sábado, 18 de fevereiro de 2023
Habitação e delírio neoliberal
Imagine que é um proprietário. Tem uma casa devoluta. A casa está devoluta porque: 1) não quer saber, tem tanto património que não lhe faz diferença; 2) está conscientemente a especular, esperando que os preços subam; 3) tem restrições de capital e liquidez e não a pode recuperar.
Segundo as intenções anunciadas pelo Governo, o Estado toma o usufruto do imóvel, recupera-o e coloca-o a arrendar em regime acessível, pagando a renda diretamente ao proprietário. Isto é, o Estado adianta o capital para valorizar um ativo de um privado e ainda lhe oferece uma renda sem risco.
A direita e os proprietários falam de PREC. Montenegro chama a António Costa comunista. Está tudo louco! O debate público português ensandeceu. Na verdade, esta é uma medida bastante neoliberal. Contempla a transferência de risco do privado para o público enquanto garante o direito de propriedade deste último e ainda valoriza um ativo privado com investimento público. É uma PPP sem risco para os proprietários. Há mais neoliberal do que isto? Mas são tão alienados que ainda contestam.
No que respeita à tomada de ação do Estado, preferia uma medida que favorecesse a venda compulsiva dos imóveis e a sua integração no exíguo parque habitacional público. Se o Estado assume o risco, deve poder utilizar esse investimento para aumentar o patrimóno público que lhe garanta hoje e no futuro o cumprimento do seu mandato constitucional.
O grande problema da tomada de ação do Governo não é essa medida, que só peca por ser politicamente muito recuada e lesiva dos interesses do Estado. O principal problema é as medidas previstas não afetarem nada do que poderia mudar a situação de emergência a curto-prazo: 1) limitar as compras de habitação a estrangeiros; 2) Reverter boa parte do Alojamento Local; 3) Limitar rendas muito abaixo dos níveis atuais.
Sem a tomada desta medidas, a parte que não tem património imobiliário continuará à mercê de um modelo de desenvolvimento construído para ampliar sem fim a acumulação de rendimento e propriedade de uma minoria à custa de um direito constitucional que deveria ser de todos.
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4 comentários:
O problema:
- O Estado vai fazer obras: que obras, a que preço?
- O Estado vai arrendar ao proprietário: a que renda? Cobre os 50% do custo no decorrer do prazo de cativação?
- O Estado vai arrendar: para além do prazo de cativação do imóvel? Garantindo a renda até cobertura dos custos.
- Pode o proprietário vender o imóvel, cedendo a sua posição contratual?
O que e certo é o Estado passar a decidir sobre património alheio, com limites e termos desconhecidos.
O que é certo é que, não tendo histórico de bem decidir sobre património próprio, não sabendo contratar e controlar custos, um Estado minado de corruptos e incompetentes vai fazer seguramente grossa asneira.
A probabilidade é que isto seja mero foguetório à la Costa.
O que um Estado cobarde não faz é pôr prontamente na rua, e acolher se necessário, ainda que em condições precárias, inquilinos despejados por não cumprimento de contratos de arrendamento.
Segundo os Censos, Portugal tem setecentos e trinta e sete mil alojamentos devolutos. Serão um milhão, contas mais bem feitas. O problema é haver falta de casas onde já há casas a mais - num litoral sobrelotado e um interior despovoado. O problema na raiz é um problema de ordenamento e coesão territorial. Mas basta ler o PUBLICO DE hoje. A solução do Nosso Primeiro e do betão e cimento armado é construir ainda mais casas precisamente onde há casas a mais e em terrenos onde não deviam ser construídas. Continuando a deixar para trás território desocupado abandonado e intratado.
Não entendo essa de que o Estado passe (agora) a decidir sobre o património alheio!
Sempre teve essa capacidade.
Basta ler o código das expropriações.
E basta ao Estado invocar o interesse público!
Já me aconteceu ao meu património. E como foi também invocado o caracter de urgência nem tive tempo de respirar!
Ora o problema da habitação é do interesse público ser resolvido. Tanto mais que é um direito garantido na própria Constituição.
O que sabemos é que o Estado não actuando e ficando à espera que o tal "mercado" resolva a coisa, não garante coisíssima nenhuma.
A única coisa que garante é a arrecadação do IMI onerando assim aquilo que deveria ser um direito DE FACTO!
Gostei muito do artigo, é sempre refrescante ler o LdB (princípio do contraditório). Algumas perguntas:
1) Como é que limita a compra de imóveis a estrangeiros comunitários da UE, considerando o tratado de Maastricht?
2) Não lhe parece que "venda compulsiva dos imóveis e a sua integração no exíguo parque habitacional público" seria manifestamente inconstitucional?
3) Reverter unilateralmente as licenças de AL não seria inconstitucional (direitos adquiridos, princípio da confiança)?
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