Chama-se arbitragem laboral à forma como os capitalistas, num contexto de fronteiras abertas a todos os fluxos pela liberalização, atiram os trabalhadores de diferentes países uns contra os outros, numa corrida laboral para o fundo. Este contexto nunca pode ser perdido de vista, nem naturalizado.
Simplificando, há duas formas de organizar a corrida laboral para o fundo: deslocalizar ou ameaçar deslocalizar o capital para os países onde os trabalhadores são mais pobres, ou trazer os trabalhadores mais pobres para onde o capital precisa deles, tendencialmente com as condições de trabalho dos países de origem. Deslocalizam-se os capitais ou deslocalizam-se os trabalhadores.
Num contexto de globalização neoliberal, a situação laboral piora muito nos países com condições de trabalho mais favoráveis e não melhora nos países mais pobres. Por outras palavras, a convergência nunca se faz por cima.
No caso português, reforçou-se desde a troika uma economia de baixa pressão salarial, demasiado concentrada em sectores como a construção, o agronegócio ou o turismo, onde os patrões exigem uma força de trabalho barata e abundante.
Surge, por isso, o discurso de origem patronal, medíocre e reacionário: “não há quem queira trabalhar”, “os portugueses não querem fazer certos trabalhos” (mal pagos), “estamos em pleno emprego”, entre outras fraudes nada inocentes. Claro, o problema são as remunerações e as ultrajantes condições de trabalho oferecidas por esse mesmo patronato, mas disso quase não se fala. Ou, quando se fala, pelo conhecimento público de uma situação de exploração mais flagrante, não se faz a ligação àquele discurso e à prática correspondente.
Para uma certa procura, seria mesmo bom que não houvesse oferta, de modo a obrigar quem precisa de força de trabalho a garantir salários e condições de trabalho decentes, incentivando, no processo, investimentos geradores de aumentos de produtividade. Caso contrário, estamos a perpetuar a selvajaria laboral, trancados num modelo económico medíocre.
Isto requer regras laborais exigentes para os patrões, que são quem tem mais poder, rigorosamente cumpridas. Mas também exige regulação dos fluxos migratórios por uma dupla razão: para defender quem cá está e quem quer vir para cá trabalhar, de modo que ninguém fique vulnerável perante o patronato. A dignidade do trabalho é para todos.
Do ponto de vista social e político, os que estão em profissões com barreiras à entrada, da língua à regulação – e que, por isso, atenuam a concorrência internacional de todos contra todos –, por exemplo, professores universitários, advogados, médicos, jornalistas, gestores, deveriam estar mais atentos aos que estão mais expostos às consequências da abertura irrestrita de fronteiras a todos os níveis.
Sem fronteira económica, não há responsabilização política, nem democracia ou Estado social para todos. Por isso, os neoliberais sempre quiseram tornar a fronteira política economicamente irrelevante.
A fórmula de Dani Rodrik, um economista político social-democrata, é justa neste contexto: os países subdesenvolvidos devem poder copiar as práticas desenvolvimentistas dos países hoje ricos, incluindo o protecionismo; os países desenvolvidos devem poder evitar a erosão dos seus padrões laborais ou ambientais, bloqueando formas de concorrência e de chantagem do capital consideradas ilegítimas.
E, sim, claro: um certo discurso pretensamente cosmopolita, mas complacente com a globalização neoliberal, também alimenta a extrema-direita.
Crónica publicada na passada sexta-feira no setenta e quatro.
1 comentário:
Há um grupo de pessoas que apresenta a imigração como a solução para os problemas demográficos de países europeus... eu não os vejo preocupados em impor determinados padrões a quem vai explorar a força de trabalho imigrante.
Depois Odemira (e não só) acontece, escandalizam-se, vertem lágrimas virtuais nas redes sociais, depois o ciclo emocional mediático passa e querem lá saber de Odemira e dos imigrantes.
O que os cosmopolitas da capital querem mesmo é que a sua salada de frutos vermelhos colhida em Odemira seja entregue à porta da sua residência por um estafeta (provavelmente um imigrante) das mercenárias “plataformas digitais”.
Eu vivo em Odemira, o concelho de Odemira foi degradado e a culpa não é dos imigrantes!
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