domingo, 3 de julho de 2016

Born in the USA

Tenho lido várias declarações sobre a necessidade de reverter o Brexit, mas não tenho ligado muito: estão ao nível do é “ilegal” de certos juristas britânicos, com carreiras investidas no direito europeu, ou ao nível da fraca expressão de massas possível de tal posição, ontem em Londres e hoje, obviamente, na capa do Público. Agora, quando é o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, a falar, a coisa talvez pie um pouco mais fino.

Desde o Plano Marshall, agora transformado em analogia histórica equivocada, a economia política da integração europeia dependeu sempre muito dos EUA. E ainda nesta última crise, por exemplo, a Reserva Federal forneceu, por interesse próprio esclarecido, a liquidez em dólares de que os bancos europeus, com investimentos especulativos do outro lado, precisaram.

A ideia de uma conspiração dos EUA para destruir a UE ou a sua moeda, o euro, nunca fez grande sentido. E a ideia de uma integração europeia “anti-imperial” nunca fez caminho consequente. Uma sigla recente basta: TTIP. Mas há muitas mais siglas no passado. A UE é um império de segunda ordem, por assim dizer, estruturalmente na sombra do de primeira, no quadro de uma divisão de tarefas transatlântica mais ou menos funcional para os interesses dos grandes negócios dos dois lados. Às vezes, os responsáveis políticos dos EUA até ficam abismados com os comportamentos, ditos neomercantilistas, grosseiros dos alemães e têm-no dito e tudo. A hegemonia é toda uma arte nacional do comando, mais ou menos violento, global.

Sim, o declínio dos EUA é manifestamente exagerado, e não, os EUA também não são uma espécie de Capitão América. E se o tentam ser e até conseguem parecer, então um dos vilões também é um certo soberanismo anti-imperial, da direita (na esteira de De Gaulle numa fase) à esquerda (na esteira de Tony Benn, um trabalhismo britânico disposto a romper com a CEE, em 1975, e com o FMI, em 1976). E isto para não falar dos nacionalismos anti-imperiais mais a Sul, os da Nova Ordem Económica Internacional e dos seus direitos às nacionalizações. Ui, que horror, dirão os euro-liberais ditos de esquerda e de direita, os que olham para o modelo federal dos EUA e para o seu escudo nacionalista com inveja...

4 comentários:

Jose disse...

Um fim do Brexit tem um só caminho: pode a Inglaterra brexit sozinha?

Jaime Santos disse...

Conviria, se ainda respeitamos a democracia representativa, que a decisão de romper com a UE e invocar o artigo 50º fosse tomada pelo Parlamento Britãnico, até porque implicará a revogação das leis de 1972 (e não pelo próximo PM). Obviamente, os deputados devem seguir a vontade do povo expressa em referendo. Mas eu modestaente acho (mas isso é lá com eles) que seria conveniente convocar eleições antecipadas em que cada partido explicitasse a visão que pretende para o RU e qual a futura relação com a UE, e se o RU deve permanecer um membro do Mercado Comum, o que implicará a continuação da Livre Circulação de Pessoas entre a UE e o RU. É que os apoiantes do Brexit não apresentaram qualquer visão coerente do que querem, apenas do que não querem (e convenhamos que até visões expressas pelas mesmas pessoas são algo contraditórias, 'you can't have your cake and eat it' dizia e bem o 'defunto' Boris Johnson). E nisso, eles não se distinguem aliás dos nossos soberanistas, como apontava e bem o Rui Tavares nesta crónica (https://www.publico.pt/opiniao/noticia/cuidado-com-presentes-de-pseudoeuroceticos-1736212). É preciso saber para onde se vai e de preferência e a bem da Democracia, mostrar o jogo em vez de vir falar de políticas de crescimento e inovação que se implementam como que por passes de mágica (a fazer lembrar o memorando sobre a reforma do Estado do pobre do Portas). Esperar que o Poder caia ao colo fruto da fúria e da desorientação do eleitorado é entrar no reino do puro cinismo e da pura má fé. Mas, se assim for, isso talvez não seja defeito e sim feitio...

Anónimo disse...

"Sim, o declínio dos EUA é manifestamente exagerado"

Podemos pelo menos dizer que aquilo que se tem passado na política norte-americana recentemente não é sinal que o povo americano esteja muito contente com o status quo.
Quando a retórica de um dos possíveis candidatos a presidente é “fazer a América grande outra vez” significa que nos EUA há muita gente que acha que a América entrou em declínio…
E outro, que deu alguma luta à candidata do establishment, intitulou-se de SOCIALISTA... nos EUA!!! Mais uma vez o povo americano percebe que as coisas estão mal ao ponto de apoiar significativamente algo que até há não muito tempo parecia uma loucura.

O império anglo-americano continua forte mas a situação social americana entrou em declínio há anos, os americanos começam a sentir isso, os mais jovens sabem que nunca vão ter acesso ao “sonho americano” e um império que não convence os mais jovens é um império condenado.

Aleixo disse...

ISTO CONTADO, NEM SE ACREDITA!

ENTÃO AGORA,
A democracia representativa - uma entidade muito credível -

TERIA DE VALIDAR UMA DECISÃO DO SOBERANO??!!

O "OUTRO", DIZ QUE FOI SEMPRE A FAVOR DE REFERENDOS, PARA MAIS PASSOS P'RÁ EUROPA...

(nunca se fez nenhum!)

MAS, É CONTRA OS REFERENDOS, PARA PASSOS ATRÁS!

"Ele" - e não está só!- lá quer saber da VONTADE DO POVO.