos militares, à direita e aos homens».
No artigo em causa, a oposição a Trump é apenas nominal e as notícias da morte da OTAN são manifestamente exageradas, tudo em nome da autonomia militar de uma União Europeia crescentemente pós-democrática e sem rumo estratégico. E isto embora os tratados dessa União proíbam expressamente que o orçamento comum seja utilizado em «despesas decorrentes de operações com implicações militares ou de defesa». Fazendo tábua rasa da História, é como se o neoliberalismo que está no ADN da União Europeia desde a sua fundação em Maastricht, e ainda para mais agora armado, tivesse algo a ver com os valores da esquerda. Espelha as consequências de se imaginar no centro-leste europeu, entre os setores mais militaristas e federalistas da União Europeia. Na prática, e aí a teoria é outra, estes nunca passaram sem a OTAN, como se vê.
É como se Ana Gomes estivesse em cima de uma qualquer fratura geopolítica. Não está. Está num país no extremo ocidental do continente, sem inimigos externos, onde a distância periférica se traduz numa vantagem (já bem bastam todas as outras desvantagens da inserção periférica), pelo menos a partir do momento em que a questão da fronteira com Espanha foi resolvida e que os militares de Abril e as lutas dos povos das colónias acabaram com a guerra colonial. Está um contexto geopolítico bem mais distendido, por muito que se tente negar tal padrão histórico. É preciso pensar o mundo a partir de Portugal. Não temos de ser arrastados pelo imperialismo.
Finalmente, faço notar que o artigo foi escrito antes de se conhecer a “capitulação”, a expressão é do circunspecto Financial Times, da UE aos EUA de Trump também em matéria comercial...
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