Na primeira fila do Chile de Pinochet (quarto a contar da esquerda): “pessoalmente, prefiro um ditador liberal a um governo democrático a quem falte liberalismo”, disse F. A. Hayek (1899-1992) ao jornal chileno El Mercurio, em 1981, parte de uma longa e consistente intervenção a favor da ditadura neoliberal chilena.
Chega, IL e -liberdade, de onde vieram governantes do PSD, filiam-se explicitamente nesta tradição de economia política, de eterna desconfiança em relação à democracia dita “ilimitada”.
Uma tradição que vem dos anos 1920, quando o neoliberalismo começa a ser forjado, em reação ao socialismo e à crise do liberalismo dito clássico. Hayek foi discípulo de Ludwig von Mises (1881-1973), embora tenha discretamente rompido com ele em questões teórico-metodológicas e de política pública (agenda e não-agenda do Estado, como disse na esteira de Bentham).
Cada pensador tem o seu cunho, num feixe de ideias neoliberais em movimento, com o pluralismo necessário, como em qualquer ismo dinâmico, já o defendi em artigos académicos e em livro. Mises e Hayek partilham, no entanto, a mesma aversão às implicações socializantes da democracia militante e igualitária. Em 1927, no livro Liberalismo, Mises afirmou:
“Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até ao momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história.”
Não são aberrações, são consistentes e pensados expedientes violentos de classe. Milton Friedman, defensor de Pinochet desde a primeira hora, alinhou pelo mesmo diapasão e os seus discípulos chilenos também, claro. As iniciativas liberais matam por ação e omissão. Repito o que escrevi há um ano.
O livro Pinochet’s Economists de Juan Gabriel Valdés é a história intelectual da formação da economia política neoliberal no Chile, do nascimento dos Chicago Boys, da formação doutoral bem financiada durante décadas no Departamento de Economia da Universidade de Chicago à transferência de homens armados com essa formação para o bem conectado Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
O programa económico neoliberal da ditadura militar, o “tijolo”, foi ali criado. Os quadros económicos da ditadura militar foram ali recrutados. Um dos personagens mais sinistros desta economia que matou chama-se Sergio de Castro, de professor a ministro, depois da “imensa alegria” de ver La Moneda ser bombardeada.
Teve a imensa alegria de ser um a cortar as despesas de educação, de saúde ou de habitação em mais de 50% e de ver a economia a afundar 12% em 1975 e a colapsar ainda mais em 1982-1983. Em 1986, o PIB per capita chileno era ainda inferior ao do início da década anterior, como sublinha José Luís Fiori.
Durante a ditadura, o emprego e o poder de compra dos salários nunca recuperaram da desvalorização social imposta a tiro. A ditadura teve de socializar as perdas dos bancos na crise dos anos 1980. A indústria também não recuperou. A pobreza chegou a atingir mais de metade dos chilenos e o Chile tornou-se um dos países mais desiguais do mundo. Houve uma maciça transferência de rendimentos do trabalho para o capital.
As iniciativas liberais, que começaram na prática há cinquenta anos, matam. São um desastre para a grande maioria. E eles sabem isso, até porque trabalham para a minoria.
Sem comentários:
Enviar um comentário