terça-feira, 28 de julho de 2009

“Urbanismo e Corrupção”: um dossiê que vale a pena ler e discutir



Os problemas da habitação e do urbanismo nunca foram uma prioridade política em Portugal. E, estranhamente, apesar da sua enorme relevância, estes problemas parecem também não mobilizar muito as atenções da comunicação social ou da blogosfera. Por isso é ainda mais de saudar a publicação recente, no último número da OPS!, de um dossiê cheio de boas ideias e alguns excelentes artigos sobre “urbanismo e corrupção” (aqui).


Permito-me destacar algumas dessas ideias:


- “O que rende milhões não é tanto, como vulgarmente se pensa, a construção civil, que é a fase final e visível do processo, mas sim a transformação do solo, que resulta de três vias: a classificação de um solo rústico como urbano ou urbanizável; a mudança de usos (uma zona verde que passa a ser para habitação, um espaço de equipamentos que é transformado em escritórios, uma praça pública que se “ privatiza” para um centro comercial, etc.); e o aumento dos índices de ocupação muito para lá do razoável, através do aumento do número de pisos ou da volumetria” (Helena Roseta). [A transformação dos solos rústicos em urbanizáveis entre 1985 e 2000 terá gerado mais-valias urbanísticas na ordem dos 110.000 milhões de euros (mais de 4% do PIB português de 2008 em termos médios anuais).]


- Esta transformação está intimamente ligada à acção do poder autárquico (um poder neste domínio “equivalente ao da emissão da moeda”, nas palavras de Helena Roseta).


- Os planos (Planos Directores Municipais, Planos de Urbanização, Planos de Pormenor, …) têm servido, não para construir cidades equilibradas e com qualidade de vida, mas basicamente para valorizar terrenos. [“É para valorizar terrenos que se continuam a fazer planos. Quando não é esse o desígnio, os planos não “passam”. Pede-se-lhes que sejam o suporte de complexas operações de engenharia financeira, em que o interesse público é sacrificado à rentabilidade final da operação.” (Helena Roseta).]


- O actual sistema de licenciamento favorece a corrupção (segundo Maria José Morgado, pasme-se, o licenciamento de um imóvel pode chegar a exigir 3.000 requisitos).


- O combate contra essa corrupção exige a socialização das mais-valias urbanísticas geradas pelo processo de desenvolvimento urbano, designadamente por via fiscal, e o primado do poder público na produção de solo urbano, assim como uma maior transparência e escrutínio das decisões administrativas e autárquicas pelos cidadãos (“urbanismo participativo”).


- É preciso, a exemplo do que se fez recentemente no Código Penal Espanhol, introduzir na legislação portuguesa a figura do crime contra o ordenamento do território, implicando “a responsabilidade penal pela aprovação de projectos de edificação contrários às normas urbanísticas vigentes, envolvendo nessa responsabilidade a concessão de licenças camarárias e os próprios órgãos municipais que nelas intervieram” (Maria José Morgado)


A história do caso da Ponte do Galante, na Figueira da Foz, contada por Pedro Bingre neste dossiê, é ilustrativa e reveladora da actual situação portuguesa nesta matéria e vale a pena ser lida.


Já o texto que o mesmo autor escreve sobre a “bolha imobiliária” e as dificuldades das famílias portuguesas relacionadas com a habitação merece vários reparos, mas deixo isso para outro(s) post(s).

Sem comentários: