quarta-feira, 3 de junho de 2020

Opacidade é má

Entrevista ao Público de António Costa Silva
Claro que a primeira atitude perante alguém que diz ter ideias sobre o futuro do país é esperar para ver.

Agora, ao ler a entrevista da pessoa escolhida para desenhar o plano estratégico do Estado, há coisas que convinha serem transparentes.

Primeiro, sobre as razões da escolha de alguém de fora do Estado para elaborar um plano estratégico do Estado. O próprio autor reconhece que nunca pediu um plano estratégico a alguém de fora. Escolher alguém de fora é um mau sinal: é sinal de que o Estado está desprovido de capacidade de análise e planeamento ou que o poder político não quer apostar nessa necessidade ou que o poder político não tem ideias e apenas sabe gerir o curto prazo. De qualquer forma, nunca aquela ideia que passou:

“Todo o Governo está assoberbado pelo dia-a-dia”. Daí ter ido buscar “alguém de fora que possa pensar estrategicamente” sobre uma etapa que será “uma oportunidade única para Portugal”. (António Costa)
 
E nunca essa ideia, porque essa ideia apenas quer dizer que ninguém no Governo vai pensar no plano, seja ele qual for. Depois de feito, não se vai atirá-lo para o caixote de lixo, porque haverá sempre mais dia-a-dia em que o Governo se terá de envolver.   

Segundo. António Costa Silva não está sozinho a elaborar o plano. Mas também não diz com quem está ou quem está a ouvir, que empresas querem colaborar... Porquê só empresas? Não há nada mais importante em Portugal do que as empresas? E por que não dizê-lo? Parece haver novamente uma subordinação do papel do Estado:  

"Quem é que vai pôr dinheiro nas empresas, quem é que vai decidir, como é que isso vai ser feito? A meu ver temos várias opções: pode ser feito através de um fundo, pode ser feito através de um banco promocional, pode ser feito através de uma maneira - que é uma ruptura conceptual que, provavelmente, a que eu defendo - que ia mudar completamente a economia portuguesa, que é pela primeira vez criarmos um mercado de capitais no país, o que ia reverter a sorte das empresas portuguesas. Sou um grande defensor dos mercados. Mas, como sabemos, os mercados auto-regulados por si só não funcionam em favor do bem público."

Da última importante vez que algo assim aconteceu, em que se fez algo de grande a pensar apenas nas empresas, foi com a elaboração do Código do Trabalho.

O Governo Durão Barroso marimbou-se, em 2002, numa comissão que tinha sido criada pelo anterior Guterres e - antes mesmo dela acabar o seu trabalho - aceitou um projecto acabado, chave na mão, sem nunca ter nomeado alguma comissão, sem nunca ter determinado objectivos. Mais tarde, soube-se que esse trabalho tinha sido coordenado por Pedro Romano Martinez e Menezes Cordeiro, juristas que negam a autonomia do Direito do Trabalho, considerando-o um sub-ramo do Direito Civil, com tudo o que isso tem de mau.

O anteprojecto foi discutido a mata-cavalos, quer por confederações patronais e sindicais, quer no Parlamento e aprovado em poucos meses porque havia pressa em accionar o rolo compressor. E hoje pode dizer-se que foi a alavanca para a desvalorização e empobrecimento dos salários, para a precarização do trabalho, que nos levaram presentemente a ter de ter um plano para salvar o país, porque as opções adoptadas - em nome e defesa das empresas - contribuíram para a expansão dos serviços em Portugal, hoje seriamente afectados.

A opacidade é sempre, pois, um mau negócio para o país.

7 comentários:

Jose disse...

Uma confusão!
Por dinheiro onde ele cresça parece ser a definição de crescimento; daí derivam todas as angústias anticapitalistas!

A reclamação sobre gente de fora do Estado é uma farsa: não estão os gabinetes dos membros do governo pejados de gente de fora? Matilhas de assessores, parentes e gente de partido? è essa matilha Administração Pública? Alguma reclamação que dure mais de dois dias de notícias?

Precaridade é outro fantasma; para que serve o Estado Social senão para que a precaridade não seja mal maior. Não é de toda a evidência que a precaridade é quase uma constante?

Inácio Silva disse...

Parece que está na altura de nos questionarmos se esta crise do covid-19 não foi um esquema para aprofundar o regime neoliberal, para privatizar o que resta privatizar, para trazer mais austeridade para quem trabalha e para engordar as oligarquias.
Não me sai da cabeça o polícia com o joelho no pescoço de George Floyd, à espera que ele morresse, calmíssimo, mesmo sabendo que estava a ser filmado em HD.
O que tem isto a ver com aquilo?
Pois, também o assassinato de George Floyd está a ser usado para aprofundar o regime trumpofónico nos EUA, onde carros da polícia atropelam manifestantes, onde polícias circulam pelas ruas sem identificação, onde a polícia usa armas do exército e onde, de repente, a pandemia e os mais de 105000 mortos deixaram de ser assunto.
Os mortos portugueses de covid-19 também nunca chegaram a justificar o estado de emergência, mas o que está a ser cozinhado pelo funcionário da galp irá justificar muita coisa

JE disse...

"Inácio Silva" vem com o discurso do Observador "trabestido de rebolucionário"

Dirá:
"Parece que está na altura de nos questionarmos se esta crise do covid-19 não foi um esquema para aprofundar o regime neoliberal"

Não, não foi um esquema.Isso é o que diz a turba do passismo descontrolado que assentou praça no dito pasquim

Queriam que a saúde pública claudicasse e com ela o SNS. Dava jeito aos privados, ao toque de finados final ao SNS e ainda se eliminavam mais uns velhos que quem não produz para o Capital não tem grande razão para viver

JE disse...

Para cobrir de verniz e assim ocultar a sua solidariedade com as medidas defendidas pelo Observador, temos o frete de assistirmos ao choradinho hipócrita do "Inácio Silva"

"Não saem da cabeça" ao sr silva. Ontem este mesmo sujeito classificava nas páginas do Público, George Floyd como o "tipo".E nem apelava ao efeito de lágrima fácil nem se lastimava assim pelo sucedido

Percebe-se que "inácio silva" tenha que chafurdar no que pretende, para assim deixar passar a sua mensagem. Terá que recorrer a Trump ( tão fofinhos ambos), ao regime neolibral, ao privatizar o que resta privatizar ( este tipo desbobina cassetes de forma tão idiota, como julga os demais idiotas),aos polícias, aos 105 000 mortos e ao funcionário da Galp.

Engana-se todavia numa coisa. Dirá: "Os mortos portugueses de covid-19 também nunca chegaram a justificar o estado de emergência"

Não foram os mortos portugueses por Covid-19 que justificaram o estado de emergência. Foram os mortos que se evitaram, que o justificaram.

O que fazer quando a Holanda, aquela estrela no firmamento da UE e do neoliberalismo com tiradas de boçais ministros, demonstrou que afinal a sua saúde pública tem os pés de barro de quem apenas pretende tirar lucro da doença?

Mais uma farsa de aldrabão à joão pimentel ferreira. Ou aonio eliphis, um"moderador" reconhecido pelo Público.

José Cruz disse...

O homem da Partex e não da Galp,como referia outro comentador,representa o recurso a consultoria,Não declarada como tal,pelo governo,para a área do Planeamento Estratégico de médio / longo prazo.Porquê está necessidade e está escolha?Quanto à necessidade ela é evidente,se não nos abstrairmos dos cerca de 26,5 mil milhões de euros,que podem chegar perto dos 48 mil milhões, que a CE e o BCE,poderão vir a "despejar" na economia portuguesa.Perdida a possibilidade de controlar e aprovisionar estes vastos recursos,através de uma banca que é controlada por estrangeiros,com excepção dos retalhistas CGD,em permanente escrutínio por instâncias europeias e BCP,a braços com uma carteira em que os activos tóxicos não são mero pormenor,torna-se indispensável ao governo ganhar tempo e suporte estratégico para apresentar dossiers credíveis na mesa de Bruxelas.
A personalidade escolhida,tem por objectivo descomprometer o governo,em termos partidários e tornar asséptica a escolha,quanto a uma tolerância garantida dos meios empresariais e,principalmente,nos sectores da indústria,energia e Minas.Temos,assim,uma assessoria tecnocrática ao governo que tenta iludir o patamar seguinte da financeirização da economia,que se apresenta como perspectiva e que decorre das próprias condições de financiamento externo da economia.

JE disse...

Está confuso, o Jose

Ultimamente tem sido assim com frequência. Mas repare-se que ele não ajuda a sair deste estado

Dirá jose:
"Por dinheiro onde ele cresça parece ser a definição de crescimento; daí derivam todas as angústias anticapitalistas!"

Deixemos para lá esta linguagem assim um pouco repassada. Onde diabo ele tirou a definição de crescimento? Parece que é uma definição? Ou parece que tirou? E tirou a definição ou tirou o dinheiro?

O que se vê a crescer nesta estória? Num parecer de jose, que parece que.

Pois é a este parecer de jose,que jose faz derivar todas as angústias.E ainda por cima dúvidas anticapitalistas

Está feio este estado de jose.

Ou seja, jose faz avançar um parece,segundo um parecer do próprio.E depois a esse seu parecer faz derivar as dúvidas. E ainda por cima, todas as dúvidas.As anticapitalistas

Isso é para uma gargalhada ou para comiseração?

O que temos nós a ver com as angústias do jose que derivam do seu parecer?

JE disse...

Espera-se que se tenha contribuído para dissipar a confusão de jose. E já agora das suas angústias...

Lastima-se todavia que jose continue a patinar...

Dirá Jose:
"A reclamação sobre gente de fora do Estado é uma farsa"

A reclamação é que é uma farsa? Jose está a brincar, a assumir-se como um farsante ou a reivindicar o seu velho amor pela censura?
Não se pode reclamar? É isto que também alimenta a ideologia de Jose?

Como se sabe o bloco central de interesses tem governado genericamente o país ( a que se acrescenta aquela excrescência que viaja em submarinos).Tem pejado o país de consultores,de boys, alguns como consultores financeiros. Alguns pagos a peso de ouro. Alguns de grandes escritórios de advogados.
Algumas das leis são feitas por pessoal privado, daquelas matilhas tão ao gosto de jose

Como focado há dias por JRA: "o Estado tem sido usado, nas últimas décadas, como intermediário para financiar empresas que, por sua vez, financiam os partidos ou membros do governo. Para que tudo se mantenha incólume, as leis são feitas criando "tipificações de crimes inaplicáveis ou de prova impossível" ou abrindo largos alçapões"

João Rodrigues chamava também há dias a atenção para o que se passou com o Gabinete de Estudos Básicos de Economia Industrial (GEBEI) do Ministério da Indústria. O GEBEI de João Cravinho ou Félix Ribeiro foi destruído pelo cavaquismo, não tendo sido obviamente o único caso de esvaziamento deliberado da capacidade estatal

(Nessa altura jose aplaudia com todas as mãos esta política criminosa de Cavaco.)

O termo matilha é de facto um bom termo para designar os vampiros que comem tudo e não deixam nada. Eis os interesses privados instalados na administração pública. Não são só as PPP.Não é só a promiscuidade entre o público e o privado. A coisa vai funda, porque é assim que esta trampa dos mercados uberalles vive, suga e regurgita.

Claro que esta história vem de longe, com algumas interrupções heróicas e notáveis,como sucedeu após o 25 de Abril. As matilhas já lá estavam no tempo da outra senhora e os meios de repressão eram sobejamente usados para manter bem oleado o caminho de exploração de boçais patrões. As matilhas abriam alas a outras matilhas.


(Quando à angústia de jose sobre a serventia do Estado Social...fica para mais tarde,para não o confundir ainda mais)