
Em Novembro do ano passado, numa sessão solene realizada na London School of Economics, a Rainha Isabel II lançou a seguinte pergunta aos economistas aí reunidos: “Como é que ninguém viu aproximar-se a crise?”
Robert Skidelsky
comentou há dias no Financial Times este episódio e reflectia sobre o estado do ensino da economia nas universidades britânicas. Na mesma onda, algumas semanas antes,
um colunista do The Washington Post questionava:
“Um intrigante sub-enredo da crise económica é a incapacidade de a maioria dos economistas tê-la previsto. Eis-nos perante a mais espectacular crise económica e financeira em muitas décadas – provavelmente desde a Grande Depressão – e um grupo que passa a maior parte do tempo em que está acordado a analisar a economia na prática não deu por ela. Sim, alguns economistas podem reclamar com legitimidade alguma previsão. Mas são um pequeno punhado. A maioria ficou tão surpreendida quanto o resto da população.”
Além de identificar o limitado reconhecimento da retroacção entre a esfera financeira e a esfera real da economia nos modelos mais divulgados, o autor destaca a flagrante ausência da história na formação dos economistas:
“Regra geral os economistas pouco se interessam pela história. Os livros de introdução à economia gastam pouco tempo, se algum, a explorar os ciclos económicos do século XIX. Toda a atenção vai para os “princípios da economia” (título de grande parte dos manuais básicos), como se a maior parte fossem eternos. Dedicaram o seu esforço a construir modelos matemáticos elegantes. “Durante anos os economistas teóricos usufruíram de elevado estatuto”, escreveu o historiador da economia Barry Eichengreen da Universidade da Califórnia em Berkeley. “Eram os membros mais prestigiados da profissão.”
Como recorda Niall Ferguson de Harvard, “a história é complicada e feita de constante mudança. Flui com as instituições, tecnologias, leis, valores culturais e religiosos, governos, crenças populares e muito mais. A construção de modelos e a teorização por vezes conseguem fazer simplificações que permitem entender alguma coisa. No entanto, os pressupostos dos modelos tendem a afastar-se tão radicalmente da realidade que as suas conclusões se tornam inúteis.”
Com a honrosa excepção também
aqui divulgada, o debate sobre o estado da disciplina em Portugal é pobre não sendo de admirar o silêncio sobre
um texto recente em que 10 economistas britânicos deram um contributo adicional sobre a questão colocada por Sua Majestade. A dado passo afirmam: “Os modelos e técnicas são importantes. Mas dada a complexidade da economia global, torna-se necessário um leque alargado de modelos e técnicas governados por muito maior respeito pela realidade substantiva, e muito maior atenção aos factores históricos, institucionais, psicológicos, e outros altamente relevantes.”
Comentando este debate no Reino Unido, Tony Lawson de Cambridge escreveu recentemente
um artigo que vale a pena ler (acesso restrito) onde, em linha com o que vem defendendo há muito, afirma que o problema da economia não é o da escolha dos modelos matemáticos mais adequados. O dedutivismo matemático praticado pelos economistas [enquanto profissão] é que é o problema. Diz Lawson: “O problema fundamental da moderna economia, tal como o vejo, é a
insistência do pensamento dominante em que a modelização matemática é a única forma, útil e adequada, para praticar economia.”
Interrogo-me sobre quanto tempo (quantas crises) teremos de viver para que o pensamento dominante em Portugal tome consciência que a exigência de pluralismo científico e responsabilidade social interpelam seriamente os departamentos de economia, e muito em particular aqueles que atribuem grande valia a “working papers” sobre os quais
Mark Blaug, com apropriada ironia, poderia dizer: “Por favor, realidade aqui não. Somos economistas.”