terça-feira, 24 de junho de 2025
Sem precedentes
Confirma-se e reforça-se, portanto, a tendência de aceleração do aumento dos preços da habitação desde que a AD assumiu funções, em resultado da aposta reforçada na subsidiação da procura (que a própria ministra Balseiro Lopes admitiu poder vir a «fazer subir o preço das casas») e da revogação dos parcos instrumentos de regulação protetora dos interesses da maioria que tinham sido entretanto adotados, invertendo-se assim uma fase em que o ritmo de subida dos preços estava a abrandar.
Quanto mais terão ainda que subir os preços para que se perceba que apenas «construir mais» - a solução milagrosa em que se insiste, parte de um diagnóstico errado (a crise não se resume a uma mera falta de casas), como fica claro quando se olha para o problema à escala europeia? Quantos mais bairros de barracas terão de surgir nas áreas metropolitanas - ou quanto mais é preciso que os preços das casas se distanciem dos rendimentos das famílias - para assumir, finalmente, que sem medidas robustas de regulação do mercado a crise só tenderá a agravar-se ainda mais?
Também não tens sentido o crescimento da economia?
Os números da economia sugerem um cenário positivo e, a nível internacional, Portugal tem sido descrito como um caso de sucesso económico. O indicador que mais impressiona é o dos salários reais - isto é, a evolução dos salários descontando a inflação. O salário médio real registou uma quebra de 4% em 2022, quando a inflação atingiu o pico, mas a tendência inverteu-se depois: subiu 2,3% em 2023 e 3,8% em 2024, o que tem sido visto como sinal de que já se recuperou o poder de compra.
No entanto, o custo de vida e a subida dos preços continuam a ser, a par da saúde, a principal preocupação dos portugueses, de acordo com o último Eurobarómetro do Parlamento Europeu. Parece haver uma discrepância entre os indicadores oficiais e a experiência de boa parte das pessoas. Este texto discute três aspetos que ajudam a explicar porque é que o crescimento da economia não se reflete necessariamente na qualidade de vida de muitas pessoas: o modelo de crescimento que temos, o aumento (subestimado) do custo de vida e o desinvestimento público.
Que economia é que cresce?
O primeiro aspeto a ter com conta é o tipo de crescimento que temos tido nos últimos anos. O crescimento do PIB tem sido alavancado pelo desempenho extraordinário do setor do turismo, que tem batido sucessivos recordes de receitas. O peso do turismo passou de 6,9% do VAB em 2016 para 9,1% em 2023 e atingiu máximos históricos. Além disso, o setor é responsável por uma parte significativa do aumento das exportações do país, ajudando a explicar o excedente externo.
No entanto, mais importante do que olhar para os números do crescimento é perceber de que forma se distribuem os ganhos. Embora o turismo seja responsável por boa parte da criação de emprego na última década, é preciso ter em conta o tipo de emprego de que estamos a falar. O setor do alojamento e restauração tem o 2º salário médio mais baixo do país, de acordo com os dados do INE. Mais de 40% dos trabalhadores do setor recebem o salário mínimo. Apesar das receitas recorde, o turismo representa emprego essencialmente precário e mal pago.
Face à enorme quebra da produção industrial nas últimas duas décadas – a maior entre os países da União Europeia –, o país encontra-se cada vez mais dependente do turismo e de serviços associados. Como consequência deste modelo de crescimento, a percentagem de trabalhadores a receber o salário mínimo tem aumentado e Portugal é o país da UE em que o salário mínimo se encontra mais próximo do salário mediano.
A expansão do turismo tem outros efeitos para o resto do país e a crise da habitação é o exemplo mais evidente. Entre 2014 e 2024, o preço das casas em Portugal subiu mais de 135%, enquanto o salário médio cresceu apenas 36%. A recomposição da oferta de casas para satisfazer a procura turística, nomeadamente através da expansão do alojamento local nas cidades, contribuiu para o aumento dos preços, a par do investimento estrangeiro e dos incentivos fiscais para residentes não-habituais.
Tanto no caso de quem arrenda casa e paga uma renda ao senhorio, como no caso de quem comprou e paga uma prestação ao banco, os custos da habitação são normalmente a maior fatia das despesas do mês. A habitação representa mais de um terço da despesa média das famílias em Portugal, de acordo com os dados do INE. No entanto, o índice que usamos para medir a inflação - o Índice de Preços no Consumidor (IPC) - não inclui a despesa com prestações e atribui um peso reduzido à despesa com a renda, a água, a eletricidade e o gás (em torno dos 10% do orçamento familiar). Isto significa que o IPC, que é usado para medir a evolução dos salários reais e do poder de compra, subestima de forma significativa o aumento do custo de vida.
Desde 2021, a prestação média para aquisição de habitação em Portugal aumentou 80%, passando de menos de €250 para mais de €440. No caso das rendas, o valor mediano cobrado pelos senhorios nos novos contratos subiu 32% neste período (e a subida foi superior nas regiões de Lisboa, Porto e Algarve). Em ambos os casos, o indicador que usamos para medir a inflação subestima o aumento do custo de vida.
As limitações do indicador da inflação não são apenas detalhes técnicos: o IPC é o referencial usado nas negociações salariais entre empresas e sindicatos e na atualização das pensões e de outros apoios sociais. Se o indicador subestima o aumento do custo de vida, leva a aumentos mais baixos do que os que seriam necessários para compensar a subida dos preços.
O barato sai caro
A crise do custo de vida é agravada pelo desinvestimento do Estado. Ao longo da última década, Portugal registou os níveis mais baixos de investimento público da história recente e foi o segundo país da União Europeia em que o Estado menos investiu em percentagem do PIB, em nome da prioridade dada à obtenção de excedentes orçamentais.
O desinvestimento tem um impacto direto no custo de vida. O encerramento de urgências e o aumento das listas de espera no SNS leva muitas pessoas a recorrer aos hospitais privados e a suportar as despesas, à semelhança do que acontece na área dos cuidados, pela ausência de uma rede pública de creches e de prestação pública da assistência aos idosos ou pessoas com deficiência a preços acessíveis. Os comboios e autocarros sobrelotados levam a que, para muitos, não haja alternativa a usar o carro (com os custos do combustível associados). Na habitação, as dificuldades de acesso são agravadas pelo subinvestimento em habitação pública, que continua a representar uma fração ínfima do mercado, ao contrário do que acontece em vários países europeus.
A descida dos impostos aprovada no último ano não só não compensa a subida dos custos destes serviços, como beneficia essencialmente quem ganha mais (e menos precisa). O outro lado da moeda das reduções de impostos é a quebra da receita com que se poderiam financiar os serviços públicos disponíveis para todos.
Não estamos todos no mesmo ferry
Por último, é preciso olhar para os impactos que o crescimento dos últimos anos tem tido para lá da economia. A turistificação também tem impacto no direito ao espaço público. Enquanto o aumento do preço das casas afasta cada vez mais pessoas do centro das cidades, o comércio local vai sendo substituído por cafés gourmet e lojas de cadeias internacionais, destinadas a turistas e nómadas digitais com maior poder de compra. Ao mesmo tempo, a expansão de hóteis, resorts e outros serviços nas zonas mais procuradas pelos turistas também está a dificultar o acesso dos residentes.
O caso de Tróia é emblemático. Nos últimos 20 anos, os preços dos barcos entre Setúbal e Tróia quadruplicaram: o bilhete subiu de €1,15 para €5,50 por passageiro e de €5,70 para €21 por carro, o que fez com que o número de passageiros tenha caído para metade. As praias deixaram de ser acessíveis para muitas pessoas e tornaram-se um luxo reservado a quem pode pagar.
As contradições do modelo de crescimento recente ajudam a explicar a diferença entre os “bons resultados da economia” e a vida da maioria das pessoas que cá vive e trabalha. Como o crescimento não é um fim em si mesmo, era importante que se prestasse mais atenção à distribuição.
Guerra ou paz, mal-estar ou bem-estar?
Na véspera do início da cimeira da NATO, dois antigos banqueiros, um da Rothschild e outro da Goldman Sachs, apoiantes do genocídio perpetrado pelo colonialismo sionista na Palestina, escreveram um artigo conjunto no Financial Times. Prestam vassalagem a Trump, anunciando que vão gastar 5% do PIB (3,5% diretamente e 1,5% indiretamente) no desperdício da corrida armamentista que aumenta a probabilidade da catástrofe.
segunda-feira, 23 de junho de 2025
Mais Lénine, menos Wilson; mais Prashad, menos Tavares
Vijay Prashad é um notável historiador e militante político internacionalista indiano, dirigindo hoje o Instituto Tricontinental, que honra uma conferência com lastro, realizada em Cuba em 1966, marco da história anticolonialista. Este Instituto fornece uma diversidade de análises e estudos em português, úteis para uma cultura anti-imperialista.
domingo, 22 de junho de 2025
Guerra e paz
O colonialismo sionista está inscrito no sistema imperialista dominado pelos EUA, de que a UE faz parte. A agressão conjunta ao Irão é a enésima prova. A principal ameaça à paz mundial é clara. Somos todos palestinianos, somos todos iranianos, somos todos do movimento pela paz.
sábado, 21 de junho de 2025
Relembrar o óbvio: a crise de habitação é internacional
Era suposto ter-se já a noção de que, voltando a citar Sandra Pereira, «o setor da habitação mudou profundamente desde a crise do subprime», decisiva na conversão da habitação em ativo financeiro fazendo surgir novas procuras especulativas, as quais, a par do turismo, constituem a principal fonte da subida vertiginosa dos preços. Não se trata pois, ao contrário do que se tenta fazer crer, de uma mera «falta de casas», alegadamente resultante de um défice de construção na última década. Basta, aliás, observar o que se passou por essa Europa fora neste período, agora que o Eurostat já divulgou, finalmente, os dados censitários dos alojamentos para 2021.
Em termos globais, para os 25 Estados membros com dados disponibilizados, constata-se que o stock de alojamentos na Europa aumentou quatro vezes mais que a população residente (8% e 2%, respetivamente), sendo estes valores - de variação da oferta e da procura residencial - substancialmente inferiores ao aumento dos preços das casas, a rondar os 37%. Uma discrepância que é comum à maioria dos países, não se identificando qualquer relação consistente entre a variação da população e do número de alojamentos com a evolução do ìndice de Preços da Habitação (IPH).
Atendendo a que as novas procuras especulativas, nacionais e internacionais, são «virtualmente ilimitadas», como oportunamente relembrou Helena Roseta em artigo recente, a atual crise habitacional «não é resolúvel sem regulação pública, nacional e europeia». Ou seja, exatamente o caminho que a AD se recusa a fazer, na teimosia serôdia de que «o mercado é que deve fazer os preços das casas», bastando para tal desencadear, em linguagem de propaganda barata, um «choque de oferta».
sexta-feira, 20 de junho de 2025
O anti-da-Silva
Dar a ver as ligações
Antes de chegarmos à devastadora Guernica de Picasso, passamos por salas com intervenções também de recorte antifascista, incluindo os trabalhos das décadas de 1920 e 1930 de John Heartfield (nascido Helmut Herzfeld), um comunista alemão que conhecia as ligações fundamentais na economia política. As ligações fundamentais nunca podem ser perdidas de vista.
quinta-feira, 19 de junho de 2025
Basta de ofuscação
Em relação à primeira página de 16 de junho, basta seguirmos Carina Castro: “Podia comentar a folha de propaganda governamental que é esta primeira página, mas vou só constatar que são 3 notícias da mesma família (de classe) e parece-me que as restantes também”. Em relação à de 18 de junho, basta perguntarmos: “Mortas por quem, Público? Por quem?”.
Apresentação e debate: Que Força É Essa?
quarta-feira, 18 de junho de 2025
Começar uma guerra para evitar a guerra que se começou
Política monetária regressiva
Numa notícia de fim de Maio último, que me tinha escapado, fica-se a saber que o Banco (que não é) de Portugal apresentou as contas de 2024 com um prejuízo de 1.142 milhões de euros.
É um prejuízo que soma às perdas de 1.054 milhões de euros de 2023.Adicionadas, estas perdas do BdP já totalizam 2.196 milhões de euros.
Segundo a peça jornalística, a “explicação para a apresentação de resultados tão negativos, repetida esta quarta-feira por Clara Raposo, vice-governadora do Banco de Portugal, é a mesma que já foi apresentada no ano passado e que tem sido igualmente referida pela generalidade dos bancos centrais da zona euro que caíram a partir de 2023 nesta situação: com a subida das taxas de juro realizada pelo BCE para combater a inflação, o Banco de Portugal passou, a partir de 2023, a ter de pagar aos bancos comerciais juros bastante mais altos pelos depósitos e reservas que têm no banco central, mas em contrapartida os activos do Banco de Portugal (principalmente títulos de dívida pública portuguesa) não viram a sua remuneração aumentar.”
Neste tempo de pós-verdade, é necessário dizê-lo com todas as letras e repeti-lo as vezes que forem necessárias: quando Clara Raposo diz que “o Banco de Portugal passou, a partir de 2023, a ter de pagar aos bancos comerciais juros bastante mais altos pelos depósitos e reservas que têm no banco central” está literalmente a mentir dado que o banco central não tem que coisa nenhuma. Pagar juros por reservas e depósitos é uma escolha política, para a qual há alternativas (aqui e aqui), e não uma obrigação.
Recordemos a fortuna gigantesca de juros pagos pelo BCE, dinheiro de todos nós, que podia e devia ter tido aplicações alternativas económica e socialmente sufragadas, fortuna que está a ser transferida subrepticiamente para interesses privados de forma discricionária e sem justificação económica credível.
Embora este autêntico bodo de recursos públicos atirado para cima da banca privada tenha vindo a diminuir muito gradualmente desde Maio de 2024, momento em que o BCE decidiu começar a descer de novo uma taxa de juro que, de resto, nunca devia ter subido, ninguém sabe ao certo, enquanto as reservas continuarem arbitrariamente remuneradas, quando cessarão os prejuízos públicos que são a sua contra-parte.
“Eu não esperaria que haja dividendos tão rapidamente para o Estado”, afirma, na mesma notícia, Mário Centeno, do alto da arrogância discricionária que lhe é permitida pelo estatuto de alegada independência do sistema de bancos que compõe o BCE.
Se Mário Centeno já antes devia explicações ao país, agora elas são devidas também por Clara Raposo, por este governo e pelo anterior.
Em 2023, só os quatro maiores bancos privados a operar no país somaram 3.153 milhões de euros de lucro, num aumento de 81,9% face a 2022.
Em 2024, os lucros da banca em Portugal sobem 13% para recorde de 6.300 milhões.
Em 2025, só nos três primeiros meses do ano, as cinco principais instituições financeiras em Portugal apresentaram lucros de 1.220 milhões de euros.
Tudo isto se torna ainda mais moralmente insalubre quando as notícias dão nota que o “Governo quer rever o regime de atribuição e fiscalização do rendimento social de inserção (RSI)” com o não enunciado objectivo de dificultar o seu acesso.
Em 2024 beneficiaram de RSI 175.904 pessoas, o que custou uns meros 357,62 milhões de euros, o que significa 169,42 euros por mês por beneficiário. Valores que comparam com as perdas do Banco de Portugal no valor de 2.196 milhões de euros, perdas que, em quase toda a sua extensão, são um bodo, totalmente evitável, aos bancos.
Tanta largueza com os ricos, tanta pobreza e punição imposta aos mais frágeis dos mais frágeis. Depois interrogam-se das razões de crescimento da extrema-direita.
Para finalizar, uma última perplexidade. Neste quadro, como pode um think-tank que se quer progressista, como o Causa Pública, expurgar a integração monetária, fonte primeira desta distopia, dos assuntos que debate e acerca dos quais propõe políticas?
terça-feira, 17 de junho de 2025
Que vida para além das contas certas?
O programa do Governo conhecido este fim de semana traz novidades, por incluir várias medidas que nunca foram apresentadas nem discutidas durante a campanha eleitoral. Desde as mudanças na legislação laboral e na lei da greve aos cortes nos serviços públicos, são várias as áreas em que se anunciam mudanças em relação à governação dos últimos anos. No entanto, há opções que parecem manter-se e há uma que se destaca: a prioridade de continuar a obter excedentes orçamentais.
Embora, no ano passado, o primeiro-ministro tenha afirmado que “o equilíbrio das contas não é o fim da nossa política” e que “há vida para além do excedente orçamental”, a política seguida não tem correspondido ao discurso. Na análise que a Comissão Europeia publicou com a comparação dos planos de médio-prazo apresentados pelos países, há uma dimensão em que Portugal surge na cauda da Europa: é o país que se compromete a financiar o menor nível de investimento público em toda a União Europeia.
O investimento público foi a principal vítima da estratégia das contas certas na última década. Neste período, o país registou os níveis mais baixos de investimento público da história recente, em nome da prioridade dada à obtenção de excedentes orçamentais. O investimento público “líquido”, que representa o saldo entre a formação bruta de capital fixo (ou seja, o valor investido em obras públicas, equipamentos, I&D, software, etc.) e o consumo de capital fixo (que mede o que se vai perdendo com o desgaste dessas obras públicas e equipamentos), tornou-se negativo neste período. Por outras palavras, o que o Estado investe nem chegou para compensar o desgaste das infraestruturas.
A trajetória do investimento público compara bastante mal com o resto dos países europeus. Na última década, Portugal foi o segundo país da União Europeia em que o Estado menos investiu em percentagem do PIB (sendo que o único país que regista uma percentagem de investimento público inferior – a Irlanda – tem o PIB manifestamente inflacionado, o que faz com que não seja o indicador mais útil para avaliar a situação do país).
Os níveis de investimento público nunca recuperaram verdadeiramente desde o programa de ajustamento da Troika. O desinvestimento tornou-se particularmente visível em áreas como a saúde ou os transportes, onde a degradação da qualidade do serviço prestado contribuiu para descredibilizar o serviço público. Neste aspeto, na governação do último ano e nos planos agora apresentados, não se encontram grandes sinais de mudança.
No caso da saúde, a opção tem sido a de contratualizar serviços com o setor privado e apostar em parcerias público-privado, em vez de reforçar o Serviço Nacional de Saúde. É preciso ter em conta que o investimento público não serve apenas para dotar os hospitais e centros de saúde dos meios necessários, mas também para atrair e manter os profissionais, ao contrário do que tem acontecido. Um relatório elaborado por especialistas para o PLANAPP, que avalia a satisfação dos profissionais de saúde, concluiu que as condições do local de trabalho e a atualização de equipamentos e tecnologia são fatores importantes para motivar e reter médicos e enfermeiros. Canalizar o dinheiro público para o setor privado acentua os problemas em vez de os resolver.
Em relação aos transportes, depois de décadas a encerrar linhas ferroviárias, o governo anunciou um corte do investimento previsto da CP para a alta velocidade, com a justificação de que “é saudável para o mercado [o Estado] não investir tanto em comboios”, além de não se conhecerem medidas para combater a sobrelotação em linhas que servem áreas com grande densidade populacional, como a de Sintra. Novamente, o investimento na ferrovia não serve apenas para melhorar a qualidade de vida de quem utiliza o transporte público para se deslocar diariamente. Também permite reduzir as emissões de carbono através da redução do recurso a automóveis privados, o que contribui para o combate às alterações climáticas e reduz as necessidades de importação de combustíveis fósseis.
Nestas e noutras áreas, o desinvestimento costuma ser justificado com a ideia de que as “contas certas” são necessárias para reduzir a dívida pública. No entanto, não existe uma contradição entre a promoção do investimento público e a sustentabilidade das contas do Estado. A maioria dos estudos sobre o efeito multiplicador – isto é, o impacto que a política orçamental tem no funcionamento da economia – conclui que este é superior a 1: por cada aumento de 1 euro na despesa (e, sobretudo, no investimento) do setor público, o PIB cresce mais do que 1 euro. Ou seja, os benefícios que o investimento gera para a economia não só compensam, como tendem a superar os seus custos iniciais.
Enquanto se acena com reduções de impostos que não trazem ganhos verdadeiros para a maioria das pessoas e estão desenhados para beneficiar essencialmente os mais ricos, o investimento público continua a ser relegado para último plano. O verdadeiro problema não está nos impostos que pagamos, mas sim na forma como o dinheiro é utilizado e na qualidade dos serviços que os impostos devem financiar. Adiar os investimentos necessários é uma escolha que nos tem saído bastante cara.
segunda-feira, 16 de junho de 2025
A velha PAF sem o respaldo da troika
Depois de onze meses de um governo que esteve em campanha do primeiro ao último dia, assumindo como prioridade de desfazer qualquer ideia de regresso às políticas adotadas pela direita entre 2011 e 2015, a apresentação do Programa de Governo no passado sábado dissipou as dúvidas que pudessem subsistir sobre o regresso a esse passado, agora já sem o conveniente alibi das «imposições da troika» (além da qual, recorde-se aliás, Passos e Portas queriam ir).
A dissimulação da verdadeira agenda política para o país, nesse primeiro ano da AD, foi facilitada pelo «excedente» orçamental deixado pelo governo anterior, obtido em ampla medida pelo desinvestimento na valorização da Função Pública e, consequentemente, no próprio Estado Social e serviços públicos. A atualização de carreiras e salários, a que a coligação PSD/CDS-PP deitou mão de imediato, ajudou nessa operação eleitoral de ilusão e cosmética.
Com uma maioria ao seu dispor, resultante da soma de deputados do PSD, CDS-PP, IL e Chega, cujos programas eleitorais revelam indisfarçáveis convergências programáticas, a AD já não precisa esconder ao que vem, podendo ir mais longe em matérias que tratou de não inscrever no Programa Eleitoral. Além da descida de impostos e privatização subreptícia do Estado Social, a coberto da ideia de «sistema» (financiando privados com recursos públicos), o governo juntou, por exemplo, a desregulamentação da legislação laboral e a revisão da Lei de Bases da Saúde.
Sinais desta clara aproximação à IL e ao Chega, PSD e CDS/PP chegam mesmo a incluir no Programa de Governo a gratuitidade de manuais escolares aos alunos da rede privada e cooperativa, recuperando a miséria moral da perseguição aos beneficiários do RSI, através do reforço da fiscalização daquela que é a prestação mais escrutinada, a par da introdução de «obrigações de solidariedade», como se o contrato de inserção não fizesse parte da atribuição da medida. Como as coisas são o que são, dispense-se o pajem: as direitas que se entendam.
Lançamento e debate: Abrandar ou morrer
domingo, 15 de junho de 2025
No meio de ruínas
sábado, 14 de junho de 2025
Haja quem veja as coisas de forma clara
Em pleno genocídio na Palestina, o Estado terrorista de Israel decidiu atacar o Irão, contando com o apoio de sempre dos EUA e da irremediavelmente vassala UE. Somos todos iranianos também.
sexta-feira, 13 de junho de 2025
Pela jangada de pedra
Fotografia nº 150, tirada por Sebastião Salgado: peregrinos no Santuário de Lamego em Setembro de 1975. Fotografia nº 136, tirada por Alécio de Andrade: manifestação a favor da independência das colónias no verão de 1974.
quinta-feira, 12 de junho de 2025
Logo contra
Tinha quase oito anos quando Portugal aderiu às Comunidades Europeias. Andava na escola primária dos Olivais, na mesma rua onde acabaria a ensinar. Havia contentamento. Declarei-me logo contra.
É melhor derrotar o militarismo
Calam a expansão para leste da NATO.
quarta-feira, 11 de junho de 2025
Seguir as ligações bárbaras
João Martins foi um dos atacantes nazifascistas do ator Adérito Lopes, ontem na Barraca. Um ataque feito pelos grupos que o Governo convenientemente removeu de um recente relatório sobre segurança interna.
Muita fé na Reforma do Estado
terça-feira, 10 de junho de 2025
Três notícias e cinco notas
1. O ressurgimento de bairros de barracas em concelhos da Área Metropolitana de Lisboa, onde se estima vivam hoje cerca de 3.000 famílias (seriam 1.800 num levantamento feito também pelo Expresso em 2019), constitui a evidência mais grave e impressionante do ponto a que chegou a crise de habitação no nosso país. Já não estamos apenas a falar do desfasamento crescente entre preços da habitação e rendimentos das famílias. Estamos perante a incapacidade objetiva de muitas famílias em aceder a um alojamento com condições minimamente dignas de habitabilidade.
2. Têm por isso razão os serviços da Comissão Europeia ao assinalar que as medidas adotadas nos últimos anos em Portugal são incapazes de responder às causas estruturais da crise. Sendo certo, porém, que às medidas propostas (controlo de rendas e restrições ao Alojamento Local), deveriam somar-se mecanismos robustos de regulação das procuras especulativas, externas e internas. Tal como convinha, já agora, que a União Europeia assumisse a sua pesada responsabilidade pelo incentivo às lógicas liberais de mercado, fingindo não saber que este, deixado à solta, é incapaz de assegurar a provisão de habitação (como ainda parece pensar, com insidiosa teimosia, o ministro Castro Almeida).
3. Continuamos, de facto, sujeitos à tese simplista dominante - que a comunicação social trata de difundir e consolidar - segundo a qual tudo se resume a uma mera falta de casas, como se bastasse construir mais para ultrapassar a crise. Ignorando, desde logo, que o número de alojamentos e de famílias pouco se alterou na última década (mesmo nas áreas metropolitanas), a ponto de justificar a subida vertiginosa dos preços desde 2013. Ignorando, em segundo lugar, que a habitação se converteu num ativo financeiro e que a procura deixou de estar delimitada às fronteiras nacionais, gerando efeitos de arrastamento dos preços. Diagnósticos errados geram políticas ineficazes.
4. Como Ricardo Paes Mamede já aqui assinalou, as reações dos liberais cá do burgo às recomendações dos serviços da Comissão Europeia (e que de resto não foram acolhidas pelo Conselho no documento final), não se fizeram esperar. Uma vez mais, voltando a defender a ausência de limites legais à fixação do valor das rendas, num país onde a regulação do arrendamento praticamente não existe, ao contrário da generalidade dos países europeus. E insistindo, uma vez mais também, no falso e eterno mito do congelamento das rendas.
5. Voltemos às barracas. Por razões muito distintas das do passado, bairros de lata voltam a despontar na Área Metropolitana de Lisboa. Não se trata, como então, de uma efetiva escassez de alojamentos para acolher os milhares que rumaram à capital. Trata-se agora, isso sim, da incapacidade de conseguir casa num mercado dinamizado por novas procuras especulativas com elevado poder aquisitivo, num contexto de défice de regulação. O que torna ainda mais repugnantes e inaceitáveis ações de demolição que não acautelam previamente soluções alternativas para os moradores. Tanta determinação demagógica para umas coisas e tanta falta de coragem política para outras.