quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Tarefa para um governo de esquerda: política de investimento para criar emprego

Carlos Santos tem sido um defensor do investimento público para combater a estagnação e a crise. Convergimos e continuaremos a convergir nisso. No entanto, recentemente Carlos Santos tornou-se um activo intelectual do simplex. A bota não bate com a perdigota. Os números do investimento público estilhaçam todas as invenções socráticas. Tem a palavra Eugénio Rosa: «Nos últimos quatro anos o investimento público em Portugal diminuiu em 32,3%». Um estudo a não perder.

Carlos Santos tem vindo a criticar a esquerda socialista por não ser keynesiana no seu programa. Aqui Carlos Santos segue o método de leitura às mijinhas descrito por Zé Neves. É que proposta a proposta - da promoção da reabilitação urbana à expansão do Estado Social, passando pela utilização da CGD para a promoção de uma política de crédito decente - se faz a lógica do que se pode designar por keynesianismo de esquerda promotor do emprego e do desenvolvimento das capacidades humanas. Acho que isto está na linha das preocupações deste manifesto. É claro que não estamos sós. Jorge Bateira já aqui destacou algumas interdependências fundamentais. No entanto, a arquitectura do governo económico europeu que temos criticado permanece intacta no Tratado de Lisboa. O PS socrático aplaude. Entretanto, a complacência do governo e da UE tem um número: 650 000 desempregados em Portugal no ano de 2012 (previsão da OCDE). Quem é que pode dizer porreiro pá?

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Rigidez liberal

Henrique Raposo teve a gentileza de deixar na caixa de comentários desta posta sobre precariedade uma amostra do seu romance de mercado: rigidez das rendas e do mercado de trabalho ou os dramas da nossa geração. Sobre as rendas, Vítor Dias tem escrito muito e bem: "Acontece entretanto que a mais pura e cristalina das verdades é que desde 1981 vigora um regime de opção por renda livre ou condicionada para todos os novos contratos e que desde 1990 (portanto, já lá vão 17 anos!) que a liberalização das rendas é total quer quanto ao valor, como já sucedia desde 1981, quer quanto à duração dos contratos e que mesmo as rendas anteriores a 1980, as chamadas «rendas congeladas», foram objecto em 1985 de uma actualização extraordinária e sujeitas a partir desse ano a uma actualização de acordo com uma portaria anualmente publicada." Os liberais mais conhecedores limitam-se a pedir paciência. Só mais um bocado e tudo correrá pelo melhor no melhor dos mundos. No longo prazo...

Sobre a "rigidez" do mercado de trabalho, já aqui se escreveu muito: Na discussão sobre políticas públicas, como em todas as discussões, há expressões que ajudam a fixar os termos do debate e a encaminhá-lo para determinadas direcções. É o que acontece com estas duas palavras, usadas na discussão sobre a legislação laboral e sobre as regras que enquadram outros mercados. Elas já contêm em si todo um programa. Quem é que pode defender a rigidez? No entanto, a legislação laboral é considerada rígida quando, entre outras coisas, reconhece certos direitos aos trabalhadores, impõe correspondentes obrigações aos empregadores, estrutura as relações laborais de forma a que os últimos não sejam capazes de impor alguns custos sobre os primeiros, ou quando suporta determinados mecanismos de participação colectiva e de determinação das normas salariais que minimizam os desequilíbrios estruturais entre as partes contribuindo, por exemplo, para um virtuoso processo de compressão salarial. Se isto é assim, por que é que se usa a palavra rigidez? Será que devemos enquadrar esta discussão apenas pelo prisma, pelo suposto prisma, de quem emprega? E por que é que, implicitamente, os liberais o fazem quase sempre? O que é constrangimento para uns não pode ser liberdade e flexibilidade para outros? O que é custo para a empresa não pode ser benefício para os trabalhadores e para o conjunto da sociedade?

Os liberais insistem em deturpar a discussão. No decisivo campo do trabalho, não interessa que a taxa de desemprego exiba um comportamento pró-cíclico bastante vincado no nosso país, diminuindo fortemente durante os anos de crescimento económico e aumentando durante períodos recessivos. Não interessa que em Portugal, devido aos baixos salários, os subsídios de desemprego sejam muito modestos e mal dêem para viver. Não interessa que uma parte importante dos desempregados sobretudo precários nem sequer beneficie desse direito. Não interessa que o desemprego de longa duração seja a consequência inevitável do mais longo período de estagnação económica da história recente. Não interessa que a própria OCDE tenha reconhecido recentemente que o impacto no emprego da legislação que ainda protege muitos trabalhadores é negligenciável. Não interessa que a precariedade desincentive o investimento no aumento das qualificações por parte de trabalhadores e de patrões. A solução liberal, a pretexto do combate à "segmentação do mercado de trabalho", é a sua generalização. Não interessa que um dos efeitos mais salientes da desregulamentação unilateral das relações laborais seja o aumento das desigualdades que, como mostra a experiência de vários países, é prejudicial à criação de emprego. Não interessa que a precariedade e a contracção permanente dos salários que lhe está associada reduzam os incentivos à modernização e à inovação empresariais ou que, segundo estudos recentes, os sectores com melhores desempenhos em termos de produtividade recorram pouco aos contratos ditos atípicos.

Se queremos combater a precariedade temos de superar as ficções liberais em que o próprio PS se deixa enredar. É evidente que alargar a precariedade não resolve nada. Temos de limitar a precariedade atacando o problema directamente. Este pacote de medidas proposto pela esquerda socialista ajudaria muito.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Mesa redonda, "As eleições legislativas de 2009", e lançamento de livro sobre as eleições de 2005 e 2006

Tarefa para um governo de esquerda: acabar com o “Estado fiscal de classe”

“As deduções só são aceitáveis em serviços que o Estado não consegue prestar. E o dinheiro que se poupa na sua redução permite garantir ensino e saúde realmente gratuitos. É fácil explicar aos que usam essas deduções e que estão longe de ser ricos que elas não são justas e atrasam a criação de serviços públicos de qualidade que também são para eles? Não. Mas quem julga que ser de esquerda é defender o que é fácil engana-se.” Daniel Oliveira no Expresso a escrever o essencial sobre este assunto. Ainda através do Arrastão, tomei conhecimento de um estudo do Jornal de Negócios sobre a magnífica rendibilidade dos PPR. A lógica dos benefícios fiscais tende mesmo a ser a lógica do que Vital Moreira designou por “Estado fiscal de classe”. Um estudo do indispensável Eugénio Rosa confirma esta ideia:

“De acordo com a Comissão que estudou a sustentabilidade do SNS nomeada pelos ministros das Finanças e da Saúde do governo de Sócrates, os 10% mais ricos da população recuperam 27% das suas despesas com saúde, enquanto os 10% mais pobres recuperam apenas 6% das suas despesas com a saúde (…) Assim, quanto mais elevado é o rendimento mais poderá descontar, pois para descontar é preciso ter imposto suficiente a que se possa deduzir a despesa. Os que têm dinheiro para recorrer a clínicas e hospitais particulares de luxo são certamente os mais beneficiados porque conseguem deduzir mais, pagando assim muito menos de IRS. As injustiças são grandes e graves. Vários países da União Europeia (ex. Espanha, França, Inglaterra) não têm um sistema como o português, pois não existem deduções.”

Entretanto, no blogue a formiga de Esopo, António Cruz Mendes analisa bem as propostas da esquerda socialista para acabar com a injustiça fiscal. Não esquecer: neste, como noutros assuntos, a classe conta.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ainda a FERVERr...

No início era o adjectivo. “Precário” era qualidade do que não é estável, seguro, do que é incerto e sujeito a contingências. Uma característica que parecia querer colar-se-nos à pele. Depois veio o substantivo: "os precários". Logo assim, no plural, incluindo as mulheres precárias e os homens precários, porque com o substantivo veio a identificação de uma instabilidade que afinal é sólida, que não passa, e com a qual cada um se identificou a si mesmo, mas também aos outros. Entre o nascimento do substantivo e a consciência de o ser, deve ter havido um ovo e uma galinha, não sei qual foi qual, que assim funcionam estes processos em que tomamos consciência de nós.

Com a identificação de si mesmo e dos outros deu-se uma salto gigantesco, visível nos rostos de quem se foi encontrando. Precário passou a ser substantivo, mas por vezes mais parece verbo, a dizer eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas... Muita gente, demasiada. Gente que entrou na precariedade há vinte anos, ou mais, e nunca mais dela saiu. Gente que ainda agora entrou, mas que quando olha para o futuro mais parece que já sente o peso de pelo menos vinte anos.

O reconhecimento dos precários uns pelos outros não acabou com a precariedade, é certo, mas estilhaçou o isolamento, a sensação de passividade e impotência. E obteve resultados concretos. Melhorou vidas. O eventual regresso do adjectivo "precário" vai passar agora pela acção, em todas as declinações dos verbos que foram feitos para unir, compreender e lutar.

Escrevi sobre “desigualdades sólidas, capitalismo líquido, vidas gasosas” no livro que vai ser apresentado pelo FERVE amanhã, terça-feira, 15 de Setembro: 2 anos a FERVEr: retratos da luta, balanço da precariedade (22h00, FNAC do Norte Shopping, no Porto, mais informações sobre a iniciativa aqui).

Daqui da ladroagem, lá encontram o José Maria Castro Caldas. E muitos outros cientistas sociais, escritores, sindicalistas, activistas de movimentos sociais e jornalistas (Carvalho da Silva, Henrique Borges, Elísio Estanque, Sofia Cruz, Ana Maria Duarte, São José Almeida, Alexandra Figueira, Regina Guimarães, Valter Hugo Mãe, Tiago Gillot, José Soeiro, Luísa Moreira e Luís Silva). A não perder os dez testemunhos de trabalhadores a recibos verdes (Catarina Falcão, Chico, Gémeo Luís, Isabel Lhano, João Alves, Luís Silva, Paulo Anciães Monteiro e Rui Vitorio dos Santos), bem como o debate que acompanha o lançamento.

Música feminista - Sleater-Kinney



É fácil enumerar bandas só constituídas por homens. São mesmo a maior parte. O exercício contrário é bastante difícil...

Um Manifesto Oportuno

Muitos têm sido os temas importantes arredados do debate político nesta campanha. Cultura e políticas de ciência e tecnologia são, na minha opinião, duas ausências gritantes. Outras, não menos pertinentes, são as políticas de igualdade de género. Num país em que a desigualdade entre homens e mulheres se perpetua em TODAS as esferas da vida social (trabalho, família, política, etc) é urgente um novo feminismo pós vitória no referendo à IVG. O manifesto, lançado hoje pela UMAR, responde a este desafio, não só diagnosticando as múltiplas desigualdades, mas também elencando as medidas que o próximo governo deve tomar. Um bom contributo para um debate que se quer contínuo na sociedade portuguesa.

Do défice público à necessária reconversão da economia

Agora que a economia internacional parece estabilizado graças à intervenção pública no sector financeiro e aos estímulos à economia real, sobretudo nos EUA, as atenções viram-se para como combater os défices recorde e a dívida pública crescente, partilhados pelos estados um pouco por todo o mundo. Este pode ser um grave erro. Se é certo que a quebra generalizada do produto mundial foi suspensa, dificilmente se encontram fontes de crescimento durável no futuro próximo, que possam servir de motor da economia mundial. Um dos mais prometedores sectores, o da reconversão “verde” da economia, necessita de uma política industrial voluntarista e contínua por parte dos estados para poder singrar. No actual contexto de sobreendividamento das famílias e de aumento do desemprego nas principais economias mundiais, só o investimento público e a necessária refundação do sistema financeiro, colocando-o ao serviço da economia real, podem abrir o caminho da recuperação.

Em Portugal este parece ser filme trágico já visto e revisto. Quer Sócrates, quer Ferreira Leite, parecem comprometidos com a repetição dos anos que antecederam a actual crise financeira. Num contexto de crescimento medíocre, com o desemprego a subir (mesmo que a menor ritmo), esta campanha eleitoral mostra como ambos os candidatos olham para o défice das contas públicas como condicionante maior das suas políticas públicas. Para Ferreira Leite este é um fim em si mesmo. O controlo do défice e do endividamento resultará miraculosamente numa reconversão do modelo económico. Para além de uma fé cega no funcionamento do mercado, não se percebe muito bem como, nem porquê. Para Sócrates, dada a sua avaliação dos últimos quatro anos, o défice será a prioridade assim que atingirmos um patamar de crescimento positivo. O estado compromete-se nas grandes obras públicas já anunciadas, no seu desastroso modelo de financiamento através de privatizações e parcerias público-privadas, e espera que o esforço (necessário, mas não suficiente) de reduzir o carácter periférico da nossa economia resulte em crescimento futuro sustentável. O restante sector público viverá no sufoco dos orçamentos e salários congelados e com uma carga fiscal que penaliza os trabalhadores. Enfim, a mesma receita que comandou este governo nos últimos quatro anos e que garante a estagnação da economia.
Não se trata aqui de desvalorizar as contas públicas. Pelo contrário. Só com crescimento económico sustentável, criador de emprego e melhores salários, podem as contas públicas ser saneadas. Ora, tal não pode passar só pelo investimento em sectores onde o sector privado tem rendas garantidas, como são as estas grandes obras públicas. Por exemplo, a aposta nos sectores exportadores tecnologicamente avançados, como são as indústrias “verdes”, necessitam do Estado como dinamizador de procura interna que lhes permitam ganhar escala, como fornecedor de tecnologia e mão de obra qualificada através das universidades e laboratórios públicos e mesmo como investidor, condição para uma abordagem informada e sistémica. Precisamos pois de um Estado estratego. O actual exemplo das energias renováveis não parece ser o melhor. É certo que tudo isto implica um esforço conjuntural do estado que pode traduzir-se em maiores défices, mas estaremos a atacar a raiz estrutural do problema. Por outro lado, só com maior justiça fiscal pode este esforço ser feito com a necessária legitimidade social. A taxação justa do sector financeiro, o fim do paraíso fiscal da Madeira, um imposto sobre as grandes fortunas, a reintrodução do imposto sucessório e o fim do sigilo bancário, são propostas moderadas completamente ausentes na discussão entre PS e PSD.

A necessária reconversão da economia que ultrapasse o modelo rentista em que nos encontramos trancados e uma reforma fiscal justa e necessária só são encontradas nos programas dos dois partidos à esquerda, o BE e o PCP. O seu programa fiscal é bem conhecido, mas a sua visão para a economia é claramente um marco importante para quem quer uma economia que ultrapasse os bloqueios e atrasos. A definição dos sectores estratégicos, nomeadamente a energia, necessariamente públicos, de forma a permitirem custos de produção mais baixos à economia. A penalização fiscal das mais-valias fundiárias e a reabilitação urbana, de forma a desincentivar o investimento especulativo e rentista. A aposta na indústria ao condicionar os grandes investimentos à procura de bens tecnológicos avançados, como os comboios, onde haja capacidade produtiva nacional. O ambicioso quadro de regulamentação ambiental que permite dar à economia os sinais certos. Finalmente, a recusa categórica do Pacto de Estabilidade. Todas estas ideias precisam claramente de mais força nestas legislativas.

Ideologias e as «passadas que os acontecimentos suportam»

Paulo Ferreira dedica o seu editorial do Público de hoje ao aniversário da falência do Lehman Brothers, momento que marcou o início de uma onda de pânico no sistema financeiro internacional e que se transformou rapidamente na maior crise económica e social, de escala planetária, desde a 2ª Guerra Mundial. O Director Adjunto do Público aproveita a data para defender aquilo que tem vindo a tornar-se no dogma pós-crise: a noção de que a crise se ficou a dever à falta de regulação e supervisão dos sistemas financeiros e que qualquer tentativa de «tirar conclusões ideológicas mais vastas já é uma passada que os acontecimentos dificilmente suportam» (cito).

O truque retórico é velho (e frequentemente eficaz): as minhas ideias baseiam-se em factos e não requerem mais demonstração; as tuas são «ideologia» e cabe-te a ti demonstrá-las.

De facto, eu não tenho grandes dificuldades em tirar conclusões bastante mais vastas do que aquelas a que chega Paulo Ferreira. Já aqui tive oportunidade de escrever que, para prevenir novas crises e para garantir um crescimento sustentado e socialmente menos injusto, é preciso ir além do reforço da supervisão e da regulação do sistema financeiro, nomeadamente controlando os movimentos de capitais e diminuido o peso do sector financeiro nas economias contemporâneas (dois objectivos indissociáveis, na verdade).

Por mais de uma vez chamámos aqui a atenção para este gráfico:


Há duas mensagens que saltam à vista neste gráfico: 1) a actual crise não é senão o mais recente episódio de uma sucessão de crises que afecta a economia mundial desde a década de 1970 (117 episódios entre 1970 e 2003, segundo o Banco Mundial); e 2) esta sucessão de crises está intrinsecamente ligada ao aumento da mobilidade do capital a nível internacional (elemento central de um modelo de desenvolvimento económico assente na acumulação de capital financeiro e no aumento de poder de negociação do sector financeiro face aos restantes agentes económicos - incluindo empresas do sector não-financeiro, Estados, trabalhadores e consumidores).

Pode ser confortável para Paulo Ferreira (e para muitos outros) pensar que com mais regulação e supervisão bancária a instabilidade desaparece - e com ela o crescimento anémico e as desigualdades sociais. Mas, por si só, o aumento da regulação e da supervisão em nada vão alterar o modelo de acumulação que tem prevalecido nas últimas três décadas. Os dados que conheço levam-me a acreditar que é preciso muito mais do que isso.

A outra mão invisível

"É como se houvesse uma mão invisível - não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo." Esta frase foi retirada do recente discurso de Lula da Silva, que ficará para a história do desenvolvimento inclusivo no Brasil. Optimismo da vontade. Afinal de contas, tratou-se do anúncio da proposta do novo regime de regulação das fabulosas jazidas de petróleo e de gás recentemente descobertas, o chamado pré-sal: "um passaporte para o futuro" (…) Isto passa-se do outro lado do Atlântico. Acompanhando as "discussões" das elites portuguesas sobre economia, é como se se passasse num outro mundo. Não aprendem nada. Temem a mão invisível. A mão que pode construir um Estado estratego que acabe com os seus privilégios...A minha crónica semanal no i pode ser lida aqui.

O discurso de Lula está disponível aqui. Alguns excertos:

O petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado, ou seja, a todo o povo brasileiro. E o modelo de exploração a ser adotado, num quadro de baixo risco exploratório e de grandes quantidades de petróleo, tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro (...) o Brasil não quer e não vai se transformar num mero exportador de óleo cru (...) O pré-sal é um passaporte para o futuro. Sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações, a cultura, o meio ambiente, o combate à pobreza e uma aposta no conhecimento científico e tecnológico, por meio da inovação.

(...) Estamos vivendo hoje um cenário totalmente diferente daquele que existia em 1997, quando foi aprovada a Lei 9.478, que acabou com o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo e instituiu o modelo de concessão. Naquela época, o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa (...)

Rendo minha homenagem ainda aos que saíram às ruas em todo o país na campanha do “O Petróleo é nosso”, levando o presidente Getúlio Vargas a instituir o monopólio estatal do petróleo e a criar a Petrobras. Foi uma batalha travada em condições duríssimas. Basta ler os jornais da época, alguns em circulação até hoje, que ridicularizavam a campanha nacionalista. E eu digo: bendito nacionalismo, que permitiu que as riquezas da nação permanecessem em nossas mãos (...) É como se houvesse uma mão invisível – não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo – tecendo nosso destino e construindo nosso futuro...

domingo, 13 de setembro de 2009

"Impor o interesse geral" - comentário ao debate entre José Sócrates vs Ferreira Leite (SIC: 12/9/09)

Sobre a contestação social, Sócrates respondeu que não cedeu a interesses particulares: teve de “impor o interesse geral”. Não lhe ocorreu que numa sociedade plural há vários interesses em jogo, os quais são um pilar fundamental numa democracia e que o interesse geral resulta da articulação de vários interesses sectoriais, que os governos devem promover.

Foi aqui que Leite esteve melhor: referindo-se à “asfixia democrática” (“na perseguição aos sindicatos”, etc.) e à educação. Disse que as marcas fortes do PS não são as medidas positivas, é o ataque aos professores, a incapacidade de negociar e “a ideia de que as reformas se fazem contra os funcionários”. Mas foi incapaz de explorar todas as fragilidades: esqueceu o facilitismo com os alunos.

De resto, Sócrates passou a entrevista ao ataque (na segurança social, na saúde, nas scut, etc.): até parecia que era a governação do PSD que estava em julgamento. Assim será difícil capitalizar com a dinâmica das europeias…

Publicado originalmente no Público de 13/09/2009.

sábado, 12 de setembro de 2009

Votar no pleno emprego

Segundo as sondagens, quer o PS quer o PSD têm possibilidades de formar governo no próximo mês de Outubro. Entretanto, os indicadores (mais ou menos avançados) dizem-nos que é quase certo o retorno ao crescimento económico, ainda que débil, já no próximo ano.

Por conseguinte, para muitos analistas o pior da crise já passou. Evidentemente. Não estão desempregados. De facto a crise do Emprego tem um horizonte bem diferente da crise do Produto. Em alguns países, a despesa com o apoio (dito temporário) à manutenção do emprego não parece poder aguentar-se por muito mais tempo. Os défices são alarmantes para as empresas que fiscalizam e avaliam as dívidas. Por isso, paradoxalmente, o pior da crise no que toca ao Emprego ainda está a caminho (ver Alemanha).

Acresce que os efeitos sobre o sistema financeiro provenientes do incumprimento das empresas falidas, sem acesso ao crédito, estão ainda por se manifestar plenamente. Não é por acaso que Nouriel Roubini fala de um horizonte de crescimento medíocre com possibilidade de novas crises nos próximos anos.

Por outro lado, os enormes desequilíbrios comerciais e financeiros acumulados à escala global, sobretudo entre os EUA e a China, permanecem. Na própria UE a Alemanha mantém-se agarrada à opção de crescer à custa das exportações. Para os mais distraídos, é conveniente lembrar que se a Alemanha quer continuar a acumular excedentes nas relações com os restantes parceiros europeus, estes terão de acumular a contrapartida, os défices. Quer dizer, terão de continuar a endividar-se. Por conseguinte, o crescimento europeu continuará medíocre. As exigências de Bruxelas para que voltemos às “finanças saudáveis” só podem ser ignoradas. Uma coisa é a retórica ideológica dos comissários, outra a dura realidade de um limiar de despesas incompressíveis. Ainda assim, com este discurso, só se agrava o clima depressivo.

Na realidade, os desequilíbrios comerciais/financeiros no seio da própria UE só têm solução no quadro de um acordo global em que a Alemanha esteja disposta a deixar crescer o seu mercado interno (melhores salários, mais emprego), abrindo-o às importações com origem em países europeus que compram automóveis germânicos, mas não às dos países asiáticos. Ao que parece, este Mercado Único já não existe. A UE vendeu-se ao neo-liberalismo da Organização Mundial do Comércio.

Na Alemanha, os partidos do bloco central (CDU e SPD) há muito que não consideram o pleno emprego como o grande objectivo da política económica. Ambos aceitam a doutrina do liberalismo comercial, mesmo que assim se extingam milhares de postos de trabalho e se acabe com o que resta da indústria nos países do sul da Europa.

No meio deste clima sombrio não haverá nenhum sinal positivo? Confesso que só vejo um: na Alemanha, o partido Die Linke (A Esquerda) obteve 27,4% dos votos na Turíngia e 21,3% no Sarre. Excelentes resultados estaduais para um partido tão jovem. E são mesmo boas notícias porque o Die Linke rompe com as políticas do bloco central e toma a sério o pleno emprego como objectivo central da política económica. Vamos ver como se porta nas próximas eleições federais.

Em Portugal, aposto que o ambiente político, económico e social se tornaria menos sombrio no dia em que uma esquerda unida, credível, se apresentasse ao eleitorado colocando à cabeça do seu programa o objectivo do pleno emprego e recebesse uma votação da ordem de grandeza que o Die Linke recebeu naqueles estados. Confesso que é a única saída com futuro que vejo, para Portugal e para a União Europeia.

Do bloco central dos interesses

Enquanto a velha ordem morre e a nova não nasce ainda surge uma grande variedade de sintomas mórbidos.
Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Fazer como a direita

No Reino Unido, maiorias esmagadoras são a favor de iniciativas que ponham fim ao pernicioso regime neoliberal, feito de galopantes desigualdades salariais e de bónus milionários e assimétricos. O relaxamento da terceira via face ao aumento das desigualdades, cujas consequências socioeconómicas estão bem estudadas, é desafiado por uma campanha dinamizada pela ala esquerda do Labour, que tem em Jon Cruddas um líder capaz e no Compass um interessante centro de difusão de ideias.

Em Portugal, a esquerda socialista conseguiu uma maioria para um pacote de medidas que limitaria esta pouca-vergonha: “4 administradores receberam 2,245 milhões de euros mais 3,8 milhões de prémio plurianual relativo ao mandato de 2006/2009, somando mais de 6 milhões de euros no total”. Medidas sensatas para acabar com o abuso de poder dos gestores de topo e para reduzir as desigualdades num país onde o fosso salarial não cessa de se aprofundar. O PS aprovou na generalidade para depois ceder ao empresarialmente correcto na especialidade. Os Vítor Baptistas desta vida servem para todos os oportunismos socráticos. Para fazer como a direita. Também aqui se traçam linhas. A esquerda socialista não hesita em ir para lá da placa que diz “proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço”. O PS ainda tem medo. Muito medo e respeitinho. Até quando?

11 de Setembro de 1973

Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.

¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!

Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Há radicais à solta por todo o lado


"O problema com as deduções em IRS é que deixa de fora dos benefícios justamente os mais pobres, ou seja, os que nem sequer têm rendimento suficiente para pagar IRS. É por isso que os subsídios directos são mais eficazes, mais abrangentes e mais equitativos".

Espreite aqui Eng. José Socrates.

Fazer melhor do que a direita

Manuela Ferreira Leite afirmou que não pretende mexer no código de trabalho se formar governo. Percebo-a. O PS fez o serviço necessário. Tem a palavra o insuspeito Francisco Van Zeller da CIP: “Vieira da Silva fez melhor do que um governo de direita”. Os resultados são visíveis: “o número total de trabalhadores abrangidos por convenções colectivas baixou significativamente com a aprovação do código do trabalho do PS”. Vieira da Silva está de parabéns (vejam o dossier da OPS ou as opiniões de Jorge Leite, um dos grandes especialistas em direito do trabalho). No trabalho e na segurança social, áreas pouco importantes, claro, Vieira da Silva conseguiu ser mais eficaz do que a direita e manter a porta aberta aos recorrentes sonhos dos economistas de casino. Como o Nuno Teles aqui argumentou, desvalorizar as pensões públicas, sem qualquer consideração pelas propostas socialistas de fontes alternativas de financiamento, abre o caminho para um sistema dual. Os regressivos incentivos fiscais aos PPRs, que tanto agradam a Sócrates, apenas facilitam os sonhos das direitas.

Enfim, Vieira da Silva é um dos mais penosos exemplos do que aconteceu à chamada ala esquerda do PS, que se comprometeu a fundo com as orientações da “esquerda moderna” socrática. Colocaram-se num plano inclinado que os levou a ser parte activa da neoliberalização gradual do país. E já se sabe que a dissonância cognitiva pode gerar, neste e noutros contextos, uma modificação dos princípios que devem guiar as políticas. No quasi-religioso simplex vemos como nem sequer é necessário ir para o governo para que este fenómeno aconteça. Esperemos que isto passe depois do período eleitoral. Haja esperança. E outra correlação de forças.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Benefícios fiscais, privatização da segurança social e crise financeira

A propósito da polémica à volta dos benefícios fiscais aos PPR, republico um texto escrito em Abril deste ano:

"Prever a uma distância de 40 anos é um exercício arriscado, mas as recentes previsões da Comissão Europeia para o sistema público de pensões tornam saliente todo o processo de desvalorização das pensões públicas que agora se inicia. Afirma a Comissão que as pensões em Portugal sofrerão um corte de 29 por cento em 2046, face a 2006, devido às reformas introduzida por este Governo (Público, 16/03/09). Portugal sofrerá o maior corte de toda a União Europeia.

Se juntarmos aos cortes nas pensões os incentivos fiscais ao investimento em PPR (planos de poupança reforma) percebemos que as classes mais abastadas, com capacidade poupança, se deslocarão lentamente do sistema público para o sistema privado, dominado pela finança. O resultado será um sistema dual, onde teremos um frágil e exíguo sistema público destinado aos mais pobres e um sistema privado, dependente das rentabilidades dos mais exóticos produtos financeiros e das escandalosas comissões cobradas aos aforradores. O grosso do sistema é deixado ao mercado. Este processo não só revela um corte abrupto dos princípios que comandam o sistema público (universalidade, solidariedade inter-geracional), como um alinhamento com os processos de privatização e financeirização dos sistemas de segurança social internacionais - promovidos um pouco por todo o mundo por instituições como o Banco Mundial ou a OCDE - cujos terríveis efeitos são hoje claros à luz da presente crise financeira.

De facto, com a liberalização dos mercados financeiros e a transferência das poupanças das famílias dos tradicionais depósitos para fundos de pensões - processos nos quais os EUA foram pioneiros - , surgiram poderosos novos agentes nos mercados financeiros (fundos de pensões, seguradoras, fundos mutuais). A configuração destes mercados foi totalmente redefinida. Segundo a OCDE, estes novos agentes acumulavam, em 2003, activos no valor de 46,3 biliões de dólares, o que equivalia a 157,8% do PIB dos seus países membros. Sem os tradicionais controlos a que os bancos estavam sujeitos, estes novos investidores institucionais tornaram os mercados financeiros uma fabulosa arena de especulação, colocando sobre pressão quer os bancos, que tiveram que redefinir o seu papel na economia, quer as empresas cotadas em bolsa, obrigadas a obedecer aos preceitos da valorização accionista imediata em detrimento do investimento produtivo de longo prazo. Esta finança "sem trela" revelou-se altamente instável, aumentando a volatilidade dos mercados e o seu risco sistémico e, como agora se prova, insustentável. Com a crise financeira os fundos de pensões sofreram fortes desvalorizações, colocando em risco a reforma de milhões de trabalhadores. A provisão privada de pensões faliu.

Este não pode, pois, ser a caminho a seguir em Portugal. Face ao desafio do envelhecimento da população, a Segurança Social deve ser alvo de uma abordagem abrangente que tenha em conta todas as variáveis que a influenciam: crescimento económico, políticas de imigração, promoção da natalidade e busca de novas formas de financiamento. Se nos limitarmos a esta última variável veremos que a esquerda socialista tem boas propostas alternativas neste campo, seja o imposto sobre as grandes fortunas (fortalecendo os laços de solidariedade do sistema), seja reconfiguração do famoso plano Meidner. A ideia deste famoso economista sueco é simples. Parte dos lucros das grandes empresas seriam obrigatoriamente investidos em acções das próprias empresas, em fundos controlados pelos trabalhadores em parceria com entidades públicas, cujos dividendos seriam aplicados no financiamento da segurança social. Estas acções não poderiam ser transaccionadas, não alimentando assim possíveis espirais especulativas. Seriam, pelo contrário, uma forma de estabilizar o sistema financeiro. Preservar-se-ia o carácter universal e público do sistema, permitindo, ao mesmo tempo, um maior controlo sobre as grandes empresas aos trabalhadores. Alternativas parecem pois não faltar. Esperemos pelas condições políticas que as permitam."

Institucionalização do egoísmo?

Superar a armadilha social portuguesa exige a abolição dos regressivos e custosos benefícios fiscais a despesas privadas nas áreas da educação, saúde ou dos planos de poupança-reforma. A provisão pública e universal é mais justa, simples e eficaz nestas áreas e tem de ser defendida. Os benefícios fiscais não passam aqui de uma tecnologia de desmantelamento do Estado Social e de promoção do individualismo possessivo. As externalidades negativas são mais do que muitas.

Como lembra José Neves (vejam já agora esta posta), o insuspeito Vital Moreira alinha, com algumas diferenças, pelo mesmo diapasão: «[S]e fossem tendencialmente eliminadas (quase) todas as deduções para toda a gente, incluindo as despesas com sistemas privados de educação e de saúde (como defendo há muito), então, sim, a receita fiscal recuperada daria bem para uma diminuição significativa da carga fiscal dos pequenos e médios rendimentos. Com a vantagem adicional de uma grande simplificação e maior transparência do IRS» (Vital Moreira).

Este tema pode ser impopular junto de certos sectores, mas tem de fazer parte da agenda da esquerda. Há lutas que não são fáceis. Temos de insistir porque temos de quebrar um círculo vicioso que faz com que se incentive fiscalmente a fuga dos serviços públicos e se bloqueie a sua expansão nas áreas da saúde ou da educação onde a lógica do mercado domina e onde o racionamento se faz pela carteira (dos dentistas aos manuais escolares). Eu trocava os benefícios fiscais a despesas privadas por manuais escolares gratuitos e por dentistas no SNS, por exemplo. Temos de reenquadrar o debate. Entretanto, no simplex, Carlos Santos recorre ao truque da “classe média”. Isto quando o salário mediano em Portugal não anda longe dos 700 euros e quando os benefícios fiscais são para uma minoria ampla, com poder e com total domínio dos meios de comunicação social, mas uma minoria…

Leituras socialistas para lá da campanha simplex….

Carlos Santos, num dos seus muitos momentos simplex de deturpação das posições da esquerda socialista (para uma outra posta…), acha que João Galamba desmascara a posição anti-capitalista do bloco. João Galamba não faz nada disso: trata-se apenas de mais um momento de despreocupada brincadeira com as palavras na esteira de Pacheco Pereira. Simplex campanha. Acho que João Galamba conhece o suficiente das tradições socialistas e anti-capitalistas para saber que há muito tempo (décadas mesmo) se superou a infeliz dicotomia que opunha reforma a revolução. Na prática e na teoria só faz sentido falar de reformas socialistas. Um dia, como defendeu Habermas, talvez olhemos à nossa volta e cheguemos à conclusão de que isto já não é capitalismo. Esta longa transição, esta acumulação de reformas, que pode ter acelerações e recuos imprevistos, é a revolução como processo de extensão da democracia, entre outras esferas, à economia. Boaventura de Sousa Santos fala, e bem, do socialismo como democracia sem fim. Isto não está garantido por nada – nem pela história, nem pela ciência.

Como é evidente há variedades de capitalismo, que são o resultado, entre outras coisas, de cristalizações institucionais das lutas de classes (podem chamar-lhes outra coisa…). Como é evidente, os sistemas económicos realmente existentes são articulações complexas de várias formas de provisão regidas por diferentes princípios – da procura solvente ao reconhecimento das necessidades sem muros de dinheiro. O socialismo também. Esta concepção de socialismo, que é a da esquerda que conta, aceita e valoriza a existência de diferentes princípios de provisão dos bens sociais – mercantis e não-mercantis –, de diferentes formas de propriedade – pública, privada e cooperativa – e sobretudo de diferentes formas de distribuir os vários direitos de propriedade entre os vários agentes envolvidos no processo económico (a democracia económica, como Jorge Bateira aqui sublinha, está no centro do socialismo que não pára à porta das empresas). Esta impureza é questão de realismo e de ética da responsabilidade (leia-se o capítulo sobre o leste europeu do livro de Francisco Louçã A Maldição de Midas, escrito no início da década de noventa. É a melhor coisa que se escreveu em Portugal sobre o assunto. Evitar-se-iam muitos disparates sobre as posições do coordenador do bloco…).

Como defendeu o filósofo G. A. Cohen no seu último livro, os socialistas não devem desistir do processo de descoberta das tecnologias sociais para efectivar dois princípios fundamentais e irrenunciáveis: uma concepção exigente de igualdade substantiva de oportunidades para alcançar funcionamentos genuinamente humanos e uma concepção robusta de comunidade, base de relações de fraternidade e de reciprocidade e da atenção ao bem comum. Isto pressupõe a disponibilidade para tentar superar aquelas relações de subordinação que são a essência do capitalismo. Enfim, João Galamba conhece esta conversa. Conhece a esquerda socialista. Manuel Alegre, por exemplo, defendeu, no encontro da Trindade, que a esquerda não pode deixar de ser contra o capitalismo e a favor do socialismo. Questão de identidade, ou seja, questão de bússola. O que desconhece o candidato João Galamba? Como fazer campanha eleitoral sem perder a seriedade e a compostura…

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Outra Economia é possível (e, pelos vistos, bem mais útil)

Está na moda dizer que ninguém poderia ter previsto a crise. É verdade que as sociedades humanas são sistema complexos, que tornam muito arriscadas grande parte das previsões. Isso não significa que não seja possível identificar grandes tendências (e contra-tendências) e antecipar a recorrência de certos fenómenos (ainda que em modos e ritmos específicos, sempre distintos). É por isso que não hesito em prever, como aqui fiz, a continuação da instabilidade financeira, o acentuar da desigualdade e muitos anos de crescimento anémico. Foi também por isso que o Nuno Teles antecipou aqui, aqui, aqui e aqui o que viémos a assistir a partir dos últimos meses de 2008.

Não somo magos, nem profetas da desgraça. Somos economistas que percebem que uma economia dominada pela finança está condenada à especulação, à formação de bolhas especulativas e ao seu rebentamento, com consequências devastadoras sobre a produção real e o emprego. Tal como os economistas referidos por este texto, publicado no Financial Times de hoje.

É muitos mais simples, porém, assumir que ninguém conseguiu - nem poderia conseguir - prever a crise. É a receita ideal para que fique tudo, ou quase tudo, na mesma.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O espectro de Tobin

Anda de novo um espectro pelo mundo do capital financeiro – o espectro da taxa Tobin, ou da taxação das transacções financeiras. Este espectro regressa a cada crise financeira. E tem ressurgido muitas vezes desde que em 1978 o economista James Tobin, que haveria de ganhar o prémio Nobel, propôs que se aplicasse um imposto modesto sobre as transacções nos mercados internacionais de divisas com o objectivo de reduzir a instabilidade cambial. Afinal de contas, o número de crises financeiras – cambiais e bancárias – mais do que triplicou desde os anos setenta, quando comparado com o período dos “trinta gloriosos anos” do pós-guerra marcado pelo maior peso da banca publica ou pela existência de controlos generalizados à circulação de capitais. O resto da minha crónica semanal no i pode ser lido aqui.

O artigo original de James Tobin pode ser lido aqui. Este livro continua a conter a melhor súmula de argumentos a favor da Taxa Tobin. O livro do economista François Chesnais – Tobin or not Tobin –, disponível em edição portuguesa, é uma boa introdução ao tema. Thomas Phillipon escreve sobre a relação entre o processo de desregulamentação e o aumento das rendas captadas pelo sector financeiro (o gráfico abaixo mostra a relação entre a desregulamentação e os salários no sector financeiro). O aumento das crises financeiras desde os anos setenta já não pode ser escamoteado. Dani Rodrik oferece boas razões para o domínio dos “cépticos financeiros”. O site da ATTAC francesa disponibiliza imensos recursos para quem quer subordinar a economia à democracia. O espectro de Tobin regressa

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Controlar os salários dos gestores - e tudo o que ainda está por fazer

«Regular as remunerações praticadas pelas empresas financeiras é defendido pelas mesmas razões que justificam a regulação tradicional das decisões empresariais. Os incentivos gerados pelas estruturas de remuneração determinam a forma como os gestores se comportam dentro das fronteiras permitidas pela regulação tradicional e directa. E como a regulação tradicional das decisões empresariais é imperfeita, regular as estruturas de remuneração pode ser uma ferramenta adicional útil para controlar os riscos provocados pelo comportamento das empresas financeiras.» As palavras lúcidas são de Lucian Bebchuk, professor de Direito em Harvard, e são parte do artigo publicado pelo Project Syndicate.

Se antes da crise financeira os Ladrões de Bicletas tinham de justificar em detalhe porque defendiam a imposição de restrições políticas aos salários praticados no sector privado (e.g., aqui, aqui e aqui), esta parece ser hoje uma posição consensual (pelo menos no que respeita à banca), inclusive entre os dirigentes da UE tradicionalmente mais liberais (ver esta carta conjunta de Brown, Merkel e Sarkozy, tendo em vista a próxima reunião do G20) .

Infelizmente, no momento actual, não há mais consenso do que isto. Da mesma forma que defendemos o controlo das remunerações dos gestores (como forma de combater a desigualdade e para prevenir práticas socialmente irresponsáveis), também várias vezes argumentámos que só haveria crescimento sustentado e estabilidade financeira quando fossem tomadas outras medidas, que incluem: regras prudenciais e contabilísticas mais exigentes, reforço da supervisão do sistema financeiro, controlo público das agência de 'rating', fim dos paraísos fiscais, impostos sobre as transacções financeiras, controlo dos movimentos de capitais especulativos, promoção do investimento em capacidade produtiva em detrimento da expansão do sector financeiro, entre outras (este texto de Crotty foi por nós citado mais do que uma vez como uma das referências fundamentais para perceber a pertinência destas e outras propostas).

No entanto, nada disto estará em cima da mesa na próxima reunião do G20 em Pittsburg. A inversão recente dos indicadores económicos (que resulta de um esforço financeiro sem precedentes por parte dos Estados e dos bancos centrais, esforço que iremos todos pagar por muitos anos) e a debilidade política das forças progressistas no momento da chegada da crise (que não permitiu que esta favorecesse uma alteração significativa da correlação de forças), conjugam-se agora para que, mais uma vez, se adiem as decisões necessárias para pôr um travão à economia de casino.

Não tenhamos dúvidas: o resultado será a continuação da instabilidade financeira, o acentuar da desigualdade e níveis de crescimento económico que ficam muito àquem daquilo que as capacidades tecnológicas e as competências sociais permitem. Só há uma boa notícia em tudo isto: os Ladrões de Bicicletas continuarão a ter razões para existir por mais uns anos.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Onde Pára o Estado?

"Onde pára o Estado" é o título do livro, editado pelo João Rodrigues e Renato Carmo, que reúne um conjunto de reflexões sobre o papel do Estado no actual contexto económico-social. Os contributos não procuram aqui apoiar uma concepção partilhada do Estado. Pelo contrário, penso que o leitor beneficiará sobretudo do claro confronto de ideias aqui presente.

Eu dediquei o meu contributo às causas da crise financeira global e às políticas públicas para a ultrapassar. Os outros ladrões de serviço são o João Rodrigues, a Marisa Matias e o Ricardo Paes Mamede. Boas leituras para este período de campanha eleitoral.

A economia eleitoral


Do Diário Económico pediram-me ontem uma breve apreciação (10 linhas) ao discursos económico de José Sócrates na entrevista da véspera à RTP1. Disse o seguinte:

"O PM tem uma atitude clara em favor do investimento público e assume que a infraestruração moderna do país dinamiza a economia, assegura rendimentos e minimiza o desemprego. E esta é uma diferença radical positiva. Sócrates é, pois, um contribuinte líquido para a solução de problemas graves (o PSD é apenas problema). Mas o PS vivia deslumbrado com um capitalismo liberal, moderno, que bastava regular. Por isso, está numa difícil digestão ideológica. Sócrates compreende melhor que os seus ideólogos que isso era ficcional. Passar do combate à crise para um modelo capaz de assegurar criação sustentável de riqueza (em vez de episódicas e frágeis variações trimestrais positivas do PIB); difundir um novo direito ao emprego; impedir que a economia seja asfixiado pelo mercado (só liberais retrógrados julgam que mercado e economia são equivalentes) – eis os maiores desafios do programa económico do PS."

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Governabilidade e representação




Há grande incerteza para as legislativas, excepto a improbabilidade de uma maioria absoluta. A rejeição de uma tal maioria resulta do exercício musculado e pouco dialogante do governo nesta legislatura, da penalização da inflexão centrista do PS e da crise económica e seus reflexos no voto.

Se a direita ganhar e conseguir maioria absoluta juntando PSD e CDS, a governabilidade estará, em princípio, assegurada: a última coligação foi suportada por uma maioria coesa, numa conjuntura difícil, e o seu colapso resultou da acção presidencial. Pelo contrário, o PS está no seu labirinto. Em 2004, altos responsáveis defendiam que, em caso de maioria relativa, deviam ser envidados esforços de entendimento entre as esquerdas. O que mudou? A “esquerda radical” continua igual a si própria... Pelo contrário, o PS apostou na estratégia “Sócrates (e a maioria absoluta) ou o caos”. Estão agora num beco de difícil saída: se perderem ou tiverem uma maioria muito relativa, o partido poderá afundar-se junto com o líder. Restará o entendimento com o PSD, que aliás aprovou a maioria das suas iniciativas legislativas (SOL, 16/5/09). Esta solução agravará a já pronunciada falta de clareza das alternativas ao centro. E não garante estabilidade: o “bloco central” durou menos do que a coligação PSD-CDS.

Falar no “labirinto socialista” não implica escamotear as responsabilidades da esquerda radical na improbabilidade de um governo de esquerda plural. Primeiro, temos um dos partidos comunistas mais ortodoxos da Europa. Segundo, há um défice de cultura democrática na esquerda radical: em democracia os números contam e, por isso, nunca poderão ser os pequenos a determinar as principais linhas de uma coligação. A não ser que também só consigam governar com maioria absoluta… Pelo contrário, na Europa é usual as esquerdas entenderem-se: em Espanha, em Itália, em França, no Chipre, na Escandinávia, etc.


Portugal poderá vir a ter um problema de governabilidade mas ele não resulta do sistema eleitoral: já é mais desproporcional do que a média dos regimes proporcionais europeus. Nem da fragmentação partidária: a concentração nos dois grandes aproxima-nos dos regimes maioritários. Os problemas de governabilidade são políticos, não institucionais. E uma eventual compressão da proporcionalidade diminuiria a participação (ao aumentar os votos perdidos) e a diferenciação ideológica (reduzindo o peso dos pequenos e induzindo a competição exclusiva pelo centro). Mas há outras medidas que poderiam reforçar a governabilidade: a moção de censura construtiva (para se derrubar um governo seria necessário propor um alternativo) e medidas equivalentes (uma espécie de “orçamento construtivo”, etc.); incentivos à cooperação entre os partidos. Além disso, o nosso sistema eleitoral induz os deputados a quase só se preocuparem em agradar às lideranças. Para melhorar a representação é preciso dar aos eleitores o poder de escolher os deputados em cada lista.


Artigo originalmente publicado no Expresso de 29/8/2009.

A importância de discutir a estrutura produtiva

O Jornal de Negócios (JdN) prossegue a série de análises a que fiz referência no post anterior. A edição de hoje é dedicada à estrutura produtiva da economia portuguesa. É, na minha opinião, um tema incontornável (embora frequentemente evitado). A análise do JdN concentra-se muito nas exportações e na sua evolução recente. Fica, a meu ver, a faltar uma análise mais centrada na produção nacional.

Os gráficos que apresento abaixo (clicar para aumentar) visam comparar a estrutura produtiva da economia portuguesa com a média da UE25 em 1995 e 2005, tanto em termos de emprego como de VAB (nota: a soma do VAB dos vários sectores é aproximadamente igual ao PIB). Os números são retirados da base de dados EU KLEMS (infelizmente, não há dados mais recentes para este efeito; em qualquer caso, as mudanças tendem ser lentas).



Eis algumas ideias que resultam destes gráficos e que importa realçar:

1) O peso da agricultura e da pesca, tanto no VAB como no emprego, continua a ser muito maior em Portugal do que na média da UE (sugerindo que é de esperar a continuação da contracção destes sectores).

2) O peso da indústria transformadora reduziu-se ligeiramente, não se afastando muito significativamente da média europeia (sendo no entanto maior no emprego do que no VAB, reflectindo a menor produtividade da indústria nacional). Ou seja, em comparação com os parceiros europeus, não podemos falar de um processo de desindustrialização acentuado.

3) Em 2005, o peso da construção no emprego era 50% superior à média da UE, antecipando a quase inevitabilidade de perda de muitos milhares de empregos nesse sector (como vinha a verificar-se, mesmo antes da crise financeira).

4) O peso do alojamento e da restauração é acentuado não apenas no emprego (o que é de esperar, dada a importância do turismo em Portugal), mas especialmente no VAB (o que, provavelmente, se explica pelo facto de uma parcela significativa destes sectores em Portugal ter como alvo clientes – nacionais e estrangeiros – com um poder de compra muito superior à média de rendimentos do país).

5) Por fim, e seguramente não menos importante, a intermediação financeira (bancos e seguradoras), a energia (gás e electricidade) e a água são casos à parte – o seu peso no emprego é muito inferior à média da UE, enquanto o seu peso no VAB é superior à média europeia. É aqui que reside uma das maiores debilidades da economia portuguesa – a protecção que é dada a estes sectores (através, nomeadamente, de uma regulação que favorece as empresas produtoras face aos seus clientes), tem como implicação não apenas um peso desmesurado no PIB, mas também a imposição de custos para os restantes sectores de actividade que se reflectem na sua baixa competitividade.

Isto mostra que os partidos de esquerda fazem bem em trazer para o debate público o enquadramento institucional dos sectores energético e financeiro em Portugal. Por aqui passa uma parte importante do desenvolvimento do país, sistematicamente ignorada pelos economistas do regime.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O campeão da competitividade (pela via mais desastrosa)

Desde meados de Agosto que o Jornal de Negócios tem dedicado 3 a 4 páginas de cada edição diária a uma área governativa específica, dando conta da situação do país nesse domínio, fazendo o balanço do que foi feito pelo actual governo, comparando as propostas dos principais partidos e entrevistando figuras de destaque na área respectiva.

Algumas das peças que li são do melhor jornalismo que se faz em Portugal. Destaco o tratamento que foi dado a temas como a desigualdade (24/8), a segurança social (25/8) ou o código do trabalho (26/8). Infelizmente também há temas cujo tratamento merece menos elogios - o de hoje é um desses casos.

Há pouco se possa deixar de criticar no tratamento dado ao tema da competitividade, na edição de hoje: desde a confusão de conceitos (fala-se em produtividade, competitividade e concorrência como se fosse tudo a mesma coisa), aos indicadores e fontes utilizadas (o ranking de competitividade da empresa IMD - que está longe de ser uma referência consensual; ou a balança de pagamentos tecnológica - a qual, por muito sexy que seja, tem um valor verdadeiramente residual nas contas externas e que, contrariamente ao que vem no texto do artigo, tem muito pouco a ver com ‘produtos tecnológicos’), terminando na personagem escolhida para falar sobre competitividade - a eminência parda do liberalismo-conservador em Portugal, Pedro Ferraz da Costa (PFC).

Para PFC o problema da competitividade em Portugal não tem nada a ver com o padrão de especialização da economia portuguesa (fruto de uma história de baixas qualificações, empresários que não gostam de arriscar e uma intervenção do Estado que oscila entre a protecção dos interesses instalados e a demissão na promoção do desenvolvimento), com o baixo valor acrescentado produzido pela generalidade das empresas portuguesas (fruto de ausência de dinâmicas de inovação e da má inserção nas cadeias de valor internacional), com os elevados custos de alguns inputs transversais (desde logo, a energia, fruto de uma política de regulação ao serviço das grandes empresas do sector) e das dificuldades de acesso a crédito (idem).

Não, para PFC a falta de competitividade em Portugal tem a ver, só e apenas, com o crescimento dos salários acima da produtividade. Não importa que os salários em Portugal sejam já dos mais baixos da UE. Não importa que a política de baixos salários constitua um incentivo para continuarmos a investir em sectores de baixo valor acrescentado e que estão condenados a enfrentar uma concorrência crescente de economias com custos de produção muitíssimos mais reduzidos. Não importa também que a história económica nos mostre que os países mais competitivos no longo-prazo são aqueles onde os salários mais crescem (e que a competitividade-preço não faz mais do que contribuir para resolver desequilíbrios externos conjunturais).

Nada disto interessa, por uma razão: é que PFC está muito mais preocupado com os lucros que os empresários podem obter no imediato do que com o desenvolvimento sustentado do país. É pena que o Jornal de Negócios não tenha imaginação para escolher um entrevistado menos previsível e limitado.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A perversa construção do mercado na educação

Na semana passada, o ultraconservador Presidente da República lá promulgou o diploma que alarga a escolaridade obrigatória para o 12.o ano. No entanto, esta generosa aposta, apoiada por toda a esquerda, pode ser posta em causa pelo desvirtuamento e pela crise da escola pública, que continua a ser a instituição indispensável para assegurar a democratização do ensino em condições de igualdade. O ataque à dignidade, à autoridade e ao estatuto dos professores através, entre outros, de um modelo burocrático de avaliação calibrado para os desmotivar tem sido justamente destacado no debate público. O resto da minha crónica semanal no i pode ser lido aqui.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Perguntou a Rainha: “Como é que ninguém viu aproximar-se a crise?”


Em Novembro do ano passado, numa sessão solene realizada na London School of Economics, a Rainha Isabel II lançou a seguinte pergunta aos economistas aí reunidos: “Como é que ninguém viu aproximar-se a crise?”

Robert Skidelsky comentou há dias no Financial Times este episódio e reflectia sobre o estado do ensino da economia nas universidades britânicas. Na mesma onda, algumas semanas antes, um colunista do The Washington Post questionava:

“Um intrigante sub-enredo da crise económica é a incapacidade de a maioria dos economistas tê-la previsto. Eis-nos perante a mais espectacular crise económica e financeira em muitas décadas – provavelmente desde a Grande Depressão – e um grupo que passa a maior parte do tempo em que está acordado a analisar a economia na prática não deu por ela. Sim, alguns economistas podem reclamar com legitimidade alguma previsão. Mas são um pequeno punhado. A maioria ficou tão surpreendida quanto o resto da população.”

Além de identificar o limitado reconhecimento da retroacção entre a esfera financeira e a esfera real da economia nos modelos mais divulgados, o autor destaca a flagrante ausência da história na formação dos economistas:

“Regra geral os economistas pouco se interessam pela história. Os livros de introdução à economia gastam pouco tempo, se algum, a explorar os ciclos económicos do século XIX. Toda a atenção vai para os “princípios da economia” (título de grande parte dos manuais básicos), como se a maior parte fossem eternos. Dedicaram o seu esforço a construir modelos matemáticos elegantes. “Durante anos os economistas teóricos usufruíram de elevado estatuto”, escreveu o historiador da economia Barry Eichengreen da Universidade da Califórnia em Berkeley. “Eram os membros mais prestigiados da profissão.”

Como recorda Niall Ferguson de Harvard, “a história é complicada e feita de constante mudança. Flui com as instituições, tecnologias, leis, valores culturais e religiosos, governos, crenças populares e muito mais. A construção de modelos e a teorização por vezes conseguem fazer simplificações que permitem entender alguma coisa. No entanto, os pressupostos dos modelos tendem a afastar-se tão radicalmente da realidade que as suas conclusões se tornam inúteis.”

Com a honrosa excepção também aqui divulgada, o debate sobre o estado da disciplina em Portugal é pobre não sendo de admirar o silêncio sobre um texto recente em que 10 economistas britânicos deram um contributo adicional sobre a questão colocada por Sua Majestade. A dado passo afirmam: “Os modelos e técnicas são importantes. Mas dada a complexidade da economia global, torna-se necessário um leque alargado de modelos e técnicas governados por muito maior respeito pela realidade substantiva, e muito maior atenção aos factores históricos, institucionais, psicológicos, e outros altamente relevantes.”

Comentando este debate no Reino Unido, Tony Lawson de Cambridge escreveu recentemente um artigo que vale a pena ler (acesso restrito) onde, em linha com o que vem defendendo há muito, afirma que o problema da economia não é o da escolha dos modelos matemáticos mais adequados. O dedutivismo matemático praticado pelos economistas [enquanto profissão] é que é o problema. Diz Lawson: “O problema fundamental da moderna economia, tal como o vejo, é a insistência do pensamento dominante em que a modelização matemática é a única forma, útil e adequada, para praticar economia.”

Interrogo-me sobre quanto tempo (quantas crises) teremos de viver para que o pensamento dominante em Portugal tome consciência que a exigência de pluralismo científico e responsabilidade social interpelam seriamente os departamentos de economia, e muito em particular aqueles que atribuem grande valia a “working papers” sobre os quais Mark Blaug, com apropriada ironia, poderia dizer: “Por favor, realidade aqui não. Somos economistas.”

As nacionalizações necessárias

Nas duas últimas décadas, a essência predadora do bloco central revelou-se progressivamente numa opção de política pública: privatização sem limites. Tudo começou de forma inocente nas cervejas e poderá acabar num bem vital como a água. A privatização de monopólios naturais e de outros sectores estratégicos – das infra-estruturas eléctricas e de transportes às empresas do sector energético – garante fontes de liquidez monetária, sob a forma de rendas, a grupos privados com músculo para capturar políticos e reguladores, para expropriar cidadãos-consumidores. O romance de mercado prometia e ainda promete preços baixos e serviços de qualidade. A evidência sobre os processos de privatização destes sectores mostra que tal raramente acontece. O resto da crónica semanal no i pode ser lido aqui.

O Nuno Teles tem escrito muito e bem sobre privatizações e nacionalizações: «Privatizações: O Insustentável Peso do Seu Ser» (em co-autoria com Gustavo Toshiaki) ou «Quando nacionalizar é a melhor alternativa». Vejam também as conclusões do projecto de investigação europeu sobre privatizações Presom. Michel Husson, economista marxista francês, que tem um sítio muito recomendável, escreveu recentemente: «Pode portanto enunciar-se uma espécie de teorema: o tempo necessário para sanear a finança será inversamente proporcional ao grau de nacionalização da banca e das instituições financeiras envolvidas». Os argumentos «clássicos» a favor de um robusto sector empresarial do Estado estão bem sistematizados neste estudo do indispensável Ha-Joon Chang.

sábado, 22 de agosto de 2009

O importante é ter acesso - Saúde

Não há nada mais divertido do que ver a direita a explicar o que deve ser a esquerda – obviamente, uma coisa igual à direita. Martim Avillez Figueiredo, director do i, tem-se proposto a esse exercício. O pretexto é o plano de cobertura universal de saúde de Obama nos EUA. Este plano prevê a criação de um seguro saúde, financiado pelo Estado, que garanta cobertura aos 40 milhões de norte-americanos sem acesso à saúde. Martim rapidamente dirige as suas baterias para o sector da educação. Lá iremos. Primeiro, importa olhar para o debate político dos EUA sobre saúde.

Obama vinca o facto deste plano deixar intacto a actual relação dos norte-americanos cobertos com as suas seguradoras privadas. No entanto, não é difícil perceber que tal discurso é feito à medida da forma como o debate político está enquadrado nos EUA. A mistificação levada a cabo pelos republicanos e pelo lobby das seguradoras de saúde atinge o nível de falta de sentido de qualquer sketch dos Monthy Pithon. Veja-se o vídeo abaixo (infelizmente sem legendas) onde Sarah Pallin tenta colar a eutanásia ao plano de Obama, que preveria burocráticos “painéis da morte”. Isto sem falar das recorrentes acusações de “socialismo” que certamente Martim não subscreve. Enfim, nada que surpreenda. O plano de Hillary Clinton de cobertura universal, de meados dos anos noventa, foi derrotado com o mesmo tipo de argumentos.

Para não existirem dúvidas sobre a verdadeira posição de Obama, veja-se este vídeo de 2003, onde o actual presidente defende um sistema público universal “à europeia”. Claro está que Obama diz hoje que este seria o melhor plano se se partisse do zero, o que obviamente não é o caso.


Mas Obama tem boas razões para preferir o sistema europeu, público, de provisão de cuidados de saúde. Este é, sem dúvida, o mais eficiente – um conceito tão caro a Martim – dos sistemas. Os Estados Unidos gastam mais, em percentagem do PNB, em saúde que qualquer outro país do mundo e, no entanto, deixam 20% da população sem qualquer cobertura. Como assinala Krugman, também no i, no Reino Unido gasta-se 40% per capita, num excelente serviço público, do que se gasta nos EUA. É fácil explicar porquê. Num sistema onde o estado se limita a pagar a factura, todo tipo de abuso será promovido. Quanto mais se gastar por paciente, mais lucros terão os prestadores privados de saúde. É certo que tudo isto pode ser regulado e é-o. Contudo, numa relação onde a informação é radicalmente assimétrica como é a relação entre paciente e médico, não é fácil controlar a necessidade ou não de certos tratamentos. Não é por acaso que, por exemplo, no nosso país são feitas muitas mais cesarianas (mais caras) no sector privado do que no sector público. A ruinosa gestão do Amadora-Sintra é outro bom exemplo. A única forma de garantir cuidados de saúde de qualidade realmente universais tem de passar pelo modelo público de provisão onde o lucro não seja uma motivação na relação entre paciente e médico.

Aliás, por mais bem intencionada que seja o plano de Obama não lhe prevejo grande futuro. A cobertura universal será certamente um progresso civilizacional notável, mas a factura a médio e longo prazo tornar-se-á incomportável. Os actuais custos dos sistemas públicos de financiamento Medicaid (para os mais pobres) e Medicare (para os idosos) estão aí para o provar. Todavia, quando um novo debate sobre a sustentabilidade surgir, o enquadramento social da questão será diferente, já que a saúde será entendida como aquilo que é, um direito universal. Este direito tem sido melhor assegurado pelos sistemas de provisão pública. Isto tem sido defendido pela insuspeita OMS. No relatório sobre determinantes sociais de saúde, aqui sintetizado pelo João Rodrigues, baseado em extensa evidência empírica, conclui-se que «a comercialização de bens sociais vitais, como a educação e a saúde, produz iniquidade na área da saúde». É por isso que «a provisão destes bens sociais vitais deve ser da responsabilidade do sector público, em vez de ser deixada aos mercados». Funciona.

A "asfixia democrática" que não interessa ao PS e ao PSD

A democracia fica à porta das empresas.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

As explicações de Cavaco

Não, este não é um post sobre a mirabolante história das escutas em Belém. Algo mais grave devia preocupar Cavaco. O excelente relatório , elaborado pelo deputado do Bloco de Esquerda João Semedo sobre a Comissão de Inquérito ao BPN, formula as perguntas que ficaram por responder pelo Presidente da República no negócio das acções da SLN (detentora do BPN).

Cavaco Silva comprou, em 2001, acções da SLN (acções não transaccionadas em mercado aberto) pelo valor de 1 euro. Não se sabe a quem (à própria SLN?), nem o porquê da valorização a um euro de cada acção (valor facial de cada acção?). Dois anos depois, Cavaco e a filha vendem as mesmas acções a uma das sociedades da SLN, a SLN Valor, a 2,40 euros. Uma miraculosa valorização de 140%, que rendeu 360 mil euros à família Cavaco Silva.

Nada disto foi ilegal. No entanto, se o Presidente da Republica não explicar as origens e os porquês destas transacções e sabendo-se hoje a importância do tráfico de influências políticas no BPN, uma enorme dúvida pairará no ar. Terá Cavaco Silva, enquanto accionista bem remunerado da SLN, servido como chamariz de investidores da área política do PSD para um banco que funcionava num esquema quase piramidal, onde as entradas de capital eram uma necessidade constante? Sabendo o que sabemos hoje sobre a economia política e moral do cavaquismo, a resposta parece clara...