sexta-feira, 5 de junho de 2020

Dos impactos da pandemia no emprego

Dir-se-ia, de acordo com dados recentes do INE, que a crise pandémica teve, até agora, um impacto reduzido no emprego. De facto, o número de desempregados apenas sobe em cerca de 2 mil entre março e abril, apesar de o emprego ter registado uma quebra na ordem dos 58 mil, no mesmo período. Ou seja, a taxa de desemprego apenas teria aumentado 0,1%, invertendo a tendência de declínio nos três primeiros meses do ano.

Sucede, porém, que se regista em abril o valor mais baixo de população ativa (entre 15 e 74 anos) das últimas duas décadas, sendo necessário recuar a outubro de 1999 para encontrar um valor inferior. Ao mesmo tempo que se regista, também em abril, um aumento abrupto do número de inativos (cerca de mais 54 mil, face a março), que obriga a recuar a maio de 2016 para encontrar um valor semelhante.


Ora, não tendo havido alterações de relevo na população residente com idades entre os 15 e os 74 (variação praticamente nula entre março e abril), é legítimo supor que o aumento da população inativa se deve, fundamentalmente, à passagem de muitos empregados (que integram a população ativa, tal como os desempregados) para a condição de inativos. O que é, de resto, compatível com a natureza híbrida da situação de lay-off, em que as pessoas não estão propriamente empregadas (pois não se encontram a trabalhar), nem desempregadas (uma vez que mantêm o vínculo à empresa), restando classificar-se como estando em inatividade (nem procuram emprego nem estão disponíveis para aceitar trabalho).


Quer isto dizer que estamos numa fase em que os dados e categorias oficiais não refletem a real situação do desemprego (pelo menos no sentido de ausência de trabalho efetivo), pelo que uma aproximação à realidade, ainda que limitada, consiste em juntar ao desemprego estimado pelo INE o aumento de inativos, permitindo falar numa taxa de desemprego de 7,4% e não de 6,3% (ver gráfico). Ou seja, de um aumento de cerca de 56 mil desempregados entre março e abril (e não 2 mil). A partir daqui, tudo depende da capacidade de recuperação da economia e da retoma do emprego, sendo evidentemente de recusar - como a experiência da austeridade de 2011/15 demonstrou - políticas que assentem, entre outros aspetos, na perda de rendimentos, precariedade e quebra da confiança.

2 comentários:

Anónimo disse...

Uma análise significativa deverá decompor estes elementos. Função pública e Estado em geral, por uma lado. Por outro pleno emprego, emprego sazonal, recibos verdes (auto-emprego sem se ser titular de empresa) e auto-emprego dos pequenos empresários.

Anónimo disse...

Adivinha-se da parte do "anónimo" das 15 e 48 uma certa tendência neoliberal/passisto/troikista por citar, assim desta forma tão apressada, a função pública e o Estado

Será o mesmo que pedia há tempos despedimentos no SNS para promover os negócios privados na saúde? E até dava como exemplo a Holanda?

É o mesmo que não consegue esconder o seu rancor perante o SNS, por este não ter entrado em descalabro?