sexta-feira, 27 de março de 2015

Já têm sopa, que mais querem?

1. Numa entrevista ao jornal «i», o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel de Lemos, disse há tempos que «em Portugal só passa fome quem quer». Sendo bombástica, a frase inseria-se numa referência às cantinas sociais, no contexto de uma entrevista que vale a pena ler na íntegra e que é mais interessante que o destaque, dado em título pelo «i», faria supor. Contudo, se quisermos encontrar um corolário para a «política social» da maioria de direita no poder, a frase de Manuel de Lemos serve como uma luva. Do que se trata é mesmo de responder com sopa à pobreza.
De facto, ao arrepio da degradação progressiva da situação social em Portugal, sobretudo a partir de 2011, as políticas sociais públicas foram sendo enfraquecidas e desmanteladas de forma gradual e determinada. Dois exemplos: ao aumento do número oficial de desempregados em cerca de 135 mil entre 2010 e 2014, o governo respondeu com a diminuição drástica das prestações de desemprego em cerca de 137 mil (menos 36%); e perante o agravamento da Taxa de Risco de Pobreza (de 43 para 48% entre 2010 e 2013), o governo reduziu o número de beneficiários de RSI em cerca de 166 mil (valor que passa para 315 mil ao actualizar as contas para o final de 2014).


2. Para além da contracção do apoio do Estado às situações de desemprego, estamos a falar de cortes em medidas de política social pública orientadas para responder às formas mais severas de pobreza e exclusão, como é o caso do Rendimento Social de Inserção (RSI) e do Complemento Solidário para Idosos (CSI). Sendo generalizado, o impacto desses cortes revela-se contudo particularmente contundente em segmentos mais vulneráveis da população.
No caso de crianças e jovens, perante um agravamento do risco de pobreza em cinco pontos percentuais entre 2010 e 2013 (de cerca de 43 para 48%, antes de quaisquer transferências sociais), são cerca de 65 mil os menores de 18 anos que perdem acesso ao RSI. No caso dos idosos, face a um aumento da Taxa de Risco de Pobreza na ordem dos quatro pontos percentuais (de 85 para 89%, antes de quaisquer transferências sociais), a quebra na prestações de CSI atinge cerca de 9 mil beneficiários. Um valor que se situa em menos 75 mil beneficiários caso a referência temporal passe a ser Dezembro de 2014.


3. Não se pense porém que as razões em que assentam estes cortes se fundamentam essencialmente nos objectivos de equilíbrio orçamental e redução do défice, decorrentes de «imposições» do memorando da troika. Na verdade eles traduzem, sobretudo, a concretização da agenda ideológica de desmantelamento das políticas sociais públicas e dos princípios que as regem, em favor da criação e robustecimento de um Estado paralelo nas áreas sociais, como oportunamente assinalou o Pedro Adão e Silva, ao denunciar a estratégia de «contratualização de serviços públicos, assegurando privilégios a negócios privados», em moldes que reforçam a discricionariedade na gestão, através de contratos «que não resistiriam ao mais elementar escrutínio público» do cumprimento de princípios basilares de política social pública (igualdade no acesso, critérios objectivos de priorização das situações sociais, etc.).
O exemplo das cantinas sociais é, neste sentido, particularmente obsceno. Como demonstrou Cláudia Joaquim, num relatório de leitura imprescindível, o Estado paga cerca de 600€ por mês a uma IPSS que sirva refeições a um agregado familiar constituído por um casal e dois filhos, agregado esse que apenas poderá receber, no máximo, uma prestação de 374€ mensais de RSI (e da qual poderá ter ainda que deduzir um montante de 240€ mensais, para pagar à IPSS a comparticipação dessas mesmas refeições).


4. Para lá da deliberada asfixia financeira das medidas de política social pública, tendo em vista alimentar a crescente transfega de recursos do Estado para IPSS e outras organizações afins, o que está igualmente em causa é uma mudança profunda nos modelos de política social e de combate à pobreza e exclusão. De um paradigma centrado no acompanhamento e trabalho social com as famílias e indivíduos, tendo em vista a sua autonomização e emancipação (que o espírito do RMG/RSI concretiza de forma particularmente eloquente),(*) passa-se para um modelo de política e acção social assente no entendimento de que aos pobres basta que não morram de fome - e que encontra paralelismo em modelos assentes na noção de que o problema da pobreza é apenas de falta de recursos financeiros (como se pressupõe, de certa forma, nas propostas associadas à ideia de um Rendimento Básico Incondicional). Isto é, ignorando que medidas como o RMG/RSI são sobretudo instrumentos de intervenção com as famílias e os indivíduos e não fins em si mesmos (como sucede no caso do apoio alimentar concedido pelas cantinas sociais).

(*) Num encontro recentemente realizado em Lisboa, em torno do tema «ciganos e educação», ficou demonstrado o impacto que o RMG/RSI teve por exemplo na escolarização das crianças ciganas ao longo das últimas duas décadas, criando assim condições favoráveis a uma verdadeira ruptura na reprodução dos ciclos geracionais de pobreza e exclusão.

21 comentários:

Alice disse...

É o reforço de uma noção de que aos pobres basta terem a tal sopinha... no fundo, os detentores dessa mentalidade defenderão que os pobres não têm (ao contrário de "nós") direito a educação, a saúde, a cultura, a uma qualquer perspectiva de vida humana ou meios para a poder concretizar... Triste, de facto.

António Dias disse...

Não sei se já deram conta do facto de o Dr. Lambreta (mais conhecido pelo "Ministro dos Pobrezinhos") estar a acelerar a toda a força em inaugurações e protocolos com a "sociedade civil"... Tenho defendido que o CDS está a constituir por essa via uma imensa clientela cujos frutos Portas espera colher, não só (e nem tanto, se houver coligação) nas próximas legislativas, mas nas seguintes e, principalmente, nas autárquicas. Ao CDS sempre lhe faltou implantação local, mas está a angariá-la utilizando os meios do Estado. É preciso que se note que, principalmente no interior desertificado, as IPSS são, muitas vezes, as maiores empregadoras...e os únicos "tachos" à disposição da "elite" local...

Jose disse...

Ignora o autor um facto político relevante:
O Estado privilegia a liberdade e critério das IOSS na assistência à pobreza.
Por muito que doa à esquerda os 'direitos' da pobreza são o chão da bandalheira.
E por 600 euros seguramente comem quando não é certo que o fizessem se recebessem esse dinheiro.
Blá, blá, direitos, garantias, princípios e o que mais queiram...

Anónimo disse...

Olhando para o tal de "Manel" ele vê-se bem que anda só a sopas...De pedra!
Filhos da Mãe!

Anónimo disse...

"Com sopinha, só quem quer, passa fominha..."
Pega-se numa lata velha, acende-se uma fogueira, mete-se água na lata, rouba-se uma couve, uma batata, um naco de gordura boa e a acompanhar, um grande pedaço de boroa...Para terminar, uma soneca na Praça da Corujeira, ao som dos balidos dos netos e gritos das pregoeiras do Mercado da Ribeira!

Anónimo disse...

IOSS ?

O ódio que este jose tem a tudo o que tenuamente cheire a "direitos garantias e princípios" é de facto descomunal

Prefere a selva e a lei da selva. Envoltas naquelas vestes de vestal astuta,prostituída e acanalhada da caridadezinha típica do gênero.No fundo,no fundo o ódio à dignidade humana, sobrando para a governança e os que a governança serve, a solidariedade atenta e venerada.
Como já bastas vezes aqui comprovado.

A pobreza a a miséria crescem sob as patas do neoliberalismo mais desbragado.Um dos ídolos do jose, o cavaco , investe contra quem esconde as "boas notícias" aos portugueses.

É investir nas contas e nos negócios da fauna em exercício, dos que esta serve e nos satélites à volta.Porque esta malta que verbera os mais elementares direitos, ataca as garantias mínimas e não tem o mínimo de princípios é o material donde saem as forças negras que dominaram a Europa nos anos 30 do século passado. E que lucram com tal facto

De

Anónimo disse...

José e a sua cretinice. Porque não te calas!!!
MReis

António Dias disse...

Jose: "seguramente comem"? Tem a certeza? Como é que sabe? Está lá para ver, no género "observador de pobrezinhos"? Ou viu em filmes (do tipo "porno", mas com imagens de colherzinhas de sopa a entrar e sair de boquinhas)? Sim, porque é preciso é que comam porque "A Comida Liberta"...

Jose disse...

A sensibilidade social da esquerda tem sempre um único sinal: o indivíduo é membro da manada num pasto comum.
Obviamente que cada um sempre ambiciona uma zona de erva mais fresca, mas quer manter esse sentir colectivo que é comum a peixes e outras espécies elementares.
E a caridade, que é sentimento humano e solidário, desprezam-na porque, num acto evolucionista de grande alcance, abandonam o sentimento da manada e são humanos, senhores de uma dignidade que não só quer como exige uma individualidade reconhecida e reverenciada e, sem mais, com direito a erva fresca!
E nesta alarmante dicotomia ideológica, inseguros do seu lugar na criação, vivem o sobressalto de se terem por justos.

José Fontes disse...

Especialmente dedicado ao PIDE do «Ladrões de Bicicletas», de «nick name» José, mas que no defunto blogue «Arrastão» se assinava por JGMenos, e se declarou ex-emigrante em França, simpatizante da FN e grande admirador de Marine Le Pen.
«Vamos brincar à caridadezinha» - José Barata Moura (gravação original de 1973)
https://youtu.be/ZHieMBabirY

Anónimo disse...

Duas ou três notas necessariamente breves:

O "Vamos brincar à caridadezinha" resume e bem a resposta adequada a quem, sob argumentação da manada e da erva fresca,embrulhando-se em disparates puros e duros sobre o "sentir colectivo de peixes" e outras "espécies elementares" (???)arrosta com a noção de "sentimento humano"Logo ele, que do humano costuma preferir o berro da selva e a competição desbragada do direito do mais forte à presa

Causa sempre espanto esta verdadeira dicotomia assumida por alguns entre o pregão da moralidade beata e o puro ódio que sobressai em assuntos vários que abordam a condição humana.

De


Anónimo disse...

De acordo com o artigo 25 da carta dos direitos humanos da qual todos os países da ONU são signatários (incluindo Portugal):

Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

(Fonte: http://www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/Universal.html)

Isto há muito que está esquecido.E tenta-se substituir o que devia ser uma condição civilizacional, pelo circo mediático da iniciativa individual da "caridade", quantas vezes completamente pervertido nos seus propósitos.

De

Anónimo disse...

Sobre os EUA escreve António Santos:

"Há actualmente 15 milhões de crianças com fome nos EUA. Destas, 1,5 milhões não tem casa. Com efeito, na lista de países que melhor protegem as suas crianças, a UNICEF coloca os EUA abaixo da Grécia e apenas duas posições acima da Roménia. Poderíamos acreditar que a colossal dimensão deste crime, que constitui uma continuada violação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e que, para além do mais, decorre num país rico, seria alvo de severas atenções mediáticas e de consensuais admoestações internacionais. Mas a pobreza das crianças dos EUA é invisível. Na verdade, é exactamente essa a estratégia de um número crescente de estados: varrer a miséria extrema para debaixo do tapete. No Arizona proíbem a mendicidade; em Boston instalam a chamada «arquitectura hostil», que impede as pessoas de repousarem nos espaços públicos; no Colorado, o Estado oferece bilhetes de autocarro aos sem-abrigo, para que vão e não voltem; em Hollywood, a cidade está a comprar às organizações de caridade os imóveis onde funcionam os abrigos nocturnos… para poder demoli-los; no Alasca, o Representante Don Young foi mais longe e sugeriu «alcateias de lobos» para acabar com o problema.
São as regras do jogo do capitalismo em todo o seu brutal esplendor: privatizar a produção de riqueza e socializar a produção prejuízos, pelo que os resultados económicos negativos que se sucedem em catadupa nos EUA fazem adivinhar que a escala e a gravidade da miséria extrema irão continuar a agudizar-se, acentuando cada vez mais as contradições mais abjectas e anti-humanas do capitalismo. Neste jogo viciado, a falta de habitação, de emprego e de comida não são infortúnios, são jogadas de classe. As cartas do capitalismo estão há muito tempo à vista: desvalorização do trabalho; guerra infinita; miséria. Não basta virar o jogo, é preciso virar a mesa."

(De)

Anónimo disse...

Mas há um outro aspecto do problema denunciado pelo Daniel Vaz der Carvalho:

"A caridadezinha, fórmula que seria degradante numa comunidade socialmente evoluída, é apregoada como virtude e, como no tempo do fascismo, faz-se o apelo de “os que podem aos que precisam”.
Este governo pretende agora privatizar a caridade através das IPSS, transformando-a num negócio, uma espécie de PPP à custa da crescente miséria. Nesta sociedade do empreendedorismo até com a miséria se pode fazer negócio e ter lucro!
Tudo isto serve para mascarar a verdadeira caridade que andamos a fazer á força. Se fizermos bem as contas quem tem beneficiado desta forma de caridade a que os governos nos obrigam e escondem do comum dos cidadãos, têm sido são os banqueiros, as Goldman Sachs, etc. Uma trupe de agiotas e especuladores que colocam os rendimentos em paraísos fiscais.
Graças a esta caridade os multimilionários aumentaram em Portugal em 28%, 10% destes “pobrezinhos” detêm 60% da riqueza nacional; 3 deles detêm mais de 1 000 milhões de dólares. Para isto, tal como referia Almeida Garrett, o número de pobres passou de 2 milhões para 3 milhões desde 2011, os desempregados de 700 mil para 1,4 milhões."

É obra

(De)

Jose disse...

És mentiroso, Fontes!
O que dizes de JgMenos é falso.
És lixo, Fontes, e para sempre serás ignorado!

José Fontes disse...

José(zito):
As verdades doem.
E também nunca vi nenhum PIDE assumir a sua condição.
Mas o José faz aqui muito bem esse papel.
Nunca concorda com nada do que aqui se diz.
Tem sempre a razão com ele e a última palavra.
Nunca acrescenta um argumento, antes opiniões geradas na sua mente de pobretanas de espírito, vendido por 5 réis de subsídio que o Passos lhe paga ao final do mês para policiar o «Ladrões...».
Triste sina a de certas figurinhas de cartão.
O pior é que, caindo-lhes água em cima, desfazem-se em papa: tal é a sua consistência.

Anónimo disse...

Jose e JgMenos.

Ou outra dicotomia curiosa, em género esquizofrenizante.
Uma espécie de multiplicador de pães para as necessidades do trabalho doméstico.

Com os toques irónicos assumidos pela auto-referência ao próprio, como se não fosse ...o próprio.

A fatwua é apenas o pormenor pícaro

De

Anónimo disse...

O que é lamentável é existirem pessoas tão desiquilibradas e mesquinhas como aparenta ser o José, que não conseguem compreender que esta história das Misericórdias é coisa da Idade Média. Faz-me lembrar o que nessa altura os Países faziam quando tinham dívidas insustentáveis, matavam os seus credores e assim resolviam os seus problemas...
-Hoje em, dia é humanamente impensável, em qualquer País desenvolvido e com uma mentalidade de verdadeira cidadania, alguém ter que recorrer à sopinha dos pobres para se poder sustentar...

Anónimo disse...

As religiões são verdadeiramente o ópio do Povo e as Misericórdias um dos sustentáculos da Igrejas e das Confissões Religiosas...Recordo sempre Vítor Hugo e o Notre-Dame de Paris!

antonio miguel disse...

É o prosseguimento e agravamento da política de empobrecimento e miséria que têm que ser parados nas próximas eleições.
Temos que dizer BASTA!
O caminho pode e deve ser outro, não esse da miséria que nos foi imposto por ilusionistas da política, da mentira, da incompetência, do oportunismo e da corrupção.
Portugal tem muitas e muitas possibilidade de responder a um desafio de desenvolvimento qualificado e musculado. O problema profundo está na falta de qualificação e de verticalidade dos políticos que se vendem a troco de "dez reis de mel coado" permitindo que os seus "donos" se encham, como fez Ricardo Salgado e os outros. Agora vendem Portugal aos chineses & Ca.

Anónimo disse...

Ahahahshahahahaaaa..... Que vergonha!
Depois de ter lido tanto disparate, concluí que estamos num país de cegos e que a ignorância é mesmo uma coisa que se adapta perfeitamente às mentes delineadas para servir os poderes instituídos... Quando dá muito jeito!... Cada um pior do que o outro, estes comentários servem de trampolim para que cada um dos autores se mantenha no alto do seu pedestal a vomitar frases feitas no seio de partidos politiqueiros que, até hoje , de nada serviram para melhorar a vida dos pobres, bem pelo contrário,; ATÉ conseguiram matar a vaca que lhes dava o leite: Mataram a classe média, a única que paga impostos!...