Este é o primeiro post de uma série sobre a economia política da gripe A baseada na leitura de um livro, de 2005, escrito por Mike Davis, sobre a gripe asiática – “The Monster at Our Door – The Global Threat of Avian Flu”. Um livro cuja tradução se traduziria certamente num sucesso de vendas. Ainda sobre a gripe, vale a pena acompanhar a longa série de posts escritos pelo virologista João Vasconcelos e Costa.
Muitos têm sido os e-mails que recebo, apresentando o impacto mediático da pandemia de H1N1 como resultado de uma conspiração da grande indústria farmacêutica. Esta gripe não seria mais do que uma gripe similar à “normal” gripe sazonal (de tipo B). O primeiro erro deste discurso é a desvalorização da gripe sazonal: entre 200 mil e 500 mil pessoas morrem desta doença todos os anos. O segundo é a desvalorização do potencial mortífero da actual gripe. Se uma possível recombinação com a gripe sazonal se verificar, o resultado poderá ser uma estirpe bem mais mortal. O recente caso do H5N1, a gripe asiática, também de tipo A, mostra como a gripe se pode tornar numa doença mortífera que não afecta só as populações mais vulneráveis.
Mas o que me interessa sobretudo desmontar é a ideia que todo este furor mediático resulta de uma campanha montada pela grande indústria farmacêutica. Na verdade, o problema é exactamente o contrário. A pandemia mundial de gripe há muito que é prevista pela comunidade científica. No entanto, o mercado das vacinas para a gripe é pouco atraente para indústria, devido aos custos do seu desenvolvimento e, sobretudo, à sua rápida obsolescência, dada a capacidade mutante do vírus. O desinvestimento nesta área tem sido notório. Nos EUA, líderes da indústria, o número de empresas a produzir a vacina contra a gripe sazonal passou de 37, nos anos setenta, para somente duas, em 2004. Nesse mesmo ano, a Chiron, uma das produtoras, viu-se obrigada a fechar uma das fábricas, com um longo historial de má gestão, por contaminação das vacinas produzidas. Nesse ano os EUA foram por isso obrigados a racionar o acesso à vacina, o que resultou numa maior mortalidade desta. Existe, pois, um desfasamento entre o modelo de produção e distribuição privada da vacina e as necessidades de saúde pública. As doenças mais mortíferas não são necessariamente as mais lucrativas...
O exemplo contrário encontramo-lo no Reino Unido, berço do primeiro Serviço Nacional de Saúde, onde nem os governos Thatcher conseguiram desmantelar o que a revista The Economist classifica como “verdadeira religião nacional”. Neste país, com uma população muito menor do que nos EUA, o Estado manteve contratos de abastecimento de vacinas da gripe com seis grandes indústrias. Arrisco dizer que foi esta permanente procura pública e consequente capacidade de produção instalada a permitir a este país anunciar agora um plano público de vacinação total da população contra o H1N1.
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1 comentário:
Gosto muito do que escreveves.
Provavelmente, o facto de nos EUA a producao de vacinas nao ser rentavel ve-se tambem na investigacao que se faz em Virologia com o objectivo de se desenvolver vacinas: muito pouca e com pouca motivacao para ser feita por parte do NIH ou da NSF.
Tambem se deve fazer notar que aqui as principais causas de morte sao o cancro, doencas cardiovasculares (em primeiro) e agora o diabetes a saltar galopantemente. Nada disto e' tratado com vacinas tomadas uma vez por ano ou medicacao durante 5 dias, mas sim com um consumo diario de medicamentos a medio ou longo prazo.
Na realidade, dado o contagio elevado da gripe A, eu acho que se anda subestimar o perigo que a meu ver apresenta.
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