segunda-feira, 8 de março de 2010

O feminismo como construção



«Não é novidade que as crises não se dão bem com a igualdade e que, no contexto neoliberal em que vivemos, as assimetrias continuam a declinar-se no feminino.

Como revela um estudo do economista Eugénio Rosa, ainda que entre 2001 e 2008 tenha aumentado a "participação da mulher na criação de riqueza em Portugal, medida através do emprego", e que essa participação seja "tanto maior quanto mais elevado é o nível de escolaridade considerado", o facto é que quanto mais são elevados os níveis de escolaridade, mais mulheres há desempregadas e a auferir menores rendimentos, quando comparados com homens do mesmo escalão. Além disso, essa "discriminação com base no género não se limita à vida activa, mas prolonga-se também na reforma". São também conhecidos os problemas de diferenças salariais que persistem no sector corticeiro, ou as diferenças de salário, em hipermercados, entre o trabalho feminino na peixaria e masculino no talho…

Apesar de se falar até de um certo "feminismo de Estado", mais atento a áreas como o apoio à parentalidade ou à paridade na participação política, o facto é que também na economia (desemprego, precariedade, rendimentos, progressão na carreira) e na gestão da vida doméstica (tempo dedicado a tarefas não remuneradas, partilha de tarefas, tempo livre) há ainda muitos "tectos de vidro" por ultrapassar, muitas ascensões visíveis, que parecem estar ali ao alcance da mão, mas que ficam muitas vezes por alcançar. Os "tectos de vidro" estão normalmente assentes em alicerces de aço, são construções sólidas.

As mulheres e os homens que com a primeira vaga feminista lutaram pela consagração da igualdade de direitos jurídicos (políticos, cívicos, sociais…) descontruíram a ideia multissecular de que essa desigualdade era natural. Com a segunda vaga feminista, alargaram esse edifício de direitos à compreensão do género como construção social e não biológica, trazendo para a esfera dos direitos públicos o que era visto como assunto privado (direito à saúde, ao corpo, à sexualidade, à formação…). Cabe agora, aos que sabem que as condições históricas da emancipação das mulheres e da igualdade de género se fazem no difícil quadro de um regime neoliberal desigual, mercantil, e em que as crises são um elemento estrutural, manter presente a ideia de que as conquistas e os novos desafios do movimento feminista também não são propriamente naturais: estão em construção.»


O meu artigo completo na edição de Março do Le Monde diplomatique está disponível aqui. No mesmo número, Sabine Lambert reflecte sobre a tantas vezes designada «Uma questão de mulheres».

6 comentários:

Bruno Silva disse...

Os autores deste blog deveriam, por vezes, ter a noção do ridículo em que caem quando tentam colar ao "neoliberalismo" todos os males do mundo.

Querem ter um discurso saudável.. façam o favor.. agora.. o ataque gratuito e sem critérios ao "neoliberalismo".. é simplesmente cair no ridículo.

Pergunto á autora se antes do dito "neoliberalismo" já não existia discriminação das mulheres e pergunto se há alguma outra filosofia que bata tanto na tecla do "mérito individual" como o neoliberalismo?

tenham dó!

João Aleluia disse...

Uns pró, outros contra...

Ainda gostava que me mostrassem uma definição de neoliberalismo.

Utilizar chavões deste genero não é mais do que utilizar palavras vazias quando não se sabe do que se está a falar.

Bruno Silva disse...

Ponto 2:

Uma economia onde o estado tem um peso superior a 50% do PIB, é um "contexto neoliberal"?

Uma economia onde uns não pagam IRS e outros pagam 42% é um "contexto neoliberal"?

Uma economia que gasta 20.000.000.000 € em Segurança Social é um "contexto neoliberal"?

Um crise cuja origem dá pelo nome de "Subprime", é culpa do neoliberalismo?

Enfim...

Nuno teles disse...

Caros comentadores,

chegar aqui com preconceitos é que é chato! se vos chateia tanto, porque não fazem uma pequena busca no blogue? Tenho muita pena, mas não vou explicar o termo neoliberalismo cada vez que o uso...

entretanto, isto responderá às vossas questões (não dispensa a leitura da totalidade do artigo):

http://pt.mondediplo.com/spip.php?article202

João Aleluia disse...

Eh eh eh!

É precisamente essa a questão, ser ou ser neoliberal depende que se entende por neoliberal e cada terá a sua definição para a palavra.

Garanto-lhe que muitos neste país vêm a crise do subprime, causada em grande parte pela ausência de regulação, como um exemplo do dito neoliberlaismo.

E já agora, a prósito do escalão dos 42% do IRS, provavelmente não sabe, mas para além dos gestores das empresas públicas e dos bancos, quase ninguém em portugal paga a taxa de 42% de IRS. Quem ganha muito paga apenas taxas liberatórias e especiais, ou pura e simplesmente não paga impostos.

Miguel Madeira disse...

"o facto é que quanto mais são elevados os níveis de escolaridade, mais mulheres há desempregadas e a auferir menores rendimentos, quando comparados com homens do mesmo escalão."

A mim dá-me a impressão que é exactamente ao contrário - que é nos escalões mais baixos que há mais diferença de rendimentos entre homens e mulheres, até porque na "alta escolaridade" praticamente já não há "profissões de homens" e "profissões de mulheres", enquanto na "baixa escolaradidade" continua a haver muitos empregos (por norma os melhores pagos) praticamente fechadoa às mulhereres (na construção civil, p.ex.)