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De resto, é preciso dizer que a desigualdade económica, cujos efeitos perversos estão bem estudados, tem de ser também combatida a montante dos impostos. Temos de gerar o chamado multiplicador da igualdade: os países com menos desigualdades antes de impostos são também os que redistribuem mais. Um interessante paradoxo. Isto é questão de relações laborais e de poder dentro e fora das empresas. De qualquer forma, com instituições e políticas partilhadas por todos seria mais fácil escapar à armadilha social portuguesa. O PS desistiu de agir aqui. Conformou-se com a estrutura económica do nosso país.
Ao contrário da tradição social-democrata, o PS prefere colocar o conjunto da comunidade a apoiar indirectamente os sectores mais reaccionários do patronato com uma vaga proposta, inspirada no imposto negativo de Milton Friedman, de subsídio aos salários de pobreza, que apenas perpetua as relações sociais que dão origem aos baixos salários. Há uma via mais eficaz para combater a pobreza laboral e para, no mesmo processo, mudar a estrutura produtiva: salário mínimo decente em actualização constante, maior centralização das negociações entre sindicatos e patrões, mais poder aos sindicatos, combate a sério à precariedade e aposta na formação.
Com regras exigentes beneficiamos os sectores mais produtivos e combatemos a pobreza: é a lógica do tão propalado modelo sueco. O PS prefere o «realismo» da via anglo-saxónica. Hei-de voltar a isto com mais tempo. De qualquer forma, dizer que esta bota do subsídio à Friedman não bate com a perdigota da bandeira da modernização tecnológica do tecido produtivo que o PS gosta tanto de acenar…
Voltando aos impostos. Há muitas coisas que podem e devem mudar no nosso sistema fiscal: eliminar totalmente o sigilo bancário, criar um novo escalão de IRS (45%) e acabar, como sugere Vital Moreira na reportagem do i, acima mencionada, com a generalidade dos regressivos benefícios e deduções fiscais. É ainda necessário taxar as transacções financeiras e as mais-valias fundiárias. Ficaria tudo bem mais simples e transparente. Aqui não é o PS que tem a iniciativa, mas a esquerda socialista.
Ainda na área fiscal, a proposta eleitoral do PS de atribuir a cada criança nascida uma conta-poupança de 200 euros, que só pode ser mexida ao atingir a maioridade, fez-me lembrar outra proposta: reintroduzir um imposto sucessório bem desenhado. Este é o mais justo de todos os impostos. A associação das duas políticas faria todo o sentido. Igualdade de oportunidades. Riqueza partilhada para bloquear parcialmente a transmissão inter-geracional de desigualdades.
Infelizmente, o PS apoiou a eliminação do imposto sucessório pelo PSD-CDS, o montante de 200 euros é irrisório e a principal justificação apresentada para a proposta é bizarra: medida de incentivo à natalidade? A ideia do uso de incentivos pecuniários, neste contexto, parte de pressupostos muito duvidosos sobre as motivações humanas. A medida do PS oferece boas razões para a natalidade? Não me parece. Isto não quer dizer que não devamos criar as condições - horários estáveis, condições de trabalho e remunerações dignas, serviços de apoio ou políticas sociais - para ajudar a superar as verdadeiras escolhas trágicas que bloqueiam a natalidade. De qualquer forma, com esta medida estamos ainda muito longe de uma «stakeholder society». É para aí que queremos caminhar?
PS. Pedro Sales, a quem roubei a fotografia, vê o outro lado da medida do PS: um subsídio à banca. Será que o PS pensou nisto?