quarta-feira, 29 de julho de 2009

A “bolha imobiliária” portuguesa

Portugal vive agora as consequências do estoiro de uma bolha imobiliária velha de duas décadas
(Pedro Bingre, “A bolha imobiliária: duas faces da mesma (falsa) moeda”)

Qual a natureza da “bolha imobiliária" portuguesa? Uma bolha de preços ou uma bolha de construção? As duas em simultâneo? Parece ser este o caso no texto de Pedro Bingre, mas nada é dito sobre tal distinção. Não o fazendo, porém, tender-se-á, como muitos fazem, a transpor de forma simplista para a realidade nacional o que se sabe sobre a experiência de outros países. Certo é que, de acordo com a informação disponível, o comportamento dos preços da habitação em Portugal estará longe de poder ser classificado como uma “bolha” especulativa de preços.



Segundo o Banco de Portugal, o crescimento acumulado dos preços da habitação em Portugal, entre 1996 e 2007, terá sido de 45%, contra os cerca de 100% dos EUA, os 150% da França, dos Países Baixos e da Bélgica, os 200% da Espanha e do Reino Unido ou os 350% da Irlanda.

Parece, na verdade, haver boas razões para este comportamento aparentemente atípico dos preços da habitação em Portugal. Pese embora a forte pressão da procura, potenciada pela prolongada descida das taxas de juro e pelas campanhas agressivas do sector bancário para angariação de novos clientes, a forte dinâmica construtiva das últimas décadas, conjugada com o grande stock de alojamentos vagos, terá permitido que o crescimento dos preços não se tenha tornado explosivo (ou seja, o mercado ter-se-á ajustado sobretudo pelo lado das quantidades).

Todos os estudos sugerem que o comportamento dos preços da habitação (em termos reais) terá sido em Portugal largamente justificado pela evolução dos fundamentais macroeconómicos, como sejam o rendimento disponível das famílias, as taxas de juro e outras condições de crédito, não havendo uma situação de sobrevalorização geral dos preços no nosso país da qual tenha que resultar agora, inevitavelmente e por consequência, uma forte quebra dos preços.

Ou seja, se alguma bolha imobiliária “rebentou” recentemente em Portugal foi uma bolha da construção, não uma bolha dos preços. O forte arrefecimento da construção de habitação nos últimos anos e a pressão para que, finalmente, a prioridade vá agora para a reabilitação (aqui) parecem confirmar esta ideia. Nada disto invalida, evidentemente, que, dada a natureza local dos mercados da habitação, bolhas localizadas de preços, designadamente em algumas áreas urbanas, tenham ocorrido.

3 comentários:

Pedro Sousa Silva disse...

Pois, mas...

- Qual foi o crescimento salarial desses países no mesmo período?
- Qual foi o crescimento demográfico?
- Quais foram as áreas de construção priveligiadas (reutilização de espaços urbanos "privilegiados" ou deslocação para territórios inabitados)? Na área em que habito, por exemplo, e que não é urbana, os preços cresceram talvez 100% para um apartamento e talvez mais de 200% para uma moradia.
- Qual o papel do estado no sector, nomeadamente no apoio à compra de primeira habitação?
- Qual o papel das leis que dão vantagens fiscais aos construtores enquanto não vendem os prédios, tornando assim mais vantajoso não vender que baixar o preço?
- Qual o custo real de uma construção nos vários países? Quanto custam os materiais (e qual é a qualidade deles) e a mão de obra?
- Como se comparam os regimes de aluguer nesses países?
- Qual o comportamento dos bancos nesses países, nomeadamente na fixação dos spreads?
- E por fim, como é que se define "especulação"? Será que vamos começar a dizer que "sim, há especulação no sector mas trata-se de boa especulação"?

Luís disse...

De autor desconhecido, algo que me chegou às mãos:

"Em resumo, devemos afirmar que este trabalho serviu mormente como uma iniciação ao estudo da realidade de mercado de habitação em Portugal na vertente dos preços. Em primeiro lugar convém reflectir sobre a criação uma metodologia uniforme de recolha de dados de hoje para o futuro, para que estes sejam o mais perfeitamente comparáveis entre momentos diferentes do tempo. Em segundo lugar, estudar a exequibilidade de se poder fazer a distinção entre imóveis novos e usados assim como a sua ordenação por preço/m2: uma medida mais objectiva do que a seguida aqui (preço por tipologia).
Não obstante, conseguimos através da análise seguida circunscrever algumas realidades, das quais extraímos conclusões que nos parecem fiáveis e podem servir de base a um conhecimento mais aprofundado das dinâmicas do mercado. De realçar que o período económico sobre o qual este estudo se realizou é um de crise e transição para paradigmas novos, cuja natureza e direcção poderão porventura ser acompanhados e antecipados por uma análise multidimensional deste tipo. As “bolhas” de preços imobiliários que percorreram países com os EUA, a Espanha ou a Irlanda não tiveram paralelo em Portugal, não obstante a especulação imobiliária (predial – solos urbanos) e a construção para habitação nova financiada com crédito do exterior tiveram no país um lugar de destaque que as turbulências financeiras actuais não deixarão incólumes.
As tendências futuras não vêm neste estudo suficientemente demarcadas, devido principalmente ao espectro temporal reduzido e ao facto de ainda se verificarem dinâmicas localizadas e regionais de fundamento próprios, que não permitem extrapolações, excepto aquela de que estaremos certamente num período de viragem. Resta saber como se vai fazer a gestão da mesma, e qual o papel que as políticas públicas podem ter.
Ainda assim, podemos extrair como linhas de fundo que o preço de venda dos apartamentos, principalmente nas tipologias T2 e T3, têm tendência a estabilizar ou até deflacionar, enquanto que para as outras tipologias a volatilidade da variação dos preços espacialmente considerados é especialmente elevada, mas com predominância para a valorização (anexo 1). Quanto ao arrendamento, a volatilidade das variações é ainda maior: os valores das amostras diminuem para todas as tipologias entre as duas datas em causa, registando a variação média global nacional para todas as tipologias valores negativos. Restava saber se esta redução dos preços foi factor de diminuição dos valores da amostra, ou seja, de escoamento dos imóveis em stock ou se os dois factos não estão de todo relacionadas. Outras metodologias teriam de ser aplicadas para aferir de tal, questão que lançamos em aberto para futuros trabalhos!"

NC disse...

Excelente e oportuno post.