sexta-feira, 19 de junho de 2020

Conselho Europeu: receios, incertezas e um quê de Torre Bela


Três notas muito breves sobre as declarações do PM acerca da reunião do Conselho Europeu.

1. Não se entende como é que o Primeiro-Ministro de um país do Sul da Europa aceita classificar os países que se opõem a uma resposta concertada à crise como “os países frugais”. Esses países até podem gostar de ser assim classificados, porque a frugalidade tem sempre um sentido implícito de virtude e precaução. Essa pode até ser a terminologia que entrou no espaço mediático. Mas assentir nesta visão é perder logo à partida, alimentando a eterna e falsa dicotomia entre frugais e despesistas.

2. Apesar do tom entusiástico do primeiro-ministro, há a confirmação do que já se sabia ser provável: a condicionalidade existe e será monitorizada pelo Semestre Europeu. Costa adiantou até que os critérios se pautariam pelos habituais fins de “convergência e da competitividade”. Quem já tenha lido os relatórios de acompanhamento do semestre europeu e esteja habituado a “Bruxelês”não pode ficar descansado ao ouvir estas declarações. Nada nos garante que essa condicionalidade não venha mais uma vez acompanhada de pressão para implementar reformas de sentido liberalizador. Trata-se, sobretudo, de uma grande incógnita. Não é certo que os montantes envolvidos sejam suficientes para uma saída indolor da crise. Não é certo que a linha política não mude a meio do caminho, como aconteceu em 2010, exigindo um esforço orçamental irracional aos Estados. Não é certo que qualquer dinheiro que passe a fronteira não venha associado a um pacote político a la consenso de Bruxelas, onde não há espaço a estratégias alternativas de desenvolvimento além das que nos transformam na "Flórida da Europa."

3. Sobre o domínio não pouco relevante de como se financia este programa, sucedeu tudo na linha do que o José Gusmão já tinha previsto num post anterior (aqui). Sem o recurso à emissão monetária, o financiamento tem advir do aumento das contribuições dos Estados ou de recursos próprios. Como António Costa mencionou, embora de forma habilidosa, nenhum dos dois está garantido. Apesar dos grandes anúncios, ainda estamos no domínio do "futuro dará". Como naquele famoso segmento do filme Torre Bela, onde o elemento do MFA diz: "vocês primeiro ocupam, a lei há-de vir", também a proposta da Comissão Europeia se mostra muito célere em dar contornos a uma proposta sem que exista no Conselho Europeu acordo sobre como ela vai ser financiada. Mas na segunda, ao contrário da primeira, pouco de auspicioso há a esperar da experiência histórica.

5 comentários:

Anónimo disse...

As elites nunca deixaram de aproveitar as oportunidades que uma crise proporciona.
Porque razão agora seria diferente?
A austeridade vai pasokizar o ps?
Com certeza que sim e assim o esperam as "vacas sagradas" da UE e seus lacaios.
Ninguém quer governo eleitos em lado nenhum.
As elites esperam ter em breve o único poder de "eleger" quem ocupa o poder de decisão.

Jaime Santos disse...

Não é mais ou menos a mesma coisa que advogam os leninistas de todas as cores? Primeiro faz-se e depois logo se verá quais as consequências...

E olhe que para contornos pouco auspiciosos baseados na experiência histórica não é a UE que bate o recorde...

Jose disse...

Não às reformas de sentido liberalizador.

Sim a montantes suficientes para uma saída indolor da crise.

Não à Flórida da Europa.

Sim à emissão monetária.

SIM ao principio actualizado da Torre Bela : "vocês primeiro gastam, o dinheiro há-de vir"

Anónimo disse...

A propósito, uma declaração de sexta-feira:

http://www.pcp.pt/sobre-conselho-europeu-de-19-de-junho

Anónimo disse...

Nem de sentido liberalizador Nem de sentido salazarista

(Nem de iliteracia rasca. Não é “vocês primeiro gastam”. Não há alguma alminha caridosa que lhe decifre o texto?)

Isso são hábitos dos patrões, encavalitados nas ajudas do Estado