Do conjunto de afirmações que mereceriam considerações, este post cinge-se à seguinte: “Aumentar a despesa pública sem aumentar as receitas do Estado ou a dívida pública é uma impossibilidade”.
A afirmação acima, sendo apenas parcialmente verdadeira, ofusca a essência do que está, de facto, em causa e é, na sua universalização implícita, essencialmente, falsa.
O que Cavaco afirma só é verdade em termos absolutos e é falso em termos relativos, os termos que verdadeiramente são relevantes para as finanças públicas.
Repare-se que, para um rendimento anual de 10 mil euros, uma dívida de 10 mil euros, significa 100% de endividamento. Repare-se também que para um rendimento de 100 mil euros, a mesma dívida de 10 mil representa apenas 10% de endividamento. Como se percebe, está muito longe de ser igual dever 10%, ou 100%, do rendimento. Pelo que também é fácil perceber que uma dívida medida pelo seu valor absoluto, pouco, ou nada, nos diz da sua relevância. E é aqui que reside o truque falacioso de Cavaco.
Se o objetivo de finanças públicas for a sustentabilidade da dívida pública, entendida esta como dívida que não entra numa dinâmica de crescimento infinito - critério de sustentabilidade do Fundo de Monetário Internacional (FMI) – se assim for, interessa, não apenas o montante adicional de dívida (ou seja, o défice) mas, muito mais relevante, a relação entre este défice primário (sem juros incluídos) e o montante adicional de rendimento da economia (PIB) líquido de juros.
Dito de outro modo, se o crescimento do rendimento, expurgado dos juros pagos pelo endividamento previamente acumulado, for superior ao valor do défice primário, a dívida, em termos relativos, cai.
Como se explica neste estudo (página 8) do FMI (minha tradução), “podem decompor-se as variações dos rácios da dívida em relação ao PIB nas componentes de crescimento, de taxa de juro e de défice, utilizando a seguinte identidade:
em que dt é o rácio da dívida em relação ao PIB, gt é a taxa de crescimento do PIB nominal, it é a taxa de juro nominal e o défice é o défice primário (...)”.
Sabendo isto, acima, atentemos num exemplo concreto ilustrado com números:
Ao contrário, a dívida recua 1,7 pontos percentuais (p.p.), cai para 98,3%, ou seja, recua a diferença entre o efeito bola de neve (a soma do efeito PIB com o efeito juros) e o défice primário.
De onde se pode concluir que, ao contrário do que afirma Cavaco, é possível aumentar a despesa, não aumentar as receitas e, ainda assim, a dívida recuar.
De onde se pode concluir que, ao contrário do que afirma Cavaco, é possível aumentar a despesa, não aumentar as receitas e, ainda assim, a dívida recuar.
Assim sendo, recapitulando, a sua afirmação, aquela com que começamos este texto, é falsa.
Repare-se agora, com mais detalhe e alcance temporal na evolução histórica do efeito bola de neve na dívida pública.
O que significa aquele pico de 10,2 p.p. em 2012, o segundo maior da série?
Significa que em resultado de uma política orçamental como aquela que defende Cavaco Silva (défice zero ou superávite), fazendo cair o PIB numa economia fustigada pela especulação com taxas de juro permitida pelo BCE (política inquestionada por Cavaco e pelo extremo centro em geral), independentemente do défice daquele ano, só em razão desta dinâmica malsã e politicamente induzida, a dívida pública aumentou 10,2 p.p..
Para se ter uma ideia apropriada do desastre que representou aquela política que Cavaco volta agora a defender, tenha-se em consideração que, em toda a série disponível, só uma calamidade como aquela com a gravidade da pandemia de 2020, que obrigou a encerrar parcialmente a economia e gerou um brutal efeito bola de neve no valor de 10,9 p.p., produziu efeitos tão nocivos para a sustentabilidade da dívida pública que possam ser comparáveis aos do descalabro de 2012 engendrado pela troika e pela direita. É obra.
Não esqueçamos que, em 2023, a despesa pública total, em percentagem do PIB, em Portugal, se cifrou em apenas 42,3% e na Zona Euro em 50%, uma diferença de 7,7 p.p..
Recordemos também que, no que a despesa pública com investimento diz respeito, desde 2012 que esta é menor em Portugal, tendo esta divergência atingido o seu pico em 2016, ano em que o investimento público em Portugal foi apenas cerca de metade do realizado na zona euro.
Não. Cavaco está errado. Não era e continua a não ser assim que se levanta um Estado. Por mais livros que tenha publicado no estrangeiro. Por mais que alguns economistas, mergulhados no simulacro de discussão orçamental a que temos direito, lhe dêem razão.
Repare-se agora, com mais detalhe e alcance temporal na evolução histórica do efeito bola de neve na dívida pública.
O que significa aquele pico de 10,2 p.p. em 2012, o segundo maior da série?
Significa que em resultado de uma política orçamental como aquela que defende Cavaco Silva (défice zero ou superávite), fazendo cair o PIB numa economia fustigada pela especulação com taxas de juro permitida pelo BCE (política inquestionada por Cavaco e pelo extremo centro em geral), independentemente do défice daquele ano, só em razão desta dinâmica malsã e politicamente induzida, a dívida pública aumentou 10,2 p.p..
Para se ter uma ideia apropriada do desastre que representou aquela política que Cavaco volta agora a defender, tenha-se em consideração que, em toda a série disponível, só uma calamidade como aquela com a gravidade da pandemia de 2020, que obrigou a encerrar parcialmente a economia e gerou um brutal efeito bola de neve no valor de 10,9 p.p., produziu efeitos tão nocivos para a sustentabilidade da dívida pública que possam ser comparáveis aos do descalabro de 2012 engendrado pela troika e pela direita. É obra.
Não esqueçamos que, em 2023, a despesa pública total, em percentagem do PIB, em Portugal, se cifrou em apenas 42,3% e na Zona Euro em 50%, uma diferença de 7,7 p.p..
Recordemos também que, no que a despesa pública com investimento diz respeito, desde 2012 que esta é menor em Portugal, tendo esta divergência atingido o seu pico em 2016, ano em que o investimento público em Portugal foi apenas cerca de metade do realizado na zona euro.
Não. Cavaco está errado. Não era e continua a não ser assim que se levanta um Estado. Por mais livros que tenha publicado no estrangeiro. Por mais que alguns economistas, mergulhados no simulacro de discussão orçamental a que temos direito, lhe dêem razão.
3 comentários:
Uma taxa de crescimento do PIB de 7% não se traduz, inevitavelmente, num aumento da receita fiscal?
Sim, mas um aumento do PIB pode tambem pode aumentar as despesas do Estado. O resultado liquido depende da forma como esse aumento de PIB ocorreu.
O PIB de um pais aumenta essencialmente por duas vias:
1 - aumento de produtividade
2 - aumento da populacao
P
O comentario acima era um draft incompleto meu. Escrevi um outro comentario mais extenso e pensado mas ou cometi erro a enviar ou ficou retido no spam do blog. Nao ha problema. apesar de simplista este esta mais ou menos certo (o que sempre foi bem melhor do que estar precisamente errado)
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