sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Ai de nós trabalhadores, pensionistas e pobres

Acho que [sobre o problema da Habitação] precisávamos de um par de cérebros, dois ou três que percebem muito do assunto e vinte que não percebem nada, para pôr cá fora uma intenção credível. Geralmente, nós tendemos a sentar à mesa, neste tipo de situações, pessoas que percebem muito do assunto. E nós precisamos de pessoas que não percebem nada. Porque vão ser aquelas pessoas que vão mandar aqueles bitaites mais parvos, que surgem sempre com ideias muito interessantes. (citação de Inês Franco Alexandre, recém-empossada como "assessora para a Inovação" da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, na entrevista dada à Antena 3 (49'30'')]
Sobre a forma de resolver os problemas há dois tipos de dirigentes.

Uma, é a daqueles dirigentes que, mesmo não sabendo nada do problema, juntam as pessoas da "estrutura interna" que o conhecem e, em conjunto, procuram identificar as causas, fazer um diagnóstico preciso e propor medidas concretas. Outra, é a daqueles dirigentes que não sabendo nada do problema, não o conseguem identificar devidamente, mas acham que se existe, isso se deve às pessoas conhecedoras do sistema e que, por isso, acham melhor contratar pessoas "de fora" que nada sabem porque, assim, dirigente e contratado até podem trocar ideias.

Estas duas visões têm duas implicações orgânicas. No primeiro caso, robustece-se a "estrutura interna", valorizam-se os seus quadros e torna-se a "máquina" mais autónoma. Na segunda, o dirigente desconfia da "máquina interna" e, por isso, reforça o seu gabinete com pessoal "externo", duplicando serviços e colocando a "máquina interna" numa situação de subordinação permanente, inferiorizada, desmotivada, desmobilizada, e potencialmente vingativa ou até tendente a "desertar".

Vem isto a propósito da recente contratação para o gabinete de Ana Mendes Godinho de uma "assessora para a Inovação" cuja função vai ser - disse ela em entrevista - "como é que se inova um Ministério destes" com 24 organizações. Inês Franco Alexandre, algarvia, diz ter nascido "dentro de um sindicato", não se deu bem na escola, diz-se activista do "empreendorismo social", ("há empreendedores puramente capitalistas apesar de estarem a resolver um problema social e há activistas que têm um papel de apenas ter voz, o que não significa que não estejam a empreender nas suas carreiras e nas suas vidas"); usa muitos conceitos em inglês, está cheia de vontade de fazer coisas. Aceitou a proposta da ministra porque:

"(...) este momento que eu estou a viver traz uma palavra de esperança e de generosidade para as pessoas que vêm de onde eu venho. A malta acha que nunca chegará a estes sítios de decisão. Trazer esta esperança “não, nós também conseguimos chegar a este sítio de decisão por meritocracia e por conhecermos as pessoas certas nos momentos certos para dar o nosso giveback a estas pessoas, por sermos bons putos, com uma alma boa e tranquilos", mostra que podem estar cada vez mais pessoas destas nestes sítios e que há esperança para um pensamento que não é sistémico, dentro deste sítio que decide a forma como tu tens de te adaptar no teu dia-a-dia”.
A nova assessora é uma pessoa sincera. Diz que vai viver uma "situação desconfortável": o Ministério é um "sitio formal e eu não sou nada formal; teórico, eu não sou nada teórica; com muitos papéis, eu não gosto tanto assim de papéis".

É uma pessoa frontal. Sobre a Habitação - ou "a falta de recursos para chegar a ela"- disse (40'):

O mercado está feito para as pessoas que não são portuguesas. Tenho pouquíssimos amigos que conseguem mais de 1200 limpos/mês. (...) Como é que acima de tudo podemos trazer esta leveza dos 34 anos e pessoas que olham para este problema de caras? (...) Se calhar dando alguns passos atrás de algumas coisas que foram postas em cima da mesa há uns anos que estão agora claramente a prejudicar o facto de nós não conseguirmos ter casa em lado nenhum. [a ministra concordará?] E, acima de tudo, olhar para as medidas que foram postas cá fora e adequá-las à realidade. (...) Temos de criar medidas para as minorias porque são as pessoas mais afectadas. Não são as pessoas com 2 mil euros líquidos que vão ter dificuldade em arranjar casa. São as pessoas com ordenado mínimo que não são uma minoria assim tão pequena e que fazem umas horas para chegar ao trabalho na sua própria cidade porque, efectivamente, foi arrastada para os confins dessa mesma cidade. [a ministra concordará?] (...) Era preciso pararmos, pormos um travão, pensar em como é que podemos agir em cima deste problema que é uma bola de neve gigantesca. Este problema faz com que existam muitos outros problemas para as pessoas. (...) [a ministra concordará?]

Jornalista: O que é que nós, sociedade civil, dentro da nossa impotência, poderíamos fazer? Fechar a Ponte 25 de Abril?

Aqui as respostas vão ser quase pueris:
Resposta: Podíamos fazer um acampanhamento na ponte 25 de Abril e só saíamos quando os ministros se sentassem connosco. Não. De todo que não. Acho que pode ser parte da resposta, claramente. Eu acho que "fazer barulho" é sempre parte das respostas [a ministra concordará?]. Mas temos de ser inteligentes na forma como...

Jornalista: De forma organizada...

Resposta: De forma organizada, segura, e acima de tudo com um output muito prático. Tu não podes sair para a rua sem teres um output de medidas práticas que te diz “Olhem, se nós alterássemos estes 4 ou 5 pontos conseguíamos alojamento digno a mais poessoas”. Portanto, o que nós podemos fazer, o que está ao nosso alcance é: 1) que pessoas estão à nossa volta que estão neste tipo de situação e perceber dentro da nossa rede como é que podemos melhorar a situação ou não; 2) estarmos muito bem informados (informação é poder), percebermos sobre o que estamos a dizer e perceber que tipo de informação é que temos à nossa disposição e informar as pessoas sobre que tipo de medidas é que existem. Porque as medidas existem e muitas vezes desconhecemos essas medidas. (...) E por último fazer pontes. Eu estive num processo muito difícil de procurar casa em Lisboa e foram as pontes que me salvaram. “Eu conheço alguém que conhece alguém...” Se nós conseguirmos estabelecer estas pontes para as nossas pessoas próximas, vamos conseguir algum alento...
Da mesma forma, encara a situação económica e social no Algarve, como se tudo dependessse da iniciativa e, de repente, se ultrapassem constrangimentos sectoriais nacionais:
“Ninguém, olha para a precariedade do ponto de vista de como é que isto pode ser uma coisa boa”. (...) Ali [no Algarve, a situação] é precária ao mais alto nível: a malta trabalha 4 meses e está os oito meses no fundo de desemprego, portanto como podemos desafiar o IEFP a fazer disto uma solução, como podemos desafiar a Câmara Municipal a fazer disto uma solução?
Num outro video, que parece de divulgação da entrevista, há uma conversa estranha e sintomaticamente infantil:
- Agora vais ser oficialmente considerada política? Vês-te como política?
- Vou ter um cargo político e uma figura política, claramente, mas quero continuar a ser empreendora, mas no mundo da política. Isso é importante.
- E por agora és adjunta. Vês-te no lugar de ministra? O dever pode chamar?
- Sabes, não sei. Eu sempre disse que nunca iria trabalhar no Ministério, no Governo, mas depois de perceber que a mudança se faz dentro do sistema, porque é muito mais interessante que a mudança se faça de dentro para fora, ou que seja muito mais efectiva, eu tenho de perceber se esta é a minha praia ou não.
A assessora está, pois, cheia de auto-confiança:
Eu quero deixar o legado da minha energia. Saber que as pessoas quando falam de mim, dizem que a minha energia era uma cena fixe. Quando eu entrava na sala e olhava para os problemas e desafios, e propunha sempre alguma coisa leve [sic!], que fazia com que as pessoas acreditassem que aquilo era possível [sic!]. Eu acho que isso é que me caracteriza, e caracteria as equipas que tenho vindo a liderar até agora.
Porém, o Ministério do Trabalho é das pastas mais importantes do Governo. Lida com a condição social de mais de 4 milhões de trabalhadores, de quase 3 milhões de pensionistas e de dois milhões de pobres. A sua actividade trata do coração da sociedade portuguesa. A vida de um povo não é algo dispiciendo nem leve. E, por isso, não deveria ser entregue à experiência de "médicos" inexperientes.

É, contudo, bastante sintomático que António Costa tenha colocado à sua frente - e reconduzido - uma pessoa desprovida da menor qualificação para liderar um ministério com a importância e relevo que este tem. É superficial, ligeira, permeável, obediente, desconhecedora dos dossiers, incapaz de ter uma boa prestação política no Parlamento porque é quase ignorante dos problemas que tem em mãos. Por isso, não é de estranhar que tente rodear-se de pessoas que ela julga serem pessoas com quem possa ter uma conversa, de igual para igual, sobre matérias que desconhece.

Ai de nós, trabalhadores, pensionistas e pobres... se não nos organizarmos!

6 comentários:

L. Rodrigues disse...

É toda uma geração alimentada a palestras motivacionais. Acredita que consegues. A resposta está dentro de ti. Pensa fora da caixa.

TINA's Nemesis disse...

Inês Alexandre está submergida no Neoliberalismo e nem se dá conta disso, não é de admirar, nunca conheceu outra coisa... Mas há outros que também nasceram no Neoliberalismo e revoltam-se contra e tentam acabar com ele! Estes não são convidados pelo Costa para nenhum ministério, e também não são convidados para dar opiniões na comunicação social.

Anónimo disse...

Ou como já ouvi numa qualquer TED talk desta vida: "fake it till you mais it"...

Anónimo disse...

Se fizer uma ponte até vila franca de Xira, ainda saca um lugar na Lusoponte.

Anónimo disse...

Não sei se é competente ou não, e isso deve ser o critério de avaliação. Mas sei que encontrar soluções dentro do sistema já provou não resultar. “Faz o que sempre fizeste e obterás o mesmo resultado”.

Anónimo disse...

Tem razão: este é, apenas, um exemplo extremo (e descarado) das soluções que o "sistema" vem arranjando desde há, pelo menos, 30 anos!