segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Trabalhadores descartáveis como modelo de desenvolvimento


"Nas últimas duas décadas, cada reforma laboral foi apresentada como um passo necessário para tornar a economia portuguesa mais dinâmica e atractiva para o investimento. Para sustentar essa ideia, refere-se muitas vezes um indicador da OCDE sobre a protecção do emprego, onde
Portugal surge entre os países com maior grau de protecção.

Mas há coisas que nunca nos dizem sobre esse indicador. Primeiro, ele refere-se apenas à protecção contra o despedimento individual sem justa causa; se olharmos antes para a protecção do emprego em geral (que inclui, por exemplo, os despedimentos colectivos), os valores de Portugal são semelhantes aos de países como a República Checa, a Letónia ou a Holanda, que são frequentemente apontados como economias muito competitivas. Segundo, uma coisa é o que está na lei, outra é o que acontece de facto: a OCDE tem outro indicador que mede a eficácia da aplicação prática dessas regras, onde Portugal cai para um distante 16.º lugar. Por fim, os estudos disponíveis não mostram qualquer correlação robusta entre o grau de protecção no emprego e o desempenho das economias.

É interessante vermos o que pensam sobre isto os investidores estrangeiros que ponderam investir em Portugal. A consultora EY faz essa pergunta todos os anos no seu Attractiveness Survey (Inquérito à Atractividade). Sabem o que os executivos responderam no inquérito mais recente, no que respeita à protecção do emprego? Que, face a outros países concorrentes, “a facilidade de contratação e despedimento no mercado de trabalho português” é uma das vantagens do país, sugerindo que “a regulamentação laboral favorece a agilidade e a adaptabilidade das empresas” (p.36). Não é bem esta história que contam os partidos de direita, pois não?

Em resumo, o mercado de trabalho português é hoje muito mais flexível do que alguns sugerem (seria estranho que não fosse, depois de tantas revisões para o flexibilizar). E não é de todo evidente que as regras actuais prejudiquem a competitividade da economia nacional.

Mas há duas coisas que sabemos. Primeiro, sempre que se reduz a protecção dos trabalhadores, seja qual for o impacto económico, degradam-se as condições de vida de pessoas concretas e, com frequência, transferem-se rendimentos de quem tem menos para quem tem mais, tornando a sociedade ainda mais desigual. Segundo, esta obsessão com a liberalização do mercado de trabalho envia um sinal claro aos investidores sobre o tipo de economia que queremos desenvolver.

Se o objectivo é promover uma economia baseada na inovação, nas qualificações e na elevada produtividade, talvez estes não sejam os melhores incentivos. Um mercado de trabalho que privilegia a flexibilidade total e o despedimento fácil pode ser atractivo para algumas empresas no imediato. Para o conjunto do país, no médio e longo prazo, só favorece a especialização numa economia sem futuro."

O resto do meu texto pode ser lido no Público de hoje, em papel ou online.

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