quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A «natalidade» e a «família» como pretexto

Já em reentré, e com a discussão do OE de 2019 no horizonte, o CDS-PP propôs um pacote de «políticas integradas de natalidade e de valorização da família». Sim, o mesmo CDS-PP que, nos anos do «ajustamento», se empenhou no «empobrecimento competitivo», responsável por um aumento sem precedentes do desemprego (que atingiu os 16,4% nos jovens com 25 e 44 anos); pelo recrudescer da emigração para níveis próximos dos anos sessenta (600 mil saídas entre 2011 e 2015); e, a par da perda de rendimentos das famílias, pelo corte de Mota Soares na proteção social (com, por exemplo, menos 67 mil crianças e jovens a serem apoiados pelo RSI). Sem estranheza, a natalidade - que agora preocupa os centristas e que registou valores acima dos 100 mil nados-vivos nos primeiros dez anos do século XXI - caiu para valores inéditos, não indo além dos 85 mil nascimentos em 2015.


O que significa esta guinada programática de um partido que até há pouco tempo se estava nas tintas para as condições de vida dos jovens casais e para a natalidade? Terá o CDS-PP percebido o dano demográfico que causou ao país e decidido arrepiar caminho? É apenas mais um episódio de transfiguração política de um partido que tem por hábito fazer uma coisa no Governo e propor o seu contrário quando está na oposição? Ou a «natalidade» e a «família» são só os pretextos para retomar a velha agenda de regressividade fiscal e privatização do Estado Social?

Quando se olha para as medidas apresentadas as dúvidas dissipam-se. Além de propostas redundantes (no âmbito das licenças parentais ou da comissão na AR para as questões da natalidade), é retomado o iníquo quociente familiar (que beneficia tanto mais as famílias com filhos quanto mais elevado for o seu rendimento), cujo princípio passaria a desmultiplicar-se em várias deduções fiscais (IMI, tarifas de água, luz e gás, taxas moderadoras, acesso à habitação, etc.). Soma-se a isto o incentivo ao teletrabalho e os tradicionais apoios às empresas (convenientemente revestidos com a película da «responsabilidade social»). E, claro, o reforço dos apoios ao «Estado paralelo», com a criação de gabinetes técnicos de apoio familiar, na «rede protocolar social», e o alargamento da isenção de IVA a todas as creches e ATL privados (a lembrar o tempo em que as prestações do RSI atribuídas às pessoas se convertiam em apoios às organizações para distribuir sopa). Cereja em cima do bolo: a proposta de não aplicação do fator de sustentabilidade quando o requerente tenha mais de dois filhos e aplicação a 50% ao requerente que tenha dois filhos (numa absurda punição a quem não teve ou só teve um filho e recalcando a lógica regressiva do quociente familiar).

Por último, como se não bastasse instrumentalizar a família e a natalidade para alimentar mercados e fomentar a desigualdade social e fiscal, a proposta do CDS-PP prima também pelas ausências: nem uma palavra sobre salários, precariedade ou sobre imigração, uma vertente indispensável para quem realmente queira recuperar a sustentabilidade demográfica do país.

15 comentários:

Anónimo disse...

Um oportuno e certeiro post

O partido dos submarinos é aquilo que é. Um submarino oculto à espera do seu saque privado. Para si e para os que vai servindo

Abraham Chevrolet disse...

Como diz (quase) o outro:
É não ter vergonha na cara,não resisto,é mesmo não ter a puta da vergonha na cara

Jose disse...

O cheque-bébé deve estar para breve.

Anónimo disse...

Cheque-bebé ou a crise histriónica do correspondente epistolar de Paulo Portas.

A ver se esconde o submarino nas fraldas

Anónimo disse...

Cheque Bébé ou Cheque Diploma (Doutor)?
Na Natureza nada se cria nada se perde ,tu tu se transforma!

No Mercado nada se Oferece nada se Dá! Tudo se Vende!...Com dinheiro ou com CHEQUE!

Anónimo disse...

Uma pergunta simples: o recentemente apresentado Orçamento de Estado, além de potenciais aumentos da função pública, pensionistas e impostos, apresenta que medidas de apoio à familia e natalidade?

Redução do horário de trabalho no privado para as mesmas 35h do publico?
Aumento do abono de Familia?
Redução do preço dos Transportes?
Apoio no arrendamento universitário?
Aumento de vagas em creches?
Alterações de escalões IRS?
Livre escolha do estabelecimento de ensino?
Livre escolha do estabelecimento de saúde?

Vítor disse...

Bem dito e analisado.

"Estado paralelo" é uma feliz expressão para designar esse sector de instituições privadas cuja actividade vive à conta dos apoios estatais, escudando-se muitas vezes na prestação de apoios caritativos, e reclamando uma eficiência muitas vezes assente em brutal precariedade e jogos de favores-empregos a nível local.

Não sei porquê, lembro-me sempre da velha beata que dizia, lá na sua aldeia, após o 25 de Abril: "agora, já nem temos pobrezinhos para dar uma esmolinha pelos nossos pecados..."

Anónimo disse...

Teletrabalho (em determinados sectores) é mau?

Semanita de 35 horas, não vejo a Esquerda a fazer disso uma batalha.

Anónimo disse...

Uma pergunta simples?

E depois segue-se uma lista de perguntazinhas, assim à laia de cumprimento da perguntinha simples. Que afinal não é simples, é múltipla. Como o sujeito que a faz

Percebemos que estamos numa outra lógica, sei lá, na lógica dos joão vitor pimentel ferreira aonio eliphis, que feneceu por aqui uns tempos mas que tem estado bastante activo por aí

Ora bem. O tema deste texto-denúncia de João Ramos de Almeida tem um alvo concreto. A sem vergonhice e o descaramento duma coisa que funciona como um partido submarino, que manobra de acordo com o vento de feição e que faz uma coisa no governo e propõe outra coisa quando na oposição. Oportunismo rasca e demagógico, sempre dirigido ao encontro de grandes interesses. E sem coluna vertebral por onde se pegar.

Não estamos a discutir "medidas de apoio à familia e natalidade", mas sim "A «natalidade» e a «família» como pretexto".

Será que o joão vitor pimentel ferreira percebeu?

Por isso estas manhas para tentar branquear o encardido partido dos submarinos não passam

Anónimo disse...

Mas a questão levantada pelo inefável joão vitor aonio eliphis pimentel ferreira não se esgota nessa tentativa de branquear o partido do Portas (submergido) e da Cristas (ao leme).

Vai mais longe e dirá: "O Orçamento de Estado, além de potenciais aumentos da função pública, pensionistas e impostos"...

Percebe-se que não gosta de funcionários públicos e de pensões e que gosta mais dos roubos aos salários e às pensões.

Mas também se percebe a demagogia própria desta tralha neoliberal. Fala-se nos impostos por junto.
Ora não houve nenhum aumento tão significativo de impostos como no tempo dos anos de chumbo da troika passista /cavaquista.
Por isso pode o vitor pimentel ferreira fazer as cenas que quiser.

Mas também não passa.

Quanto ao que há a dizer do Orçamento de Estado, é ler o texto de Jorge Bateira de hoje, aqui, no LdB

Anónimo disse...

Mas há outra coisa que não passa porque é por entre as linhas que se tenta fazer passar as entrelinhas do ideário neoliberal.

Ao lado da redução do horário de trabalho para todos ( deve-se caminhar no sentido de condições mais humanizadas no trabalho), aumento do abono de Familia ( deve-se registar a política criminosa de quem o roubou a centenas de milhares de crianças e jovens),redução do preço dos Transportes( aqui deve-se salientar a política meritória dos partidos de esquerda), apoio no arrendamento universitário ( aqui deve-se lembrar a política trágica de subida de propinas e de corte das bolsas para estudantes a cargo dos criminosos em funções antes das eleições de Outubro de 2015, mas também lembrar a promoção de bolhas imobiliárias que tanto tem prejudicado os portugueses), o aumento de vagas em creches ( e mais uma vez vem à memória quem encerrou tantas creches e quem mandou os pais emigrar e sair da sua zona de conforto), alterações aos escalões do IRS (como defende a esquerda), dizíamos nós que a par de tudo isso há duas coisinhas que não têm qualquer relação com "medidas de apoio à família e natalidade"

E que estão lá para ver se passam e se passam, passando uma outra mensagem

Referimo-nos concretamente à "livre escolha do estabelecimento de ensino e à livre escolha do estabelecimento de saúde".

Estas duas questões, aqui metidas a martelo, não só são pretextos para a propaganda da vulgata neoliberal, já bastas vezes aqui discutidas, como também representam ainda mais o abastardamento do que de facto aqui se discute.

E, como já dito, não passa sem a respectiva interpelação

Anónimo disse...

"Semanita de 35 horas, não vejo a Esquerda a fazer disso uma batalha."

Vê muito mal o anónimo em questão:

Por exemplo não vê:
"A redução do horário de trabalho para o sector privado, proposta pelo PCP em Abril de 2016, não faz parte do Programa do Governo, nem dos acordos celebrados com o PCP ou com o Bloco de Esquerda", pelo que o governo a rejeita

"As iniciativas de PCP, PAN, PEV e BE pela universalização dos horários de trabalho de 35 horas semanais, incluindo sector privado, sem reduzir remunerações ou direitos, voltaram esta sexta-feira (18 de Maio de 2018) a juntar PS, PSD e CDS-PP na oposição à medida".

E o anónimo em questão não vê a batalha da direita e da tralha neoliberal pela reposição da semana das 40 horas a todos os trabalhadores.

(O cavalo de batalha seria para que Passos voltasse aí montado no diabo)



Anónimo disse...

Folgo em saber que PAN é esquerda, mas o PS não.
Também é interessante saber que o PCP faz uma proposta, é negada, e fica o trabalho feito. Noutras áreas são, digamos, mais insistentes. Por exemplo, ao contrário de questões relacionadas com FP, esse assunto não foi discutido em sede orçamento de estado. Há assuntos que estão diariamente na ordem do dia, este... pois.

E esse argumento do Passos a cavalo, com a Cristas no sidecar (que basicamente é o único argumento para defender este Governo, o anterior foi péssimo), pode ficar para as discussões de café, que votei e votarei tantas vezes neles como no Donald.

Anónimo disse...

As classificações são lixadas Esquerdas e direitas. Direitas e esquerdas. Fala-se na semana de 35 horas. O PS ê contra. O PAN a favor.

Que fazer aos factos para que estes se ajustem aos saberes folgados do anónimo ?

Anónimo disse...

O PC fez uma proposta Fica o trabalho feito?

Parece que não, porque quatro partidos voltaram a insistir no caso. Nesta legislatura mais uma vez. Ainda neste ano

Depois ê consultar os documentos sobre o assunto. E verificar as posições dos diferentes intervenientes e há quanto tempo elas existem. Até pode ver alguns escritos nas paredes e olhar para algumas palavras de ordem em manifestações. Ê sair do sidecar, que ainda bem que o não partilha com.
Também é bom verificar que o Orçamento de estado é do PS , com acordos pontuais â esquerda

Das discussões sobre o mesmo orçamento parece que o anónimo em questão está muito bem informado. Mas estas também são lixadas. As informações Ao que parece estão limitadas à FP Ora ê fazer o trabalho de casa e ir verificar em vez de debitar o péssimo trabslho de alguns blogs ditos informativos.

A questão do euro separa o PS da esquerda. Ou de parte da esquerda se assim se quiser. Não consta que tenha sido alvo de debate na preparação do orçamento de estado.

Tal como as questões laborais no seu conjunto. É ler o escrito neste blog. Tal como é bom ler o escrito por aqui pelo Jorge Bateira e por João Rodrigues sobre o dito Orçamento

Uma última nota A questão se vota ou não no Donald Como se percebe este é um assunto que não interessa nada para esta discussão. Pelo que , se não se importa, reserve-o para a mesa do seu café