terça-feira, 2 de junho de 2020

Da sabedoria convencional


No seguimento de João Ramos de Almeida, do trabalhador que se diz colaborador:

Não se diz patrão, diz-se empreendedor.

Não se diz direito do patrão, diz-se flexibilidade laboral.

Não se diz direito do trabalhador, diz-se rigidez laboral .

Não se diz capitalismo, diz-se economia de mercado.

Não se diz regra ambiental, diz-se barreira ao investimento.

Não se diz especulação, diz-se arbitragem.

Não se diz predação financeira das empresas, diz-se criação de valor para o accionista.

Não se diz soberania, diz-se fechamento.

Não se diz perda de soberania devido à UE, diz-se partilha de soberania na Europa.

Não se diz perda de controlo democrático, diz-se abertura.

Não se diz controlo de capitais, diz-se repressão financeira.

Não se diz redistribuição de baixo para cima, diz-se mercado livre.

Não se diz socialização dos prejuízos da banca, diz-se resgate ou resolução.

Não se diz controlo da política monetária pelo capital financeiro, diz-se banco central independente.

Não se diz justiça social, diz-se inveja.

Não se diz regressividade fiscal, diz-se incentivo.

Não se diz progressividade fiscal, diz-se confisco.

Não se diz construção política de instituições económicas, diz-se ordem espontânea.

Há muitas mais coisas que devem ser ditas quando se pretende ofuscar ideologicamente a realidade.

6 comentários:

Jose disse...

Que o excesso muda a natureza das coisas, é uma realidade que se exprime em palavras...

Paulo Marques disse...

E viva a TINA.

Geringonço disse...

Não se diz opinião paga por grandes interesses económicos, diz-se opinião independente.

Não se diz panfleto europeísta, diz-se jornal de referência Público.

Não se diz destruição e crime económico (aquilo que a Troika fez aos do sul, especialmente à Grécia), diz-se solidariedade europeia.

Não se diz propagandista, diz-se Camilo Lourenço; Helena Garrido; Manuel Carvalho; João Vieira Pereira.

Não se diz zona monetária que não funciona, diz-e mais europa.

Não se diz crime de guerra, diz-se libertação dos povos oprimidos.

Não se diz roubo de petróleo e outros recursos naturais, diz-se odioso ditador Maduro.

Não se diz odioso regime Saudita, diz-se grande aliado do Ocidente.

Não se diz organização belicista, diz-se NATO.

Não se diz organização anacrónica, diz-se FMI.

Não se diz organizações sem legitimidade democrática e sem escrutínio da população, diz-se Comissão Europeia e Banco Central Europeu.

Não se diz mais de uma década perdida, empobrecimento, precarização, regressão e transferência da riqueza da base para o topo, diz-se reestruturação da economia.


"Há muitas mais coisas que devem ser ditas quando se pretende ofuscar ideologicamente a realidade."

Anónimo disse...

Não se diz exploração laboral, diz-se moderação salarial.

JE disse...

Muito bom

E muito bem vindas as contribuições para a demonstração das coisas que são alteradas, quando se pretende ofuscar ideologicamente a realidade.

Ah e não é o excesso que muda a natureza das coisas. É a novilíngua que esconde a verdadeira natureza das coisas.

Por isso Jose, ao sentir o seu vocabulário ser desnudado, vem desta forma fofinha esconder-se atrás de palavreado.

Anónimo disse...

Muito bom, quase um poema.