sexta-feira, 15 de julho de 2016

Teatro de um mundo complexo

“Città del Vaticano” é uma peça que integra o programa do Festival de Teatro de Almada de 2016. Como o título indicia, trata-se de uma crítica feroz (e algo parcial) à estrutura hierárquica e às práticas da Igreja Católica, feita por jovens que a viveram por dentro. Na verdade, a peça é muito mais do que isso: ela oferece uma análise profunda da Europa dos dias de hoje. E é por isso que trago aqui o assunto à baila.

É mais fácil compreender “Città del Vaticano” começando pelo fim. Na última cena um dos actores/personagens, Gabriel (nesse momento estava a fazer dele próprio), reproduz a carta que escreveu ao seu filho que está para nascer. Explica-lhe que ele e o seu namorado decidiram ser pais, contando com ajuda de Tatjana (outro membro do elenco e sua ex-namorada) para levar o projecto avante. A criança que está para nascer é profundamente desejada e terá à sua espera uma família que a ama. Uma família com dois pais e uma mãe, diferente de outras mas não menos família por isso. O mundo é um lugar complexo e o objectivo da carta é preparar a criança para essa complexidade.

Neste mundo, explica Gabriel, há dez mil tipos de família. E há também dez mil formas de acreditar em Deus. Quando crescer, o filho terá de escolher o tipo de família que quer constituir (se quiser constituir família) e o Deus em que quer acreditar (se quiser acreditar em algum). Terá também de escolher em que país quer viver e até que nacionalidade quer ter – como aconteceu com o próprio Gabriel, que é francês e filho de portugueses, vivendo e trabalhando na Bélgica e em Itália, passando grande parte do seu tempo em viagem pela Europa. Ou como a mãe Tatjana, com origens portuguesas, suíças e alemãs, também ela a viver em Bruxelas.

Talvez quando a criança crescer as coisas já não sejam assim na Europa. Pode ser que trabalhar e viver em diferentes países já não seja tão fácil. Pode ser que cidades como Veneza, Estocolmo, Amesterdão e Lisboa tenham sido alagadas devido às alterações climáticas. Pode ser que a Europa já não seja aquele continente onde se pode passear tranquilamente pelas ruas, vendo arte e cultura espalhados por toda a parte. Ou onde se pode estar simplesmente sentado numa esplanada no centro de uma cidade, a beber um copo de vinho e a ler um jornal.

Mas Gabriel lembra ao seu filho que esta não é a Europa de toda a gente que por aqui habita. Muitos daqueles que cresceram na Europa nunca viveram ou trabalharam noutros países – ou só o fizeram por desespero. Muitos nunca puderam visitar Veneza ou Amesterdão, poucos têm possibilidade de se sentar numa esplanada do centro de Paris a beber champanhe. Para aqueles que vivem nos bairros sociais dos arredores de Paris (e de muitas outras cidades), o medo e a insegurança não são novidade. Para estes, a novidade consiste em perceber que aqueles que sempre os trataram como cidadãos de segunda categoria hoje vivem o medo e a insegurança na pele – e não conseguem deixar de sentir algum prazer por isso.

O filho de Tatjana, de Gabriel e do seu namorado nascerá numa Europa apanhada entre a recessão económica, o desemprego e a precariedade, as desigualdades e as exclusões sociais profundas, a crise dos refugiados, os ataques terroristas, o medo e a insegurança generalizados – e os movimentos nacionalistas e xenófobos que se alimentam deste caldo, fomentando o ódio aos estrangeiros, às minorias étnicas, aos judeus e aos muçulmanos, aos homossexuais e a todas as pessoas que defendem ideias diferentes.

É um mundo complexo, este – para o qual temos de estar preparados, pelo qual vale a pena lutar e que, se tudo correr bem, a criança que está para nascer vai gostar de conhecer.

20 comentários:

Jaime Santos disse...

É compreensível que aqueles que convivem com o caos no seu dia à dia desde há muito (assim como aqueles que passaram a fazê-lo depois da grande recessão de 2008) sintam uma amarga alegria porque os que têm beneficiado da política de fronteiras abertas e livre comércio sofram a partir de agora as mesmas privações. Mas desde quando o ressentimento deu origem a um projeto político que restabeleceu a esperança coletiva? A luta de todos contra todos só pode a prazo conduzir ao autoritarismo, de Direita ou de Esquerda, e isso na melhor das hipóteses. E não devemos esquecer que enquanto a guerra civil molecular se abate sobre a Europa, há um problema, o das alterações climáticas, do qual pode depender o futuro da espécie, que vai ficando por resolver. Devemos mesmo cruzar os braços e aceitar a morte do reformismo político que mal ou bem preservou a paz durante mais de 70 anos?

Anónimo disse...

É muito difícil, se não mesmo impossível tirar como principal conclusão deste belo texto de Ricardo Paes Mamede que "aqueles que convivem com o caos no seu dia à dia desde há muito sintam uma amarga alegria porque os que têm beneficiado da política de fronteiras abertas e livre comércio sofram a partir de agora as mesmas privações".

Primeiro porque sob o ponto de vista objectivo o que RPM escreve, referindo-se não é um anódino "os que têm beneficiado da política" é algo muito mais forte e fonte de vergonha para esta sociedade. E o que RPM textualmente diz é:
" Para aqueles que vivem nos bairros sociais dos arredores de Paris (e de muitas outras cidades), o medo e a insegurança não são novidade. Para estes, a novidade consiste em perceber que aqueles que SEMPRE OS TRATARAM COMO CIDADÃOS DE SEGUNDA CATEGORIA hoje vivem o medo e a insegurança na pele – e não conseguem deixar de sentir algum prazer por isso".
Percebe-se a diferença?

Mas é adulterar este texto do autor deste blog reduzir a questão a este tópico. E já é desonesto relacionar o "ressentimento com um projecto político".

A questão vai muito mais longe do que os ressentimentos aqui expressos. Sei que Jaime Santos não gosta, mas há classes sociais. E estas classes estão em luta. Se quisermos usar uma terminologia moderna, sabemos que os 1% têm tanto como os 99% restantes. E os interesses destes dois grupos são irreconciliáveis. É ver como a riqueza se tem concentrado a cada dia que passa num menor número de mãos. E ver a evolução que tem sofrido a sociedade. Barroso teve vergonha pelo cargo que aceitou? E Junker? Há algum mecanismo que nos diz que isto vai mudar só pelas intenções piedosas de meia dúzia de almas desfasadas da realidade?
Pelo contrário. A besta tomou o freio nos dentes. E conduz-nos inevitavelmente ao abismo

Anónimo disse...

Temos um erro fundamental ou de palmatória, da forma como se aprecia a realidade política e social. A luta não é de todos contra todos.Pelo contrário. A luta é de classes. Eu sei que Jaime Santos não gosta que lhe lembrem tal. Mas mesmo que não siga tais apreciações é da mais elementar justiça considerar que os interesses da imensa mole humana que sobrevive dificilmente com ordenados de miséria ( ou no desemprego, ou com pensões indignas) não têm mesmo nada a ver com quem acumula a riqueza da forma como o faz.

Ora o problema que sobra é mesmo esse. Se em vez desta "luta de todos contra todos" que nos querem impingir os cidadãos se unissem de acordo com os seus interesses na divisão social do trabalho e tomassem nas mãos a tarefa da transformação social que se impõe...

Anónimo disse...

A morte do "reformismo político é uma aberração.
Primeiro porque não morreu. Depois porque não preservou a paz durante 70 anos.

Veja-se o "reformista político" Blair. É difícil encontrar neste século um tipo com as mãos tão sujas de sangue como ele.

Jose disse...

«O filho de Tatjana, de Gabriel e do seu namorado...»

O caldo cultural nunca fica completo sem a sua dose de paneleiragem ou libertinagem. A luta continua!

Anónimo disse...

Da curta caminhada da vida individual mas longa da história da humanidade já devíamos saber extrair o melhor que ela nos da´…não tem acontecido assim, infelizmente! Vejam os acontecimentos de Nice e de Ancara… os mais recentes.
Como se poderá projectar amor, família, paz, se se concentram milhares de soldados junto a´ fronteira da Rússia. Se, se abrem enormes clareiras na Amazónia.
Quando pensamos que a próxima guerra será a ultima…ou que os Polos se afundam…
Esta longa caminhada nunca esteve tao próximo do fim…estou como diz a canção -- Quem não labora não faz amor—trabalhemos /lutemos então pela vida…de Adelino Silva

Jose disse...

Falemos da 'profundidade':
A complexidade define-se pela falta de regras, não pela diversidade.
O que o Gabriel propõe ao hipotético filho é que se prepara para viver sem regras num normal que não define normalidade e esse é o ideal subjacente aos herdeiros da treta da luta de classes, que não sabendo o que fazer com ela para além do saque, partiram para a terraplanagem de tudo que pareça sistema de valores à espera que daí venha a emergir uma outra coisa qualquer, ou talvez não, até poderá ser tão só a 'complexidade' em estado puro. Puro de quê? De pois se verá...ou talvez não. Entretanto façamos disto um teatro qualquer.
Pim-Pam-Pum!

Anónimo disse...

Pim-Pam-Pum.

Ou de como a idiotice aparece travestida disso mesmo. Da mais pura idiotice.

Vejamos:

-A definição de complexidade.
Isto é mesmo a sério? Como "falta de regras"? Como um "normal que não define normalidade"? Como uma "terraplanagem de tudo o que pareça sistema de valores ...tão só a complexidade em estado puro"?

Em estado puro (se isso existisse) seria mesmo esta idiotice

Anónimo disse...

Essa do "normal" e da "normalidade" do das 17 e 21 corresponde, num tom menos arruaceiro, ao que o mesmo sujeito dizia num outro blog mas já com o seu estilo de faca na liga, usado em ambientes afectivos e da casa:

"Nunca a bicharia me incomodou demasiado, salvo o prejuízo de algumas lésbicas perdidas para o meu género.
Mas confesso que me vêm progressivamente irritando desde que se resolveram declarar ‘normais’
Mas como toda a merda que infringe normas é tida por progresso, há que aturar toda esta treta de fazer igual o que é diferente”

O conceito de normal e de normalidade para esta coisa (que ainda por cima não consegue disfarçar o ódio ao teatro).

Fiquem descansados porque o mesmo sujeito tem a solução para quem sai do normal e do seu sistema de valores.
"jose" dixit:
"Às bestas serve-se a força bruta se forem insensíveis a outros meios"

Jose disse...

Cuco, a ti devo recordares-me algumas das pérolas que asseguram uma indesmentível coerência.´
Sempres fazes o teu copy/paste propício à interpretação mistificadora, mas quem não te seguir entenderá.

E o ódio ao teatro! Onde foste buscar essa? Não terás querido dizer 'à treta'?

Anónimo disse...

O problema com os cucos do das 10 e 26 resulta provavelmente dalgum trauma familiar que deve ser mantido no recato da vida íntima do ninho do das 10 e 26.

O que é relevante é o conteúdo objectivo do texto do referido sujeito. Não se espere que haja incoerência deste, no que às questões abordadas por esta peça de teatro dizem respeito. As coisas estão-lhe intimamente gravadas, o seu posicionamento de fundamentalista religioso anda paredes meias com a sua visão peculiar do mundo e o seu ódio desbragado ao que lhe é diferente é função directa da força bruta com que ameaça os que não lhe cabem no seu sistema de valores.
Isto está claro.
É o que é, é, e o que é, é esta pobreza confrangedora dum odre pleno de ressabiamentos e de recalcamentos.

O que se não se pode deixar passar é contudo a ignorância do conhecimento mais elementar do que é "normal" e do que é "normalidade". A terraplanagem assim do saber faz pena e mete dó.

Porque aqui percebe-se a mediocridade do ensino, que os filhos família dos medíocres e abençoados capitalistas do tempo da outra senhora, experimentaram.

A contra-prova aí está nessa definição de complexidade em cima transcrita. Pode-se invocar com toda a legitimidade a coerência de quem diz tal alarvidade. O pior ( ou o melhor, neste caso) é que o problema não reside aí. Reside no facto da idiotice aparecer travestida disso mesmo. Da mais pura idiotice.

(E quanto a isso é inútil bater no peito e lastimar-se qual verdadeiro coitadinho da sua agenda de coitadinhos sobre a coerência e outras tretas coerentes ou incoerentes).

Jose disse...

Estou bem disposto e aliviado de não sei que recalcamentos, e vou-te dar troco.
Fundamentalismo religioso - vai aos teus arquivos e mostra-me onde foste buscar tal coisa que só pode ser recalcamento de que não me tenha ainda apercebido!
Complexidade - usa a tua consabida genialidade para me explicar porque as regras (valores adoptados como referência do comportamento) não é instrumento para lidar com a complexidade. Fala-me da ausência de regras do teu modelo social.
Se conseguires passar por não-idiota ficarei agradavelmente surpreendido.

Anónimo disse...

Mais uma vez o sujeito das 11 e 39 está equivocado.

A sua boa ou má disposição não têm qualquer interesse. Nem o seu complexo de ter sido apanhado com as calças na mão após se ter (ou não) aliviado.

O tratamento coloquial usado pelo dito sujeito é enjoativo. E não é admissível. Por uma questão de higiene é certo. Mas também porque não se admite a provável repetição do padrão intra-familiar aqui, neste tipo de comentários.
Se os paizinhos do dito cujo o usava para tratar com os seus ou com os seus empregados, ou se tal tipo de linguagem era usado para com o papá ou mamã do sujeito em causa, isso é uma ocisa que me ultrapassa.

E não é a senilidade ou o alcoolismo ou a pesporrência que podem servir de atenuante a tal tipo (enjoativo) de abordagem.

Anónimo disse...

Pede agora o sujeito provas do seu carácter de fundamentalista religioso?

Um fundamentalista dos mercados a pedir provas de que o seu fundamentalismo mercantil não é religioso? Mas ocmo se tem mantras anexados e axiomas inscritos?

Mas há mais. Fica para a revisão do inventário das pérolas fundamentalistas do sujeito em curso

Anónimo disse...

Quanto à questão da complexidade.

Veja-se como o afirmado inicialmente:
"A complexidade define-se pela falta de regras, não pela diversidade".

Se converte agora num anódino: "Complexidade porque (motivo) as regras não é instrumento para lidar com a complexidade".

Acho que não é preciso tecer mais considerações sobre a questão em causa. Tudo dito.

Confirma-se assim a mediocridade do ensino ( ou da aprendizagem) a que não escapa alguma cobardia por nem sequer se ter a verticalidade de assumir o que se afirma

Jose disse...

A complexidade define-se pela falta de regras, não pela diversidade.

Complexidade - usa a tua consabida genialidade para me explicar porque as regras (valores adoptados como referência do comportamento) não é instrumento para lidar com a complexidade.

"Complexidade porque (motivo) as regras não é instrumento para lidar com a complexidade".
Puf... não conseguiu, não estou surpreendido.

Anónimo disse...

Não.

A complexidade não se define pela falta de regras. E uma pequena parte não define nenhum todo.
Isto é da mais elemntar lógica. E do mais primário conhecimento

Sobra a tentativa de fuga para tentar corrigir os disparates à custa das "explicações" solicitadas sabe-se lá porquê. Talvez um jeito pata o teatro em busca de audiência? Um Pim-Pam-Pum um pouco frustrado

O resto é apenas a pequena incapacidade perceber o que se diz e a pequena cobardia para o admitir

Jose disse...

Primário serve.

Anónimo disse...

Parece que até este tipo das 00 e 39 percebeu.

Bem ou mal disposto, aliviado ou por aliviar, parece que percebeu que a idiotice do que escreveu aparece travestida disso mesmo. Da mais pura idiotice.

Mais grave, mas quantas vezes, é o comentário do mesmo pelo 16 de julho de 2016 às 11:18.

Abjecto.
A fazer sobressair o que de pior têm estas coisas

Anónimo disse...

Quando leio comentários como o de 16 de julho de 2016 às 11:18 lembro-me sempre dalguns episódios caricatos que caíram com toda a força sobre algumas famílias muito "brancas" , muito selectas, muito segregadoras, muito racistas.

Aquando do mapeamento genético humano verificou-se que nalgumas populações que se afirmavam como de "raça branca pura" ( há cada idiota) se descobriram marcadores indesmentíveis associados à raça negra

Por exemplo veja-se esta delícia
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/11/neonazista-negro-programa-tv.html

Pois é. Não há "marcadores" para a "paneleiragem" termo referido de forma nojenta por um extremista qualquer. E ainda bem que não há.

Mas se tal fosse possível...quantas cenas como a retratada no vídeo indicado teríamos nós oportunidade de ver? E de rir à tripa-forra com o facto? Directo e umbilicalmente servido em serviço expresso,fazendo cair a máscara hipócrita de tão renegadoras personagens