quarta-feira, 25 de junho de 2025

Capacidade intelectual e cansaço político

Miguel Costa Matos é um jovem e capaz intelectual social-democrata, o que torna os impasses do seu último artigo particularmente instrutivos. 

Em primeiro lugar, indica que “Gaza e Ucrânia não eram, pelos vistos, guerra suficiente”. Gaza não é uma guerra, é um genocídio de um povo desgraçadamente indefeso perpetrado por uma potência nuclear. 

Em segundo lugar, faz com que tudo pareça responsabilidade de Trump. Por isso, é preciso recordar, entre muitas outras: Biden, em linha com a sua história de décadas de alinhamento intransigente com o colonialismo sionista, apoiou o genocídio e continuou a política trumpista de cerco à China. Confirma-se que o sistema imperialista, comandado pelos EUA, é, bom, sistémico, do complexo-militar industrial, servido por centenas de bases no estrangeiro, ao dólar ainda hegemónico.


Em terceiro lugar, defende que o que podemos designar por “geopolítica do caos”, e isto porque me lembrei de um livro premonitório de Ignacio Ramonet dos anos 1990, é também o resultado “do enfraquecimento do poder do ocidente”. Na realidade, foi antes o resultado do exercício unilateral desse mesmo poder no interlúdio unipolar, depois da catastrófica derrota da União Soviética, com o desaparecimento do campo socialista, freio e contrapeso. 

Em quarto lugar, pergunta: “E a Europa? Esse projeto de paz, esse continente de valores?” O que dizer desta ilusão teimosa sobre a UE, sempre equivocadamente sinónimo de Europa? Teria sido uma ideia interessante, lembrando a ironia de Gandhi. 

Em quinto lugar, tem lugar a complacência: “o mesmo Mark Rutte que era tão frugal há uns meses como primeiro-ministro holandês, hoje ordena os aliados europeus a gastarem 5% do seu PIB em defesa – resta saber com que consequência para o investimento no Estado Social ou na transição climática”. Costa Matos tem a obrigação de conhecer muito bem a consequência da vassalagem por mensagem do telemóvel de Rutte e tudo. 

Não me apetece chegar à meia dúzia de lugares, porque há um dever qualquer de tentar fazer não sei bem que ponte com esta social-democracia politicamente cansada. Podemos estar todos mais ou menos cansados nesta periferia sem soberania, na realidade, mas há quem não se renda. Concordemos então com a última frase do seu artigo: “Oxalá Guterres, fiel faroleiro do mundo, não se canse também”.

2 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia. Quando comecei a ler perguntei-me como é que ele tinha sido eleito deputado pelo psd. Mas depois fui ver os artigos originais dele e fiquei a saber que foi eleito pelo ps. Assim já faz mais sentido a conversa dele, na teoria pelo menos, pois na prática a diferença entre os dois partidos não se nota assim tanto..

João Rodrigues disse...

Bom dia. Uso social-democrata no sentido político-ideológico do termo, embora seja mais do que duvidoso que o PS ainda o seja (social-liberal, "neoliberal progressista"). O PSD só o foi brevemente (agora é "neoliberal reacionário"). Duas alas do consenso neoliberal do ponto de vista partidário. Miguel Costa Matos é da dita ala esquerda, mas em política externa nota-se menos. Aí, o consenso Washington-Bruxelas é de ferro.